A Colonização Portuguesa no Brasil
    José Tadeu Cordeiro

 

 

A descoberta do Brasil situa-se no quadro da expansão ultramarina portuguesa. Diante dos descobridores portugueses surgiu um novo mundo. Não só novo, mas, principalmente diferente e, que exigiu uma nova maneira de pensar e de agir.


    Embaraçados diante da realidade descoberta, os portugueses procuraram se apropriar das riquezas, dentro do quadro mercantilista. Antes de conhecer as terras e os habitantes, antes de conhecer a maneira como produziam e o que produziam, antes de conhecer-lhes a religião, se puseram a buscar o ouro e a prata e, as famosas especiarias orientais.


    No primeiro encontro do capitão, Pedro Álvares Cabral, com os donos da terra, os índios, fica clara a decepção dos portugueses. Não havia notícias de ouro e de prata. “Eles não lavram nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outro animal que costuma ser visto onde vivem os homens. Nem comem, senão inhame, que aqui há muito (...) Até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; (...) Porém a terra em si é de muitos bons ares”.


    Esta terra, desprovida de ouro e prata, de trigo e gado, de ferro e vinho, mereceria o desprezo do comerciante ávido de lucros, de comércio, de metais preciosos e de especiarias.


    Muitas peças constroem o palco do Paraíso: os homens e mulheres andam nus, “sem coisa alguma que lhes cobrissem as vergonhas (...) não plantam nem criam”. (...) Embora esquivos “a gente é boa e de boa simplicidade”. A inocência dos indígenas aponta para um caminho inesperado: a inocência é o caminho do cristianismo.


    A fascinação de Caminha é também a dos rudes e grosseiros homens da armada, como denuncia na carta ao rei de Portugal, “com estes dois degredados ficam mais dois grumetes (marinheiros), que esta noite saíram desta nau (...) fugindo para a terra. Não vieram mais”.


    O Paraíso fora feito para eles, eram os senhores da terra nova. Frei Vicente Salvador completaria o pensamento de Caminha e justificaria a deserção dos grumetes: a terra seria boa “especialmente para aqueles que vivem em Portugal, na pobreza (...) porque a terra é tão favorável aos que a vão buscar, que a todos agasalha (...)”.


    Além das delícias edênicas prometidas por Caminha, se apresenta ao imigrante português a libertação do trabalho. “Os moradores tem suas terras, sesmarias doadas pelo capitão (...) e a primeira coisa que pretendem adquirir, são escravos para nela trabalharem e, se uma pessoa conseguir um casal de escravos (indígenas) ou mais, ainda que outra coisa não tenha de seu, logo tem riqueza para sustentar honradamente sua família: porque enquanto um pesca e o outro caça, os outros cultivarão a terra e, desta maneira, não é necessário comprar mantimentos para os escravos, nem para a família”.


    Disso se pode compreender como serão as fazendas com 200 ou mais escravos. Raymundo Faoro, de quem retiramos estas idéias, chama atenção para a expressão sustentar honradamente sua família, que transfere o suor e a fadiga ao indígena e a riqueza ao colono.


    A colonização da América exerceu uma atração “afidalgadora”, sem leis e nem repressão ao sexo e a vadiagem. Um escritor português do século XVI escreveu: “No Brasil não se morre senão de velhice, onde a gente vive em um admirável simplicidade e ignorância, sem letras, sem leis, sem qualquer religião. (...) Neste país não há trabalho, nem medo, nem governo, nem submissão”.


    Em Portugal, a nobreza e os comerciantes, estimulados pelos lucros do comércio com a Índia, tornaram-se mais ricos e ostentadores dessa riqueza, enquanto o povo, mais numeroso, fez-se mais pobre e mais consciente de sua miséria.


    Um país sem ouro nem prata, sem as riquezas da Índia, não oferecia nada ao nobre, ao comerciante e ao burocrata. O Brasil se converteria no alvo das esperanças dos desfavorecidos, da plebe e, essas esperanças silenciaram ressentimentos e revoltas contra nobres e burgueses, na Metrópole.


    Esse mundo idílico, voltado para o homem português pobre, durou pouco e desapareceu como um sonho. Quando a Europa impõe a América suas trocas, seu estilo comercial, seu sistema de exploração, o encantamento se retraiu e o duro dia a dia, amargo e sem perspectiva falará sua linguagem.

 


 

Colonização como Prolongamento do Sistema de Feitorias

    São os interesses comerciais, triunfantes na Europa e derivados dos valores que enriqueceram Portugal, que ditam, por meio do Estado a exploração social e econômica do Brasil.
Primeiro, o pau-brasil, a defesa do caminho para as Índias, depois o açúcar. No meio de tais empresas a visão das minas, já buscadas por Martim Afonso de Souza.


    O açúcar, depois de lançado o primeiro engenho, em São Vicente, entrelaça-se na corrente mercantil. A elevação dos preços, a partir da 2ª metade do século XVI, foi responsável pelo predomínio do açúcar brasileiro no mercado europeu.


    Com efeito, em nenhuma parte se ofereceram condições para essa cultura: terras em quantidade e de boa qualidade, clima adequado e o trabalho, representado pela escravidão dos índios primeiro e dos africanos quando a empresa já dava os primeiros lucros.


    A colonização não se afastou, nesse primeiro momento, de expediente para consolidar as bases comerciais portuguesas. Não visava a uma transmigração, como o modelo da América Setentrional Saxônica, mas reforçar a defesa contra as investidas dos contrabandistas ao monopólio das conquistas, cujo comércio só é admitido com a Metrópole.


    A colonização implantada por D. João III não se desvincula do momento europeu, significou um aperfeiçoamento do sistema de feitorias. Em suma, como notou com precisão Caio Prado Jr., todos os grandes acontecimentos dessa época, que se convencionou chamar de “descobrimentos” articula-se num conjunto que não é senão um capítulo da História do comércio europeu. (...) Não tem outro caráter a exploração da costa africana e a descoberta e colonização das ilhas pelos portugueses, o roteiro das índias, a descoberta da América e a exploração de seus vários setores. Nestas condições, “colonização” ainda era entendida como aquilo que era praticado anteriormente, fala-se em colonização, mas o que o termo envolve não é mais do que o estabelecimento de feitorias comerciais, como os italianos vinham de longo tempo praticando no Mediterrâneo, a Liga Hanseática no Báltico (...) como os portugueses fizeram na África e na Índia. Na América a situação se apresentou diferente: um território primitivo, habitado por rala população indígena, incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins comerciais que se tinha em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias, com um reduzido pessoal incumbidos apenas do negócio, sua administração e sua defesa armada: era preciso ampliar essas bases, criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que interessavam ao comércio português. A idéia de povoar surge daí, e só daí (...). Há um ajustamento entre os tradicionais interesses mercantis que se assinalam com a expansão ultramarina da Europa, e que são conservados e as novas condições em que se realizará a empresa. (...) No seu conjunto a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos materiais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico, como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos.


    JT Cordeiro baseou-se em Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, pp.99-104.

 


    Interpretando o texto

1.O que os portugueses sentiram diante do mundo descoberto? O que eles buscavam no novo mundo? Qual a importância da “visão” das minas na exploração do Brasil?


2.Porque o Brasil era o “Paraíso” para os pobres de Portugal?


3.Porque essa visão do “Paraíso” durou apenas um breve sonho?


4.Como uma pessoa que nada possuísse poderia ficar rico no Brasil?


5.Como Caio Prado Jr. percebeu o sentido da Colonização dos trópicos?


6.Porque Portugal preferiu a exploração das Índias ao Brasil?