Brasil 1950-1990 : Nosso Fim de Século
    José Tadeu Cordeiro
 

 

Roberto Schwarz, de quem retiramos as idéias centrais deste texto, parte de uma crítica , que constata que o cinema brasileiro tinha público, na década de 50, mas se limitava a mostrar comédias que não tinha nada a ver com a realidade brasileira. Para os críticos de arte, brasileiros, “cinema de fato era aquele que era feito na Europa e nos Estados Unidos”. Essa era a situação semicolonial em que vivia o cinema nacional.

 

No campo econômico e social, Getúlio Vargas criara o modelo econômico de desenvolvimento nacional (nacional-desenvolvimentismo) que se propunha a arrancar a população rural da existência semicolonial em que vivia no campo e, integrá-la na vida urbana, para que obtivesse o emprego industrial e a cidadania, que representavam a modernidade.

 

Posto como objetivo prático, o desenvolvimento nacional reformulava o pensamento crítico e as aspirações a modernidade passava pela experiência efetiva do país. No final da década de 50 e início da década de 60, os intelectuais procuravam fazer com que as “reflexões” se debruçassem sobre os reais problemas brasileiros. O desenvolvimento econômico e social armou um imaginário novo, com certa consistência interna, onde parecia razoável testar a cultura pela prática social do país.

 

Nascido da conjunção da industrialização com a formação do mercado interno, o desenvolvimento adquiriu certo sentido de epopéia com a construção de Brasília e, seu ponto de chegada era as sociedades desenvolvidas da Europa e dos Estados Unidos.

 

Existia a convicção de que nossos interesses econômicos enfrentariam os interesses imperialistas (norte americanos) e que a firmeza na luta antiimperialista dependia de uma mudança na correlação de forças internas, ou seja, a necessidade de ascensão política dos trabalhadores, que representavam os verdadeiros interesses nacionais. Surgia a consciência de que a exploração de classes e as desigualdades na ordem internacional se realimentavam reciprocamente e era importante percebe-las como parte de um todo.

 

Foi um momento forte, de tomada de consciência nacional e de classe que se traduziu por uma notável desprovincianização do pensamento. Não foi por acaso que o Cinema Novo revelava cineasta como Glauber Rocha (Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe, etc.) e, surgiam as obras de Celso Furtado (Formação Econômica do Brasil, Dialética do Desenvolvimento, etc.) e Fernando Henrique Cardoso (Dependência e Desenvolvimento na América, Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil, etc.).

 

Em 1964 o golpe militar pôs por terra a democracia, iniciando outro processo de perseguição e exílio de intelectuais e lideranças políticas, estudantis e dos trabalhadores, que atingiu o clímax entre 1968/73. O fim do processo democrático e, o início da ditadura militar, não significou o fim do modelo nacional desenvolvimentista, pelo contrário, significa sua retomada com mais força. A participação do Estado na atividade econômica torna-se ainda maior, com a criação de estatais no campo das comunicações telefônicas (Embratel, Telesp, etc.), firma-se a participação no setor elétrico (CESP, Itaipu, etc), no setor de petróleo e no de derivados de petróleo (química fina), etc.

 

O nacional desenvolvimentismo só chegaria ao fim na década de 70, após os dois choques do petróleo (1973 e 1978), a crise da dívida externa, as dificuldades de acesso aos financiamentos externos e as novas tecnologias (que dependiam de novos investimentos externos) e a globalização de economia, que juntas levantaram uma muralha que impedia a continuação do nosso processo de desenvolvimento nacional.

 

 

O processo de modernização urbano industrial do Brasil, com dinamismo próprio, longo no tempo (1930-1978), com origens e fins mais ou menos tangíveis, não se completou e provou ser ilusório. O motor do desenvolvimento nacional encontrava-se na Volkswagen e os esforços de integração da sociedade brasileira resultaram quase um apartheid social.

 

A desintegração do projeto de desenvolvimento deixou por terra um conjunto impressionante de ilusões. Recordando: “o desenvolvimentismo arrancou populações inteira ao campo para as enquadrar num projeto de industrialização, o qual a certa altura da década de 70, não pode dar prosseguimento”. Esses trabalhadores, que vieram do campo, para obter, na cidade, o emprego industrial, se vêem numa situação histórica nova, de ex-proletários virtuais (uma vez que vieram para trabalhar como operários nas indústrias e não conseguem empregos) e de sujeitos monetários sem dinheiro, disponíveis para toda sorte de crimes.

 

Schwarz recorre ao sociólogo alemão, Robert Kurz, que chamou de pós- catastróficas as sociedades que se mobilizaram para a industrialização e não conseguiram se viabilizar. Considerando deste ângulo, a desintegração nacional não é especificamente um problema brasileiro e sim um aspecto global da inviabilização das industrializações retardatárias, ou seja, a impossibilidade crescente, para os países atrasados de se incorporarem enquanto nações e de modo socialmente coeso ao progresso do capitalismo.

 

Desde a Independência, a tarefa de formação da nação colocava como imperativo, participar da modernidade. Quais as razões e os pontos em que divergimos das normas civilizadas?

 

Quando refletimos sobre isso imaginamos a modernidade a espera e ao alcance das mãos e, tomamos as nações desenvolvidas como modelo. Como se estas nações interrompessem o “desenvolvimento” e permanecessem no mesmo lugar, esperando pelo nosso desenvolvimento. O que nos levaria à modernização? Em primeiro lugar, levarmos todos os brasileiros à escola, dar-lhes uma escola de qualidade que lhes permitisse lutar pela vida. Em segundo lugar, propiciar a seus pai empregos e renda, que lhes possibilitasse manter os filhos na escola e uma vida com dignidade. Em terceiro, dar-lhes assistência médica e previdenciária decente e, ainda, permitir-lhes a entrada no mercado consumidor, com possibilidades de satisfazer suas necessidades básicas de consumo, tais como alimentação, higiene, vestuário, transportes e lazer.

 

Nada parece impedir que a elite brasileira se auto-reformule e passe da conduta clientelista à conduta racional, do mandonismo à cidadania e da corrupção à virtude republicana, do protecionismo à livre concorrência, quando, então, faremos parte das nações evoluídas.

 

Se historicizarmos a modernização, acabaremos por perdermos nossas esperanças. No Brasil, corremos o risco de ver reprisado o desastre da abolição, quando os senhores, ao se modernizarem, se livraram dos escravos e os abandonaram à própria sorte. É sabido que o novo padrão competitivo se compõe à maravilha com o nosso secular descaso pelos pobres e, já passou o tempo em que incorporar trabalhadores era uma necessidade econômica. O divórcio entre a nação e a economia globalizada é uma tendência, cujo alcance mal começamos a delinear.

 

Robert Schuarz, Nosso Fim de Século, Folha de São de Paulo (adaptado JT Cordeiro).

 

 

Interpretando o texto

1. Qual era a base econômica e social do modelo nacional-desenvolvimentista criado com Vargas?


2. Qual a mudança do pensamento que o nacional desenvolvimentismo reforçava?


3. O que deu um ar de “epopéia” ao nacional desenvolvimentismo?


4. Quais as obras desse período que demonstra essa desprovincianização do pensamento?


5. Qual o papel do golpe de 64 em relação ao modelo econômico e social criado por Vargas?


6. O que levou o modelo nacional desenvolvimentista ao fim? Qual a conseqüência social do fim do modelo nacional desenvolvimentista?


7. Em que pontos divergimos dos países civilizados? O que a elite brasileira teria que fazer para que passássemos do clientelismo populista a uma conduta racional?


O autor chama nossa atenção para “se historicizarmos a modernização” perderíamos nossas esperanças. Por quê?