A Era dos Impérios
    José Tadeu Cordeiro

 

 

“Memória é vida. Seus portadores sempre são grupos de pessoas vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita a dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação (...). A história é sempre a incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente: a história é uma representação do passado”.

 

Pierre Nora, 1984

 

Hobsbawn parte de dados biográficos – sua mãe formou-se numa escola de ensino secundário, em Viena, 1913, uma façanha incomum na Europa Central, e ganhou como premio uma viagem ao exterior. O lugar escolhido foi o Egito, então um museu vivo, próprio para o aprimoramento cultural e, onde vivia um tio, com empórios em vários lugares do Oriente. Seu pai, filho de imigrantes poloneses, que buscavam melhores condições de vida em Londres, partiu para o Egito para trabalhar numa companhia de navegação. Lá os dois se encontraram e casaram-se.

 

Para o autor é improvável que um encontro assim tivesse acontecido, nessas circunstâncias, em qualquer período anterior a essa época,ou seja é nessa época de expansão imperialista, onde um grupo pequeno de países dominaram o mundo todo, que foi possível o encontro de pessoas de classe média, a trabalho ou divertindo-se em outros continentes.

 

Para todos nós há uma zona de penumbra entre a história e a memória, entre o passado como um registro geral aberto a um exame mais ou menos isento e o passado como parte lembrada ou de experiências de nossas vidas.

 

A extensão dessa zona de penumbra pode variar, bem como a obscuridade e a imprecisão que a caracterizam. Mas sempre há essa terra-de-ninguém no tempo.É a parte da história cuja compreensão é mais árdua para os historiadores – é o caso do autor ao se propor a compreender este período.

 

O mundo em que vivemos é ainda, em grande medida um mundo feito por homens e mulheres que cresceram no período de que trata este livro. Considere-se as personagens políticas do século XX, em 1914 Lênin tinha 44 anos; Stalin, 35; Roosevelt,30; Keynes,32; Hitler,25; Churchill,40; Ghandhi,45; Nehru, 25; Mao,21; Tito e Franco, 22; etc. e, depois de transcorridos 75 anos do século XX, a Era dos Impérios é significativa na formação do pensamento moderno.

 

Ao contrário do historiador das Cruzadas, o historiador da 2ª Guerra Mundial pode ser corrigido por aqueles que, lembrando dela, meneiam a cabeça e lhe dizem:”Mas não foi nada disso”. Não obstante, as duas versões da história – a acadêmica, extraída de arquivos, documentos, etc., e, a existencial ou a memória viva que são, em sentidos diferentes, construções coerentes do passado. Por isso mesmo é importante desmistificar a Era dos Impérios, pois já não vivemos nela, mas não sabemos quanto dela ainda vive em nós.

 

A história não é como uma linha de ônibus em que todos – passageiros, motorista e cobrador – são substituídos quando chegam ao ponto de destino.

 

Agosto de 1914 foi considerado o marco do fim do mundo feito pela e para a burguesia. Não é por outro motivo que esse período (1875-1914) atraiu um enorme número de historiadores que discutiram o imperialismo, o desenvolvimento dos movimentos trabalhistas e socialistas, o declínio econômico britânico, a Revolução Russa e, principalmente, as origens da 1ª Guerra Mundial.

 

 

A questão das origens da 1ª Guerra mantém se viva porque as origens das guerras têm se recusado a desaparecer desde 1914. A maioria desses autores ou se voltam ao passado, como The Proud Tower : um retrato do mundo anterior a guerra (1890-1914) de Bárbara Tuchman, ou ao futuro, como The Visible Hand – gênese da administração moderna) de Alfred Chandler.

 

Os menos observadores e mais sentimentais tentam constantemente retomar os encantos de uma época que as lembranças das classes ricas e médias tenderam a ver o mundo através de uma névoa dourada: a belle époque – o que agradou aos produtores de espetáculos e a mídia.

 

Outros historiadores mais preocupados com o fato de boa parte do que é característico de nossa época terem aí suas origens. Na política, os partidos trabalhistas e socialistas tiveram suas origens entre 1875-1914. A mesma filiação são as políticas de governos eleitos pelo voto democrático, o partido de massa moderno e o sindicato de massa, organizado a nível nacional, bem como a legislação moderna, relativa ao bem estar social.

 

Com o nome de “modernismo”, a avante guarde desse período dominou a maior parte da produção cultural erudita do século XX. A cultura da vida cotidiana ainda é dominada por três inovações deste período: a indústria publicitária, os modernos jornais e revistas de circulação de massa e a fotografia em movimento ou o filme.

 

No que tange a tecnologia, os automóveis movidos a gasolina dominam nosso cenário urbano. As comunicações por telefone, telégrafo, inventadas à época foram aperfeiçoadas mas não superadas. É possível que as derradeiras décadas do século XX não caibam mais no quadro estabelecido antes de 1914, mas na maioria das vezes este ainda servirá como referência.

 

A Era dos Impérios é o 3º volume do que acabou sendo um estudo geral do longo século XIX dos historiadores, que vai, digamos, de 1776 a 1914. O eixo central em torno do qual o autor organizou a história do século XIX foi o triunfo e a transformação do capitalismo na forma historicamente específica de sociedade burguesa em sua versão liberal. A história começa com a dupla e decisiva erupção da Revolução Industrial, na Grã Bretanha, que estabeleceu a capacidade ilimitada do sistema produtivo, criado pelo capitalismo, em promover o crescimento econômico e penetração mundial; e da revolução política franco-americana, que estabeleceu os modelos dominantes das instituições públicas da sociedade burguesa.

 

A Era das Revoluções (1789-1848) está estruturado em torno desse conceito de “revolução dual”.Ela levou à conquista audaciosa do planeta pela economia capitalista, pela burguesia e sob a bandeira da ideologia do liberalismo. Este é o principal tema do 2º volume, A Era do Capital, que abarca o período entre as revoluções de 1848 e o início da Depressão de 1870, quando as perspectivas da sociedade burguesa e sua economia pareciam tranqüilas.

 

Economicamente, as dificuldades de uma industrialização e de um crescimento econômico limitados pela estreiteza de sua base inicial foram superadas pela disseminação da transformação industrial e pela enorme ampliação dos mercados mundiais e, socialmente, os descontentamentos explosivos da Era das Revoluções foram dissipados. Os principais obstáculos que se opunham ao progresso burguês, contínuo e ilimitado, pareciam removidos.

 

 

A Era dos Impérios é dominada por essas contradições: Foi uma era de paz sem paralelos no Ocidente, que gerou uma era de guerras mundiais, igualmente sem paralelo.Foi uma era de estabilidade social crescente, dentro das economias desenvolvidas que forneciam os pequenos grupos humanos capazes de conquistar e dominar vastos impérios.Mas, gerou nas suas periferias as forças combinadas da rebelião e da revolução.

 

Desde 1914, o mundo tem sido dominado pelo medo e às vezes pela realidade de uma guerra mundial e pelo medo (ou esperança) de uma revolução – ambas baseadas nas condições históricas – que emergiram da Era dos Impérios.

 

Foi a era em que: 1º os movimentos de massa organizados da classe dos trabalhadores assalariados – característica e criação do capitalismo industrial – emergiram exigindo o seu fim.Mas emergiram em economias prósperas, onde o capitalismo lhes proporcionava uma vida menos miserável;2º em que as instituições políticas e culturais do liberalismo se estendiam as massas operárias (inclusive às mulheres) mas isso forçou a burguesia a ocupar uma posição marginal no poder político – porque as democracias eleitorais liquidaram o liberalismo burguês nos países industriais; 3º uma era de crise de identidade e de transformações. As pessoas jurídicas – grandes organizações empresariais, as sociedades anônimas – de propriedade de acionistas, que empregavam administradores e executivos assalariados, começaram a substituir as pessoas concretas e suas famílias na propriedade e na administração de suas empresas.

 

Estudamos o momento histórico em que a sociedade e a civilização criadas pela burguesia liberal transforma-se, marcando a passagem de seu desenvolvimento inicial para o imperialismo, e de uma forma ou de outra, a Era dos Impérios antecipa e prepara um mundo quantitativamente diferente do passado.
 

 

J.T. Cordeiro adaptou de Eric Hobsbawn, A Era dos Impérios.

 


 

Interpretando o texto

1ª Como Hobsbawn usou os dados biográficos para provar as mudanças no mundo?


2ª Quais as dificuldades do historiador do pós guerra?


3ª Quais as transformações citadas pelo autor que criaram o mundo de hoje? Explique-as.


4ª Comente a divisão feita por Hobsbawn, em sua obra, para entender o mundo atual.