Interpretação do Brasil: Uma Experiência Histórica de Desenvolvimento
    José Tadeu Cordeiro

 

 

Paul Singer, de quem retiramos estas idéias, divide o processo de industrialização brasileira em 4 fases:

 

Na 1ª fase que vai de 1880 a 1930, o autor mostra que enquanto a Europa Ocidental e os Estados Unidos entram numa Segunda fase da Revolução Industrial, usando de novos processos industriais (fordismo e taylorismo) conseqüência do aumento das plantas industriais, da racionalização do processo industrial, do emprego sistemático de novas fontes de energia (elétrica e o petróleo) e de novos produtos, um dos quais, o motor a combustão interna.

 

Enquanto isso, o Brasil permanece como país agro-exportador, com sua economia movimentando-se em torno de grandes produtos de exportação: café (Sudeste), cacau (BA), borracha (AM) e o açúcar (NE e SP).

 

O modelo agro exportador privilegia os produtos de exportação e o sistema político será expressão deste poder econômico. No caso brasileiro, a industrialização, segundo Singer, só poderia ocorrer de duas maneiras: 1º substituir os produtores locais da indústria artesanal pela grande indústria monopolista, isso implicaria em criar uma ampla rede de comunicações que privilegiasse o mercado interno, o que, evidentemente, não fazia parte da política econômica em vigor; 2º substituir as importações por um processo de industrialização interno, o que implicaria num aumento das tarifas aduaneiras, que tornasse proibitivo os preços das importações e favorecesse a indústria local. A elite exportadora brasileira sempre se preocupou com possíveis retaliações que uma tentativa de proteger a indústria local poderia provocar contra os produtos brasileiros.

 

No campo do trabalho, enquanto os países desenvolvidos entram numa 2ª fase da revolução industrial, no Brasil ainda fazemos a transição da mão de obra escrava para o trabalho livre, com a entrada maciça de imigrantes. A abolição combinada com a imigração fará crescer a urbanização principalmente na região cafeeira, e como conseqüência secundária da reorganização cafeeira, iniciará o processo de industrialização do país.

 

Na Segunda fase (1933-55) inicia-se após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929) e a crise financeira internacional, cujas repercussões, no Brasil, implicará na mudança da coligação de interesses que dominará o poder.

 

A crise do SME proporciona a oportunidade de uma nova aliança no poder, comandada pelas classes médias (tenentes e burguesia industrial em gestação) que privilegiará uma política econômica voltada para o mercado interno (SMI). Na prática isso significava abrir regiões semi-isoladas e integrá-las da divisão inter-regional do trabalho, o que significava ampliar o mercado para o capital industrial e para a sua acumulação.

 

A infra-estrutura construída anteriormente, se serviu para alargar certos mercados regionais, fê-lo de modo acidental, já que seus objetivos eram o mercado externo. Mas a partir de 1930, a Marcha para o Oeste, visava integrar economicamente o território do país, o que significava, criar um mercado nacional. Neste novo modelo, voltado para o SMI, a substituição da ferrovia pela rodovia, viabiliza o transporte dos produtos do capital industrial, concentrado sobretudo em São Paulo, acessíveis a uma vasta área tributária. Desse modo, o automóvel e o caminhão, novos produtos que o país importa em grande quantidade, introduziram os produtos da 2ª revolução industrial no país.

 

 

E foi o que ocorreu, a industrialização induziu a urbanização de boa parte do país, aumentando a demanda por alimentos, o que, por sua vez ampliou a expansão da agricultura comercial voltada para o mercado interno (enquanto a população cresceu 52% no período, a produção de arroz cresceu 144%, batata inglesa, mandioca e feijão cresceram 123%,137% e 73% respectivamente, no período 1933-55).

 

Entre 1939-52 a produção industrial brasileira cresceu 8,3% ao ano. Os setores que mais se destacaram foram: borracha, material de transportes, metalurgia, minerais não metálicos, química farmacêutica (18,4%; 16,1%; 15,2%; 12,1% e 10,5% respectivamente). Não por acaso foram os setores em que as importações mais cresceram.

 

Revela-se assim um aspecto essencial do processo de industrialização brasileira. Este se deu mediante a importação de tecnologia, tanto sob a forma de novos produtos, como de uma mudança nos processos de produção. A superioridade do capitalismo industrial sobre a produção simples de mercadorias consiste na sua maior produtividade, que reflete em custos mais baixos, mas essa superioridade só se materializa na medida em que o capital pode dispor de equipamentos e matérias primas adequadas, que pelo menos numa primeira fase, tem que ser importados. O mesmo se dá com a importação de novos produtos, que se incorporam ao consumo na medida em que há uma urbanização crescente. O automóvel, a televisão, o telefone, a geladeira e centena de outros produtos caracterizam esse padrão de vida que constitui a razão de ser do “desenvolvimento” para a maioria da população. É claro que a importação desses produtos tende a crescer na medida em que parcelas crescentes da população são incorporadas ã economia capitalista.

 

De tudo isso resulta um crescimento da demanda de importações que tende a ultrapassar as disponibilidades de divisas do país. Impunha-se a substituição de importações, que a partir de 1930 requeria uma reestruturação das relações de produção. Era necessário fazer inversões de grande vulto, com longos prazos de maturação, que exigia formas de acumulação apenas realizável num mercado de capitais capaz de concentrar numerosas poupanças privadas. A passagem rumo ao capitalismo monopolista não poderia ser feita sob a égide do capital privado nacional (inexistente na quantidade requerida) e teve que ser feita mediante intervenção do capital estatal numa 1ª fase e do capital multinacional, mais tarde.

 

A CSN construída durante a guerra e produzindo a partir de 1946, contribuiu para baixar nossa dependência de metalurgia, a FNM, a 1ª empresa a fabricar veículos automotores no Brasil (35% de nacionalização em 1952), um programa de investimento em energia, deu origem a Petrobrás e a Eletrobrás, etc. em suma, essas empresas fazem surgir o setor monopolista no Brasil, que procurou viabilizar o processo de industrialização brasileiro, apesar do estrangulamento externo.

 

Na 3ª fase (1956-67) marca a expansão do capital monopolista internacional, que após a reconstrução das economias participantes da 2ª Guerra, volta-se para o exterior e leva a indústria de grande porte à periferia do capitalismo, disputando mercados já construídos.

 

No Brasil, após uma série de crises políticas, inclusive com o suicídio de Vargas, Juscelino Kubstechk assume o poder, com a proposta de industrializar o país, visando a integração do território brasileiro com a transferência da capital para Brasília e interligando-a a todo território nacional. Prevendo que isso acarretaria uma ampla substituição da indústria artesanal pela fabril, seu Programa de Metas visa elevar a produção industrial entre 1955-60 na siderurgia de 1,1 para 2,3 milhões de toneladas, o refino de petróleo de 6,5 para 16,5 milhões ton/ano, a de alumínio de 2,6 para 30 milhões ton/ano, o cimento de 2,7 para 5 milhões ton/ano , a celulose de 90 para 500 mil ton/ano, etc. De uma forma geral estes objetivos foram alcançados. A realização mais impressionante, a indústria automobilística, produziu 2.189 unidades ano (1958) e em 1960 produziu 37.843 unidades, enquanto a produção de caminhões pulou de19 mil (1957) para 51 mil (1960).

 

A produção industrial cresceu 11,9% ao ano no período 1957-62, com destaque para o ramo de material de transporte e elétrico (27% ao ano), química e mecânica (16,5% ao ano), metalurgia e borracha (15% ao ano). Estes ramos produzem bens de capitais, bens intermediários e bens de consumo duráveis. As indústrias de bens de consumo não duráveis cresceram menos (8,8% no setor têxtil e 7,5% no de alimentação).Enquanto no período anterior, a implantação da indústria monopolista ocorreu através do capital estatal, agora o capital estrangeiro domina amplamente a implantação do capital monopolista.

 

 

Poder-se ia perguntar por que após lançar os fundamentos de uma estrutura industrial moderna com capitais próprios o país abriu sua economia para o capital estrangeiro, a tal ponto que ele acabou dominando suas indústrias mais dinâmicas?

 

Analisando os investimentos externos no país observa-se que os investimentos diretos subiram de 17,6 (1947-55) para 106 milhões de dólares, que somados aos investimentos das empresas que já estavam no país mais os dólares que vieram como empréstimos totalizam investimentos de US$ 700 milhões, aproximadamente 20% de todo capital fixo do país.

 

Nestas condições, é provável que a abertura do país tenha sido resultado da correlação de forças dentro da aliança de poder, vencendo os que eram favoráveis a aceleração do processo de industrialização, com a participação de capitais estatais e multinacionais.

 

Pode-se dizer que o capitalismo monopolista, que antes de 1930 só existia nos serviços de infra-estrutura, lança suas raízes no país entre 1933-55 para passar a dominar o processo de industrialização a partir de 1956. A partir de 1962 o ímpeto da industrialização começa a diminuir, passando de 10,2% (56-62) para 2,9% ao ano (62-67).

 

Essa queda na produção se explica, sumariamente : pelo crescente desequilíbrio na Balança de Pagamentos Externos, resultado do endividamento externo entre 56-61 e a incapacidade de substituir o café (cujos preços caíram desde 1953) e diversificar nossas exportações; 2º crescente desequilíbrio no orçamento público (conseqüência de investimentos em infra-estrutura e em empresas estatais); 3º crescente organização e combatividade dos assalariados, provocado pela elevação do custo de vida e pela desaceleração do crescimento econômico.

 

Diante deste quadro, as tentativas de combater a inflação com medidas clássicas (contenção de gastos públicos, restrição ao crédito, limitação dos aumentos de salários) fazem com que os investimentos privados também se retraíam, provocando seguidos choques políticos, que levam ao golpe militar de 1964.

 

O novo regime concentra o poder no Executivo Federal, impõe uma Reforma Fiscal que aumenta a receita do Estado, de 17-21% do PIB entre 57-64 para 26,7% ao ano em 1968. Isso reduziu o déficit orçamentário de 4,3% (1962/63) para 0,6% ao ano em 1969.

 

Na 4ª fase (1968-1980) se deu a consolidação das transformações estruturais. Se o período 1955-67 representou a integração final do mercado nacional e o estabelecimento da hegemonia do capital monopolista. A partir de 1968 começa a se esgotar a possibilidade de incorporar novas áreas à produção capitalista e essas novas incorporações representam um papel menos dinâmico na acumulação de capital. O crescimento econômico é comandado cada vez mais pela introdução de novos produtos, ou seja, pela diversificação do consumo das camadas de maior poder aquisitivo.

 

Para Singer, no final da década de 60, o Brasil passa a participar de forma mais ativa da divisão internacional do trabalho. Na medida em que o comércio entre os vários países onde as multinacionais se instalaram, as diferenças do nível de desenvolvimento dão lugar a vantagens comparativas, cuja exploração é o fim específico das multinacionais. O elevado grau tecnológico nos países centrais e o baixo custo da mão de obra nos países periféricos, tende a levar a produção para áreas mais vantajosas, com o propósito de explorar essas vantagens.

 

O extenso mercado interno, a participação na ALALC, o reduzido custo da mão de obra e a considerável infra-estrutura industrial já instalada constituem vantagens comparativas que atraem as multinacionais ao Brasil. O governo brasileiro, visando ampliar sua pauta de exportações criou o BEFIEX, que reduz impostos de empresas que se instalam (ou que já estão instaladas) no país visando não só o mercado interno, mas assumindo também um compromisso de exportar parte da sua produção.

 

O curso perseguido pelo país após 1968 tende a polarizar socialmente o país, não só entre o setor moderno versus o tradicional, que persiste, mais agora dentro do próprio setor monopolista.

 

 

JT Cordeiro adaptou de Paul Singer, Interpretação do Brasil, O Brasil Republicano.

 

 

Interpretando o texto

1ª Como o Brasil iniciou seu processo de industrialização? Como estava o processo de industrialização na Europa e no Brasil?


2ª Como se deu a industrialização no período 1880-1930? Qual o entrave da política econômica ao desenvolvimento industrial?


3ª Qual a nova política dos anos 30? Como se materializa a superioridade do capitalismo industrial? O que provoca o crescimento das importações?


4ª O que caracterizou a 3ª fase (1956-67) da industrialização? O que é o Programa de Metas?


5ª Porque após lançar os fundamentos da industrialização com recursos próprios o país se abriu para o capital estrangeiro?


6ª Como o autor explica a queda na produção industrial após 1962? Quais suas conseqüências?


7ª Qual a estratégia para o crescimento econômico após 1968?


8ª O que atraia as empresas monopolistas para o Brasil nas décadas de 1960/70?