A Questão Agrária no Brasil

José Tadeu Cordeiro

 

 

   Em 1978, Caio Prado Jr chamou a atenção para a oportunidade de retomar a discussão sobre os problemas agrários no Brasil,  porque, diz ele “a revolução de 1964, só fez consolidar nosso passado colonial, com fornecimento e disponibilidade de mão de obra de fácil exploração e custos mínimos”. Para o autor esta é a origem e ampliação dos  bóias frias nas periferias das cidades brasileiras.

 

     Para Caio Prado, a reforma agrária deveria representar um grande e natural passo no processo de evolução do país, onde o real desenvolvimento consiste na superação das atuais situações sócio-econômicas herdadas do passado, sobretudo das estruturas agrárias que mantém uma parte considerável da população em miseráveis condições de vida, materiais e culturais. São essas condições que a reforma agrária deve superar, uma vez que essa baixa qualidade de vida influi no deslocamento da população da área rural para as cidades, principalmente para os grandes centros urbanos, acarretando uma série de novos problemas.

 

   É nessa perspectiva que se deve considerar a reforma agrária, na marcha do país para o seu futuro, isto, é na valorização do homem. Processo de valorização este que, por contingências histórias desfavoráveis nos atrasamos tão largamente quando comparado ao mundo moderno.

 

   O problema maior é a concentração da propriedade fundiária, e as demais circunstâncias econômicas, sociais e políticas que derivam dessa concentração. A utilização da terra se faz então,  em benefício de uma minoria, decorrendo daí o miserável padrão de vida da  maioria da população rural, incluído aí os que sobrevivem do trabalho rural nas periferias de nossas cidades. Nessas condições milhões de brasileiros vivem suas vidas sem perspectivas, e ainda constituem-se no principal obstáculo ao desenvolvimento econômico e cultural do país.

 

   A grande propriedade rural constituiu-se no elemento central da colonização, que necessitava dela e do trabalho escravo para realizar os fins a que se destinava: o fornecimento em larga escala de produtos primários ao mercado europeu. Mudamos muito desde a Colônia, mas essa nova e complexa estrutura social não conseguiu superar os velhos quadros econômicos da Colônia, ao assentar-se na   utilização do latifúndio, a exploração agro-mercantil voltada para o mercado externo.

 

   Esta estrutura de distribuição da terra faz com que uma parcela considerável da população rural não disponha de terras suficientes para sua manutenção, em nível adequado. Enquanto outra parcela, que em conjunto com a anterior representa a grande maioria da população que habita o campo brasileiro, e incha a periferia das cidades brasileiras, não dispõem de terra alguma, nem de recursos e possibilidades para ocupar e explorar terras alheias a título de arrendamento autônomo.

 

 

   Ora, a considerável massa de trabalhadores sem outro recurso que alimentar sua força de trabalho, faz pender a balança da oferta e procura de mão de obra decisivamente em favor da procura, que as encontra assim em situação de impor suas condições, quase de maneira ilimitada, nas relações de trabalho. Essa é a razão principal dos ínfimos padrões sócio-econômico do trabalhador rural brasileiro, e que influirá nos baixos salários urbanos, pela concorrência permanente deste potencial de mão de obra de baixo custo, oriunda do campo.

 

   No seu conjunto e no que diz respeito ao fim essencial da agropecuária brasileira, ela foi no passado, e é ainda hoje, uma empresa coroada de êxito. Basta observar a riqueza proporcionada a seus empreendedores – senhores de engenho no Nordeste, seringalistas, na Amazônia, cafeicultores no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, pecuaristas no Brasil todo, produtores de laranja em São Paulo, e, mais recentemente os usineiros em São Paulo e, os produtores de soja no Brasil Central. Os procedimentos da agropecuária brasileira, por mais criticáveis que sejam no geral, se justificam frente ao objetivo visado: a maior soma de lucros no menor tempo possível e com um mínimo de investimentos iniciais. Se isso foi atingido e, o foi na maioria dos casos, onde está o erro?

 

   Esta indagação mostra como é falso considerar os interesses da agropecuária acima dos que dela se ocupam. Em muitos casos, os fatores positivos que favoreceram a agropecuária brasileira como negócio, constituíram precisamente as circunstâncias negativas, responsável pelo baixo nível de vida de nossa população rural. Senão vejamos, desde a ocupação e colonização do território brasileiro, os títulos de propriedade e o domínio da terra galopam muito adiante da frente pioneira de ocupação. O papel que ainda hoje lhe cabe, é tão somente de fornecer mão de obra à minoria de privilegiados que detém a posse da terra.

 

   Em suma, os êxitos comerciais da agropecuária brasileira são essencialmente devido às duas circunstâncias: disponibilidade abundante de terras e de mão de obra, circunstâncias estas que se constituem nos fatores determinantes dos baixos padrões de vida da população rural brasileira.

 

   Caio Prado vê o avanço tecnológico da agricultura brasileira com certa preocupação. Como o que lhe preocupa é a melhoria da qualidade de vida do trabalhador rural, ele observa que a melhoria da tecnologia empregada no campo não significa, necessariamente, melhoria de qualidade de vida do trabalhador e, às vezes pode até agrava-las. E usa como exemplo as fazendas produtoras de café, onde a remuneração do trabalhador não difere muito naquelas que usam melhor tecnologia daquelas em que a tecnologia é mais rudimentar. A diferença se encontra unicamente na rentabilidade daqueles tipos de estabelecimentos rurais, que é maior nos que usam tecnologias modernas.

 

    O certo é que o progresso técnico, que visa maior rentabilidade ao empresário, não constitui, por si só, fator de elevação da qualidade de vida do trabalhador rural. O que contribuiria para melhorar a qualidade de vida do trabalhador é o equilíbrio do mercado de mão de obra, a saber, a relação de oferta e procura que nele se verifica. Oferta e procura que não se modificarão enquanto permanecerem as condições vigentes em que os trabalhadores rurais não encontram outra alternativa de ocupação que não na venda de sua força de trabalho a uma reduzida classe de grandes proprietários que monopolizam de fato a maior parte das terras disponíveis.

 

   Quando a conjuntura lhe é favorável, a grande empresa rural se expande e tende a absorver o máximo de terras aproveitáveis, eliminando pequenos proprietários independentes e, inclusive arrendatários, bem como suas culturas de sobrevivência. Agravam-se as condições de vida da população trabalhadora rural, cuja remuneração, seja em dinheiro ou em participação no produto principal fica abaixo dos preços dos produtos de subsistência que os trabalhadores são obrigado a adquirir no mercado.

 

    A concentração da propriedade agrária obriga a pequena propriedade (o sítio) a se dividir indefinidamente (os filhos ficam com uma parte do sitio ou tem que ir para a cidade em busca de novas oportunidades), o que significa o empobrecimento das categorias mais modestas, cujo padrão de vida rapidamente se aproxima daquele dos trabalhadores sem terras, empregados nos latifúndios. Resulta dessa situação um duplo benefício para o grande proprietário: maior disponibilidade de mão de obra e maior quantidade de terras prontas a serem absorvidas pelos latifundiários.

 

   Caio Prado acredita que a solução desse problema começaria com uma reforma cujo principal objetivo consiste em arrancar da miséria a população rural do Brasil, elevar-lhes os padrões de vida e lastrear com isso o desenvolvimento brasileiro, que sem isso não passará de uma ilusão de desenvolvimento, a disfarçar um profundo e real atraso. Essa reforma deverá atuar direta e indiretamente sobre as circunstâncias determinantes do equilíbrio no mercado de trabalho. Uma repartição melhor da propriedade agrária, e o acesso mais fácil à ela para os trabalhadores rurais constitui, portanto, a meta principal de uma política orientada para a transformação das relações de trabalho e melhoria das condições de vida do trabalhador rural.

 

 

    Interpretando o texto:

 

1.      Porque a questão agrária é um dos nossos principais problemas?

 

2.      Em que consistirá a superação da questão agrária?

 

3.      Como o autor demonstra que a concentração da terra nas mãos de uma minoria é a principal causa da mão de obra barata?

 

4.      Porque em épocas favoráveis a grande empresa tende a absorver a pequena propriedade?

 

5.      Qual o outro fator que propicia o desaparecimento da pequena propriedade?

 

6.      Porque a tecnologia não significa melhoria da qualidade de vida do trabalhador rural?

 

7.  Qual a solução proposta pelo autor?