Entrevista/Oscar Vilhena - "Escola não ensina democracia"

    No Brasil, falta de educação, desrespeito às leis e o "jeitinho brasileiro" são lições que os estudantes aprendem com os pais e com a escola. A constatação é de Oscar Vilhena, diretor-executivo do Instituto Latino-Americano para Prevenção e Tratamento da Violência – órgão das Organizações das Nações Unidas (ONU) –, e foi feita com base em uma pesquisa com estudantes de escolas públicas e particulares de São Paulo.

    "Não adianta o pai falar que o filho tem que respeitar a lei se, na primeira esquina, ele não pára no sinal vermelho", critica Oscar. Ele acredita também que a escola precisa ensinar valores éticos e legais na prática, e não somente na teoria.

             O DIA – Qual a principal constatação dessa pesquisa?

    Oscar Vilhena – A família e a escola estão tendo dificuldades de mostrar às crianças que o debate e o respeito à lei são a melhor forma de resolução de conflitos. O estudante até que tem boas intenções (67% perderiam duas horas do fim de semana para ajudar quem precisa), mas está desiludido com o processo democrático (44% dos estudantes com mais de 16 anos não pretendem votar nas próximas eleições). Isso é culpa da escola e da família.

              Onde os pais erram?

    Eles talvez sejam os maiores culpados. Não adianta o pai dar lição de moral à criança se, ao primeiro sinal vermelho na esquina, ele não respeita. Com isso, ele mostra que as regras podem ser quebradas. Outro exemplo: quando o pai mente ao filho, por mais boba que possa parecer a mentira, ele está ensinando-o a mentir. As atitudes do pai ensinam mais que o discurso. Muitas vezes, os pais nem sequer zelam pela educação do filho, colocando a criança em frente à TV ou ao vídeo-game para que ela não os aborreça.

              O que acontece quando um pai é omisso?

    Vou responder a essa pergunta com um dado: um estudo feito na Califórnia mostra que a maioria dos criminosos perigosos não teve presença atuante dos pais em sua vida na infância. Se não há a figura paterna para colocar limites e demonstrar afeto, os valores morais ficam relegados a segundo plano. Há uma história que eu sempre gosto de expor em minhas palestras. É de um brasileiro de classe média que contava a um professor americano amigo meu como seus filhos tinham liberdade para fazer o que queriam na casa dele. "Quando esse garoto crescer e for presidente da República, ele vai achar que roubar é a coisa mais normal do mundo", disse o professor, no que eu concordo plenamente.

             Qual é a culpa da escola?

    É na escola que a criança tem o primeiro contato com alguma autoridade que não a dos pais. Porém, os  professores não estão sabendo impor limites aos alunos. Se o estudante descobre que, na escola, ele pode desrespeitar algumas regras, então ele acaba assimilando isso como uma lição. Outra falha da escola diz respeito à democracia. Não adianta nada o professor discursar sobre direitos humanos se o ambiente escolar não é propício à participação. Se o aluno é proibido de participar de grêmio e se a escola não ouve sua opinião, ele acaba se acomodando. Em outras palavras: por uma lado, a escola precisa estimular mais a democracia; por outro, precisa saber impor limites e fazer respeitar as regras, sem ser autoritária.     

             Como o professor pode mudar esse quadro?

    Sabendo impor limites e se fazer respeitar. O professor deve mostrar que, para ensinar, é preciso haver disciplina. No entanto, ele precisa mostrar que se preocupa com o aluno e que está ali não apenas para repetir ou passar de ano. Demonstrando afeto, preocupação e estando aberto a críticas e propostas de estudantes, o mestre já estaria dando um grande passo.

              Que outras falhas o senhor vê na escola?

    Ela não está conseguindo preparar cidadãos que saibam tomar decisões coletivas. A escritora Helena Singer fez um livro (Democracia na Escola) que falava sobre essa crise. À medida que o jovem não se sente participativo, ele se torna incapaz de trabalhar em grupo e chegar a decisões coletivas. O efeito disso é que ele acaba se sentindo irresponsável pelo que acontece à sua volta. Nesse sentido, acredito que o ensino de Educação Física desempenha um grande papel, pois obriga os estudantes a trabalharem em equipe para chegarem a um objetivo comum.

              Mas o poder público também não tem culpa?

    Tem. Quando se percebe que os corruptos ficam impunes e que nossa democracia é frágil, os jovens acabam se desinteressando pela política. No entanto, os pais e a escola poderiam contribuir para mudar esse quadro se educassem melhor as crianças. A mudança nos valores da sociedade é responsabilidade, principalmente, dos pais e dos professores. Não adianta esperar que os políticos mudem de uma hora para outra se nós não mudarmos o rumo da educação que damos para nossos filhos.

    Caso pais e professores não mudem a educação, quais serão os efeitos?

    Os efeitos nós já estamos sentindo. O jovem cresce apático e incapaz de tomar decisões coletivas. Na hora de tentar resolver os problemas, ele vai sempre buscar uma saída individual. E o que é pior: ele não vai ter o senso de respeito às regras do jogo democrático. Sem esse respeito, toda democracia fica abalada.