A EXCURSÃO DE CRISTOVÃO COLOMBO

Texto original: Dr. Jorge Alexandre Sandes Milagres

Como vocês sabem, melhor que ninguém, foi em 1492 que o pessoal comandado por Colombo deu em terras americanas. Ele que, avançado para o seu tempo, tinha sérias suspeitas de que a Terra seria redonda, buscava um outro caminho que levasse às Índias, acabou por descobrir um novo continente. Apesar de ser italiano, da cidade de Gênova, foi bancado pela coroa espanhola nesta empreitada, após ter o seu projeto de viagem rejeitado pelos portugueses. Morreu na Espanha, em Valladolid, em 1506, aos 55 anos.

Na verdade, o chamado "descobrimento" é um lance meio esquisito de se compreender, uma vez que por lá já havia um bom número de seres humanos que, pela versão oficial, estavam carentes de orientação, prontos a serem catequizados e submetidos à nova ordem mundial.

Estes, assim chamados, nativos, repletos de hábitos peculiares, aos olhos dos civilizados europeus, tinham um que chamou particularmente a atenção: punham-se em círculos, em momentos de ritual de grupo, com muita cantoria e muita dança, aspiravam a fumaça de umas folhas que queimavam.

Só este ritual bastaria para ser incorporado ao jeito europeu de ser, mas além disto foram aventados eventuais efeitos terapêuticos daquela fumaça, portanto, além do barato grupal, ela supostamente curava doenças.

Quando a excursão se encerrou, na bagagem de volta, entre outras espécies de plantas do "novo" continente, mudas daquelas folhas foram parar em solo europeu. Dizem, que junto também levaram umas pedrinhas de ouro, umas esmeraldinhas, enfim, coisas de pouco valor. Séculos se passaram e, é como se os índios, após tanto desrespeito, quando suas crenças foram menosprezadas, sendo-lhes imposta uma forma estranha de relação com O Deus, quando as suas famílias foram dizimadas, quando não tiveram a posse da terra reconhecida, tendo de se contentar com reservas, tivessem exportado uma planta, que hoje é responsável pela morte de três milhões de pessoas no mundo por ano (sendo que a Organização Mundial da Saúde - OMS - estima em dez milhões de mortes por ano, a partir de 2020), que poderia ser a reparação, quase que kármica, para tanta falta de sensibilidade ocorrida no passado.

UM CERTO Sr. JEAN NICOT

Diz a lenda que havia em Portugal um certo cavalheiro chamado Jean Nicot, embaixador da França, que em 1558, preocupado com uma terrível enxaqueca que perturbava a vida de sua Rainha, Maria Catarina de Médicis e, ante a qual todos os médicos que a atendiam já haviam entregado os pontos, tem a sui generis idéia de enviar-lhe folhas da planta, para um tratamento com a inalação da fumaça, sobre a qual se falavam maravilhas curativas.

Dizem as más línguas que a Rainha jamais se curou da Realíssima enxaqueca e, também jamais parou de cheirar aquela fumaça.

Tamanha importância foi atribuída ao embaixador que, não se sabe se para "encarnar na pele" do homem ou não, coube-lhe a honra de ver seu nome batizar o nome científico da planta : Nicotiana.

Precisava-se dar um sobrenome à referida planta, mas há controvérsias quanto a sua origem. Por um lado Trinidad Tobagum foi o nome dado a uma das terras recém-descobertas por Colombo. Por outro, os "nativos" usavam um instrumento para melhor aspiração da fumaça e, este instrumento chamava-se tabaccum.Por exigência de formalidade científica, estava então nomeada a Nicotiana tabacum.

UM POUCO DA PERFEIÇÃO DA NATUREZA

Vamos nos afastar um pouco da História para fazer um rápido passeio por outro tema.

Chama a atenção, em vários aspectos, a perfeição da mãe natureza. Em quase tudo que é natural, a gente pode perceber detalhes que mostram algo de extraordinariamente bem feito.

A regularidade das diversas fases da lua com a correspondente mudança das marés nos oceanos; as estações do ano, com suas diferenças bem marcadas, principalmente no hemisfério norte (aliás, falar em hemisfério norte me faz lembrar minha cara de imbecil, durante minha especialização médica na França, olhando para o céu, em uma noite bem estrelada, procurando o Cruzeiro do Sul.

Já estava me contentando até com as Três Marias, quando o pai da amiga que eu visitava, percebendo minha angústia, me tranquilizou, esclarecendo que estas constelações não haviam desaparecido, só que estavam do outro lado da Terra. Fiquei me culpando por ter faltado aquela aula. Quando ele ia me mostrar a Ursa Menor, já estava perguntando aonde era o toilete, passado que estava, por aquele mico que havia pago. Vou me reservar o direito de não revelar o desfecho daquela noite, tendo que usar um talher que nunca havia visto antes em minha vida, para comer escargot, um caracol que só conhecia de desenho animado); o crescimento de uma árvore gigantesca, a partir de uma diminuta semente que, em si guarda toda a informação do que esta será no futuro; os milhões de estrelas e planetas que existem harmonicamente no universo; a tonalidade das cores das flores, etc.

A cada dia mais e mais constatações científicas evocam uma perfeição que, a meu ver, só pode ser obra de uma mente, de uma força, de uma energia extremamente superior. Reproduções de aspectos da natureza só podem ser alcançados mediante os cálculos de computadores sofisticadíssimos e, outras ainda não puderam nem mesmo ser entendidas, tal a sua perfeição. Diz-se que o cérebro humano tem uma capacidade potencial, i.e., não utilizada pelos seres humanos, de aproximadamente uns 95 %, tal é a intrincada engenharia que o criou.

DO CABELINHO NAS VENTAS À OXI-HEMOGLOBINA

No campo da respiração, este aspecto da perfeição dos mecanismos naturais, obviamente se faz presente. Tanto no aspecto do funcionamento pp. dito, quanto nos mecanismos de defesa existentes. Se não vejamos : quando inspiramos, o ar passa pelo nariz, aonde é aquecido, para que chegue aos pulmões numa temperatura conveniente. A existência dos pelos nasais tem a função de proteção, uma vez que determinadas partículas (poeira, bactérias, fungos, etc.) ficam retidas nesta espécie de filtro.

Já dentro da chamada árvore traqueo-brônquica, o ar também irá passar por vários processos purificadores. Existem cílios, glândulas, mecanismos imunológicos, reflexos nervosos, entre outras formas de proteção. O esquema é mais ou menos o seguinte: os brônquios, por onde o ar passa para chegar ou sair do alvéolo, são como canos, pequenos canos.

Toda a parte de dentro destes canos tem umas estruturas denominadas cílios (como os cílios do pálpebra, só que microscópicos) que, ficam permanentemente em funcionamento, como se fossem vassourinhas, sempre varrendo para cima (imaginando-se a pessoa em pé). Existem milhares de células e cada uma tem 300 cílios, que movimentam-se mil vezes por minuto e, tem uma função parecida com a dos pelos do nariz. Logo abaixo dos cílios, há uns pequeninos buracos que são bocas de glândulas. Estas glândulas produzem secreção, popularmente chamada de catarro. Nesta secreção se encontram presentes imunoglobulinas.

Resumindo, aspiramos o ar que vem contaminado sempre, com as bactérias, vírus e fungos que estão na atmosfera. Primeiramente ele é aquecido e passa por uma filtragem inicial (aonde um simples espirro já pode resolver o problema), seguindo brônquios adentro. Uma bactéria, por exemplo, para num dos campos de cílios > imediatamente a secreção é produzida de forma a envolvê-la > imunoglobulinas, presentes nesta secreção, contribuem para inativá-la > os cílios, em eterno movimento para o alto, tratam de devolvê-la para fora, misturada ao catarro > num determinado momento, o reflexo da tosse se incumbe de completar a missão. Faça sol ou chuva, de dia ou de noite, quer se esteja cansado ou não, este processo ininterrupto se dá, sempre com o objetivo de proteção de nosso organismo.

Após esta vigilância, o ar chega a umas pequenas bolas, como uvas microscópicas, chamadas alvéolos. Há 300 milhões destes alvéolos no interior dos pulmões, criando uma superfície de troca gasosa de, aproximadamente, 100 metros quadrados, em média (maior do que muito apartamento bom). Em volta de cada um destes milhões de alvéolos, passam umas microveias e artérias com sangue "sujo", i.e., aquele sangue que correu o corpo todo e chega para jogar fora o gás carbônico e receber o oxigênio que acabamos de inspirar. Aí, neste momento, o oxigênio pula do alvéolo para o sangue e, o alvéolo recebe o gás carbônico que na expiração sairá pela boca a fora.

Uma vez entrando naquelas microartérias, o oxigênio se gruda a uma proteína, chamada hemoglobina dentro das glóbulos vermelhos do sangue, como se tivesse achado sua poltrona em um avião, atasse o cinto de segurança e, só fosse saltar de lá quando encontrasse o seu destino, nos tecidos. Nesta fase se torna a Oxi-hemoglobina. Cada átomo de ferro (que é parte da hemoglobina) liga-se a uma molécula de oxigênio. É deste jeito que o oxigênio vai circular pelo corpo, saltando do avião aos poucos, naqueles lugares aonde está sendo necessário oxigênio livre.

O que isto pode ser alterado pelo fato de uma pessoa fumar, veremos no próximo capítulo.

DA CARBOXI-HEMOGLOBINA À DEVASTAÇÃO DAS FLORESTAS DE CÍLIOS

Vamos fazer a viagem inversa, para entender parte dos males causados pela fumaça de cigarro. Primeiro, vale assinalar, como uma curiosidade a mais, que as substâncias presentes na fumaça do cigarro, ao serem tragadas, não levam dez segundos para alcançar o cérebro.

Tínhamos visto que as moléculas de oxigênio que estão nos alvéolos pulam para o sangue e se aderem à hemoglobina, dando origem à oxi-hemoglobina. Acontece, que na fumaça existe um negócio chamado monóxido de carbono (CO). Este CO, tem a peculiaridade de também ser chegado a uma hemoglobinazinha e, o que é pior, é mais guloso e mais rápido do que o oxigênio. A hemoglobina tem 200 vezes mais afinidade pelo CO do que pelo Oxigênio. Resultado: no sangue do fumante existe uma quantidade importante de carboxi-hemoglobina. É claro que vocês podem se perguntar : "raios partam,e quê que isto tem a ver ?". Eu explico : o corpo precisa de oxigênio, não de monóxido de carbono (quem disse Ah! é, é? Seja homem, se acuse!). Quando vocês estão tentando dar aquela pedalada na bicicleta e, o fôlego está de menos, a musculatura das pernas fica sem alimento (oxigênio). O que acontece ? O coração bate mais rápido para jogar mais sangue para as pernas. Se o sangue que chega lá, ao invés de oxigênio tem monóxido de carbono, não vai adiantar nada. Desça da bicicleta e termine o percurso andando. Este exemplo também serve para nadadores, corredores, peladeiros, jogadores de queimado, etc., etc. Entre 5 a 10 % do sangue de um fumante tem carboxi-hemoglobina. Hoje em dia, os anestesistas e cirugiões mais cuidadosos estão solicitando, aos pacientes fumantes, um jejum de tabaco de 48 horas antes da cirurgia. Este tempo é considerado satisfatório para livrar o paciente da carboxi-hemoglobina e propiciar uma taxa mais adequada de oxigenação sanguínea, uma vez que qualquer procedimento cirúrgico pode levar a sangramento com consequente anemia.

Isto posto, vamos em frente, ou melhor para trás: - As glândulas, produtoras da secreção que ajuda a envolver e inativar os agentes agressores, passam a fabricar catarro em quantidade acima do necessário, como resposta à irritação provocada pela fumaça do cigarro (reparem como um fumante tem sempre uma tossezinha). As glândulas ficam gordinhas, trabalham muito. Alem dessa alteração, a própria secreção fica diferente, mais grossa, mais viscosa (grudenta). O que acontece então é que o catarro se acumula com mais facilidade nos brônquios, propiciando a cultura, o crescimento de bactérias, ao invés de ajudar a eliminá-las. Pela maior viscosidade, a secreção acaba tendendo a aderir aos cílios, o que prejudica o trabalho deles; é como se vocês tentassem varrer um litro de brigadeiro quente que acabou de virar na cozinha, fica tudo grudado na piaçava.

Para completar, um dos maiores danos se passa com os cílios, de várias formas. Primeiro eles vão sendo diminuídos em altura, por causa da passagem da fumaça. Esta redução chega a ponto de tozá-los, como se alguém tivesse passado máquina zero. Temos fotos de pedacinhos de brônquios, feitas à microscopia eletrônica, aonde vê-se uma clareira, i.e., cílios, cílios, cílios e um buraco no meio. Outra mudança importante dos cílios pela fumaça é a desorganização do movimento. Naturalmente, como vimos, os cílios se movimentam sempre na direção da boca, para levar a secreção para cima, para ser cuspida. Com a intoxicação do cigarro acontece : movimento para trás, movimento em círculo ou ausência de movimento.

Chamou-me a atenção, há anos passados, quando vi uma foto de satélite da floresta amazônica, com uma extensa área sem mata, resultado de uma queimada. Imediatamente me lembrei da foto feita do brônquio sem os cílios. Eram de uma semelhança incrível. O micro e o macro. Uma coisa vista em microscopia eletrônica, outra por satélite. Árvores e cílios destruídos. Ambos protetores dos homens, micro e macroscopicamente. Ambas as áreas queimadas deliberadamente pelo homem.

Como se não bastasse, o ar que deveria entrar numa determinada temperatura, durante a inspiração normal, entra fortemente aquecido em cada tragada, alterando ainda mais o equilíbrio natural.

Wilson Alexandre na praia do Leblon, Rio de Janeiro, pioneiro do skimming no Brasil, único fabricante das pranchas nacionais de skimboard, aconselha aos iniciantes deste esporte a não fumar, devido à perda da resistência respiratória necessária às manobras radicais.

HOMENS E MULHERES, ESTES FRÁGEIS ANIMAIS

O homem, apesar de toda a idéia contrária que possamos fazer, talvez seja o animal mais frágil que a natureza criou.

Não possui pelos suficientes que possam aquecê-lo num inverno mais rigoroso e, a sua pele é fina e sensível. Precisa de protetor solar nos dias de hoje, com toda essa falta de ozônio no mercado...

Tem um olfato que não lhe auxilia em quase nada para prevenir-se de um eventual perigo e, só percebe o alimento se este estiver sendo frito na cozinha do vizinho.

Possui uma vista que, quando não precisa de óculos, mal consegue distinguir com facilidade um objeto um pouco mais distante. Durante a noite‚ é um cego total. Se o sol estiver muito forte, óculos escuros...

Sua audição é tão deficiente que, se o carro não buzina em cima, corre sério risco. Acima ou abaixo de determinada frequência sonora, poderíamos dizer que é praticamente surdo. Se a intensidade aumenta um pouco, chame-se o síndico...

Ao nascer, se não lhe dão de comer, é incapaz de procurar alimento a não ser com alguns anos de idade. Morreria em poucos dias se não tivesse a assistência quase de CTI de recem-nascidos, pelos que estão próximos.

Sem precisar mencionar que quando pequeno não anda, é um inválido total. Até para engatinhar leva um tempão.

A mãe-natureza deu-lhe em troca duas coisas básicas: certas proteções naturais (entre elas, os pais) e, a capacidade de pensar de uma forma mais elaborada.

" A alma dorme na Pedra, sonha na Planta, move-se no Animal e, desperta no Homem ". (Autor desconhecido)

QUANTAS SUBSTÂNCIAS ASPIRAMOS AO FUMAR?

Num questionário que fizemos, com alunos do primeiro grau de duas escolas da cidade do Rio de Janeiro, a maior parte das respostas a essa pergunta foi : "nicotina e alcatrão". De tal forma essa idéia foi difundida, que acabamos por diminuir o problema.

É, galera, eu confesso que custo a entender mas, na verdade existem entre quatro a cinco mil (!!!) substâncias presentes em todo este processo. Por mais que já tenha estudado este assunto, sempre me assusto quando vejo estes números. Parece mesmo impossível !

A propaganda dizendo que uma determinada marca de cigarros tem um zilhão por cento menos Nicotina e, um ziriguidum por cento menos alcatrão, dá a impressão de que o lance está sendo resolvido desta maneira. Fica a impressão de que as indústrias, muito preocupadas com a saúde dos fumantes, encontraram uma fórmula de diminuir a quantidade destas "duas" substâncias. Não caiam nesta não!

Este gráfico revela que dos 123 alunos do Colégio Andrews, entre 12 e 17 anos de idade, que responderam ao nosso questionário, 50% deles responderam que as substâncias tóxicas existentes na fumaça do cigarros são nicotina e alcatrão. Em contra-partida, apenas 12 % optaram pela resposta correta (mais de 4 mil substâncias). Portanto, 88% dos garotos e garotas não tinham a menor idéia do grau de poluentes existentes. É importante assinalar ser nesta faixa de idade aonde se concentra a maioria dos que começam a fumar.

AFINAL,QUAL É A DA NICOTINA ?

A nicotina é um líquido amarelado e oleoso, responsável basicamente por duas coisas : dependência e vasoconstrição.

Primeiro vamos tentar entender o que é esta dependência.

Existem substâncias que, após a pessoa entrar em contato com elas, às vezes por pouco tempo, criam laços, como se fossem companheiros muito antigos, dos quais se torna muito difícil (para muitos praticamente impossível) se livrar. Esta ligação pode ser extremamente forte e durar a vida toda da pessoa, que perde toda a capacidade de ser verdadeiramente livre.

Tem-se preferido, atualmente, usar o termo drogadicto, ao invés de viciado ou dependente químico, seja de qual droga estivermos falando. O termo adicção vem da época da escravatura, quando um escravo ficava devendo algo ao feitor. Dizia-se que ele estava "adicto ao seu senhor". Antigamente, dizia-se que um cigarro aceso era algo que tinha uma brasa numa ponta e um burro na outra. Hoje, reconhece-se claramente, que um cigarro aceso tem "uma brasa numa ponta e um escravo na outra!!".

As substâncias deste tipo mais conhecidas são: a nicotina, a cocaína ,a heroína e o álcool. Dos quatro, até por ser socialmente mais permitida (não só por isto), a nicotina pode ser considerada a mais forte neste sentido, aquela que é a mais difícil de abandonar. Não quero dizer com isto, que aqueles que infelizmente ficam dependentes da "coca" ou da heroína tenham uma facilidade muito maior, e o que dizer do álcool ? Vocês já devem ter ouvido falar no AA (alcoólicos anônimos), uma idéia iluminada para ajudar pessoas dependentes de álcool.

É bom também não esquecermos dos "calmantes". Por acaso, durante um papo com um micreiro (adepto da informática), vizinhos de meus pais, na bucólica Miguel Pereira, cidadezinha do interior do estado do Rio de Janeiro, aonde nem sinal de trânsito existe, nem assaltos há, descobri que o segundo remédio mais vendido numa das grandes farmácias do lugarejo era um determinado calmante. Aliás, o quinto e o oitavo também (para matar a curiosidade de vocês, o primeiro era um remedinho em gotas para dor e febre de criança). Nossa civilização de final de século também está dependente de calmantes de toda a sorte, remédios para diminuir o nervoso, para dormir, para tirar a depressão, etc.

Se uma pesssoa resolvesse secar uma folha de alface e, fazer dela um cigarro, poderia fumar por um longo tempo (se conseguisse) e, quando decidisse mudar de maluquice, não teria qualquer dificuldade. Com o cigarro de tabaco a coisa é bem diferente.

A nicotina engana muito. Ao primeiro contato (seja para aquele que nunca fumou ou, para quem está a algum tempo sem fumar), as reações são ruins : tonteiras, tosse, enjôos, vômitos e batimento lento do coração. São reações típicas de uma intoxicação.

O(a) bacana que insiste em fumar, passa então para uma outra fase, chamada da tolerância. É quando o organismo começa a se adaptar àquele tóxico e a partir daí que ele começa a não mais sentir os tais "efeitos ruins".

É a partir desta fase, que começa a dependência física e psíquica. Acreditem, isto ocorre muito mais rapidamente do que se pode pensar, isto é, para muitas pessoas (muitas mesmo !), poucos dias ou semanas podem torná-las dependentes "ad eternum", da presença de nicotina em seu sangue.

A dependência a qualquer das drogas que mencionamos lá em cima, tem como característica comum, o fato de que sem aquela substância correndo em suas veias, artérias, tecidos, glândulas, neurônios, etc., a vida não tem a mesma graça e, durante atividades comuns, os sintomas vão desde uma irritação insuportável à apatia ou desinteresse completo. Um relatório americano de 1988, pelo U.S. Surgeon General, baseado em uma série de pesquisas estabeleceu as seguintes premissas: (1) cigarros e outras formas de tabaco são viciantes (adictivas); (2) a nicotina é a droga no tabaco que causa o vício e, (3) processos farmacológicos que provocam o vício ao tabaco, são similares à drogas, tais como, heroína e cocaína. No entanto, queridos adolescentes, vocês sabem o que disseram os presidentes de indústrias de cigarros aos juízes americanos em 1994, quando foram chamados a depor em juízo ? Declararam que, nunca souberam que os produtos feitos com tabaco pudessem viciar e, muito menos que seria a nicotina a responsável por esta adicção.

Uma das coisas que mais contribuem para o vício da nicotina, é o acesso fácil à droga. Nenhuma outra droga existente pode ser encontrada tão facilmente no Brasil quanto à nicotina, apesar dos produtos de tabaco serem hoje considerados os mais danosos fabricados pelo homem. Querendo avaliar esta oferta de produtos de tabaco, resolvi que, num sábado (sem praia!?) de junho de 1998, iria fazer o trajeto de retorno do consultório para casa, caminhando ao longo de duas grandes vias, desde o início de Ipanema, até ao final do Leblon, aonde moro. Primeiro medi a distância: 3.400 mts. Fui trabalhar de ônibus, contando voltar a pé, após o último cliente, o que foi feito. Bom, vou passar pra vocês os dados que levantei, OK? Ao todo, foram detectados 76 (setenta e seis !!) pontos de venda de nicotina (quer dizer, de cigarros, charutos, etc.). No comércio liberado de tabaco, me surpreendi com os maiores vendedores de nicotina: as bancas de jornais. 32 (42%) dos 76 pontos de venda são os populares "jornaleiros". Confesso que não tinha esta idéia, sempre achei que eles vendessem jornais e revistas. Bares/botequins/restaurantes/lanchonetes/lojas de sucos e (pasmei) até padarias, incrementam o negócio. Ainda pude encontrar nicotina à venda em 1 posto de gasolina, 2 supermercados, 1 camelô e numa boite. Creio que é importante que vocês percebam que a oferta disseminada de nicotina (que prejudica qq. tentativa de fiscalização) é totalmente prejudicial à vocês, por mais que a esta liberdade específica aparente ser algo positivo. Em 3.400 mts., existem em apenas duas vias (Visconde de Pirajá e Ataulfo de Paiva), SETENTA E SEIS PONTOS DE VENDA DE NICOTINA. É preciso, portanto, andar menos de 45 metros para se abastecer da droga. Acreditem, nenhuma outra substância que cause dependência física e psíquica tem um acesso tão facilitado. Nem a danada da cachaça !! (aliás, por falar na cachaça, outro dia caminhava perto de casa pela manhã, acho que ia comprar pão, quando de um grupo de mendigos, emergiu um que, se dirigindo a mim aos gritos de "não pisa!!", "não pisa!!", me fez recuar assustado, temendo haver invadido alguma reserva, até entender que, o que ele singelamente desejava era que eu não destruísse uma guimba de cigarro que alguém havia acabado de jogar no chão).

TUDO BEM, A GENTE SE VICIOU EM NICOTINA. QUAL O PROBLEMA? É SÓ A GENTE PARAR AGORA

Não sei se vocês já utilizaram, alguma vez na vida, a palavra abstinência. Vou resumir aqui alguns sinônimos encontrados em dicionário da língua portuguêsa: abstenção, castidade, continência, dieta, jejum, privação voluntária, moderação, renúncia, resguardo, sobriedade e, suspensão, entre outras.

A diferença entre parar com um vício e mudar um hábito, é como uma noite escura e um dia de sol. Por exemplo, se um de vocês vai para escola sempre pelo mesmo caminho, ao final de uns dias estará criado um hábito. O hábito de pegar aquelas mesmas ruas para chegar àquele destino, por razões diversas, como a menor possibilidade de ser assaltado, ter mais árvores, etc. No entanto, se de repente você se interessar por aquela menina muito gata ou, aquele gato muito gato e, ela(e) morar numa outra rua e você quiser distraidamente, passar, por acaso, na porta da casa dela(e), bem justo na hora em que ela(e) sai para escola, você vai ver (ou, já viu), como é (foi) fácil, tranquilo, mudar aquele hábito. Não houve nenhum sofrimento, bastou dizer para si mesmo(a):"vou passar, sem querer, pela rua tal hoje". Não foi necessário colocar agulhas de acupuntura ou aplicar raios laser na ponta da orelha, entrar para um grupo de apoio e coisas assim, você simplesmente escolheu, livremente, o que queria fazer e, mudou o hábito de pegar aquelas mesmas ruas.

Agora, para largar um vício, o buraco é bem mais em baixo, como dizem os antigos. Uma vez que você se torne dependente de nicotina, dizer para si mesmo : "a partir de hoje, não fumo mais", não é tão simples quanto mudar de caminho.

Entre as primeiras tragadas, aquelas das tonteiras, tosses e tudo o que falamos antes e a instalação da dependência, várias coisas se passaram, em vários sentidos. Química e psiquicamente.

O QUÊ QUE EU POSSO SENTIR, SÓ POR FALTAR UMA NICOTINAZINHA?

Bom, uma vez que a dependência já esteja devidamente instalada, a primeira e mais importante coisa que acontece, quando a pessoa fica sem a taxa habitual de nicotina em seu sangue, é que vai dando uma vontade de fumar cada vez maior, a níveis, na maior parte das vezes, insuportáveis.

A nicotina tem uma chamada "meia-vida", isto é, um determinado tempo após o qual, o sujeito dependente tem que dar uma nova reposição para restabelecer o equilíbrio (!?) anterior. Na maioria das pessoas, este tempo vai de vinte minutos à uma hora. Por exemplo, a pessoa acaba criando um tempo próprio, inconsciente, de fumar a cada 20 minutos. Quando dizemos inconsciente, quer dizer isto mesmo, que fuma-se naquele período apenas por necessidade, sem prestar-se atenção. Quando questionados, os fumantes confessam que de cada maço só um ou dois cigarros foram realmente degustados.

Pensando que das 24 horas do dia, passamos em média, oito delas dormindo, sobram portanto dezesseis de vida ativa. Aquele(a) que fuma num ritmo de 1 cigarro/hora estará consumindo praticamente um maço de cigarros por dia; o que dizer daquele(a) que se adaptou a 1 cigarro/20 minutos...

Há uma grande variação entre as pessoas, por motivos ainda não detectados claramente. Há as que acendem um cigarro com o anterior, e aquelas que podem ficar várias horas sem fumar sem aparente angústia. Há outras que quando vão dormir e percebem que os cigarros acabaram, pegam o carro e saem em busca de algum lugar que esteja aberto, por mais tarde que seja. Por outro lado, há as que só fumam em situações especiais, festas, etc. É um mistério. Hoje em dia há explicações inclusive genéticas para uma maior ligação com a nicotina, de uma pessoa para outra. Outras explicações certamente existirão... Infelizmente é impossível saber com antecedência que tipo de viciada cada pessoa se tornará.

O que se sabe, sem dúvida, é que tudo está relacionado com a taxa de nicotina no sangue circulante da pessoa. Respeitando-se as particularidades individuais, por exemplo, tem aquela que não fuma pela manhã ou, só depois de tomar café; existe a outra que precisa fumar imediatamente antes de dormir. Retirando-se estas particularidades, cada uma delas acaba tendo a sua quantidade ideal (!?) de nicotina para as suas 24 horas.

Existem situações especiais em que este ritmo pode se alterar mas, ainda assim, dependente da taxa de nicotina no sangue. Um dos casos mais comuns, é o da pessoa-fumante que está ingerindo bebida alcoolica:

"quando se fuma, a fumaça aspirada vai no sentido boca > traquéia > brônquios > alvéolos > vasos capilares (que tem este nome por serem finos como fios de cabelos), aonde enfim alcança o sangue. A partir deste ponto, a nicotina circula por todo o corpo, via sangue. Na passagem pelos rins, uma parte desta nicotina é eliminada, na urina, já com o nome de cotinina."

Continuando, o fumante ao beber álcool modifica o potencial Hidrogeniônico (pH) do seu sangue, causando uma maior eliminação de nicotina pelos rins, o que foi demonstrado dosando as taxas de cotinina na urina de indivíduos, antes e depois de terem ingerido álcool. Aí, o que acontece: durante o tempo em que aquele porre se avizinha, o(a) bacana começa a fumar um cigarro atrás do outro, desprezando totalmente aquele seu ritmo, inconsciente, mas que era o seu, de fumar a cada vinte minutos ou uma hora e, passa a aumentá-lo, chegando até mesmo ao exagero de acender um no outro. O aumento da necessidade passa a ser tão flagrante, que muitas vezes vemos a pessoa acender um quando já havia outro aceso no cinzeiro, em parte por estar devidamente bêbado, mas também por total descontrole nicotínico.

Até aí, tudo bem. É só uma ressaca piorada, com a mistura maquiavélica de álcool com cigarro. O problema vem quando "você decide" não mais repor a nicotina perdida.

FALA LOGO, E QUANDO RESOLVE-SE NÃO REPOR A NICOTINA ?

Primeiro as indústrias iriam reclamar muito...

Desde aquela vontade de fumar que o "cheio de birita" resolve fumando mais, como vimos no capítulo anterior, para aquela que começa a aparecer quando a pessoa decide não mais inalar nicotina, não há diferença no início, com o passar das horas é que o problema acontece.

O corpo vai pedir nicotina, não pensem que é fácil enganá-lo com balinhas, drops, etc. Ele sabe o que é a nicotina. Ele custou um pouco, tolerou-a e, agora só quer saber dela digamos, a cada meia hora.

Nas primeiras meias-horas, com o valente cheio de energia, daquela que move os heróis e as heroínas, as sensações são até agradáveis, tipo: "é comigo mesmo!", ou, "sou mais eu!", ou, "sou forte, não seria uma nicotinazinha que iria me derrotar", ou, "aquele médico não tava com nada quando dizia que iria ser difícil", ou "fulaninho é que é um fraco, olhe como foi fácil", ou, "que grande decisão tomei, cuidar mais de mim", ou, "blá,blá,blá,...".

Enquanto isto, a taxa de nicotina começa lentamente a baixar. Cada meia hora ela desce um pontinho.

Para alguns, já mesmo no primeiro dia, a síndrome da abstinência nicotínica começa a dar seus sinais. Para outros, ainda é possível se vangloriar por mais algumas horas ou dias.

O primeiro sinal da síndrome é que, a partir de um certo momento (muito pessoal, que varia demais, de pessoa para pessoa), aquela vontade de fumar que se tinha normalmente vai ficando inadministrável, i.e., insuportável. A vontade de fumar torna-se absoluta, total. Não se tem vontade para mais nada, por mais interessante, apetitoso, lindo ou qualquer outro adjetivo que possa ter alguma outra coisa que esteja sendo oferecida para apagar "aquela vontade".

Até aí, o herói ou a heroína conseguiu suportar (se não, não seriam dignos deste título) mas, a dita síndrome continua a fechar o cerco. Surge então a famosa irritação. Tudo passa a irritar (não à garganta e aos brônquios, estes já estavam por demais irritados!!). É uma irritação mental e emocional que, a cada meia hora tende a crescer. No início com coisas razoáveis de se irritar mas, rapidinho, com qualquer besteira, tudo passa a ser motivo de irritação.

O quadro já começa a inspirar cuidados: a vontade de fumar está aumentando e, ao invés de se estar calmo para lidar melhor com esta situação (requisito básico de qualquer herói ou heroína em momentos decisivos), entra-se num "nervoso" de dar dó. Vocês, por acaso, já estiveram com alguém num período destes ?

A nicotina está começando a ganhar a guerra.

Não satisfeita, se o organismo ainda suporta estes traumas, vem uma avalanche de sintomas, como : ansiedade, tristeza, insônia ou sonolência, perda da concentração nas mais simples atividades, entre outras coisas. Além, é claro, daquele conhecido filme dos assaltos às geladeiras e balcões de lanchonetes, com o consequente ganho de peso que tanto preocupa homens e mulheres, vaidosos ou não.

Infelizmente (digo isto como médico), a maioria sucumbe, não aguenta e, volta a fumar. Mesmo após passar às vezes por um longo período de sofrimento. Normalmente, engana-se com o famoso: "é só unzinho, depois eu paro de novo...", ou então, "na segunda-feira, não tem erro...", ou, "nas próximas férias, com a cabeça mais fresca...", ou, "depois que passar este problemão que estou vivendo...". Já era !! A nicotina venceu mais uma vez. Tem até uma piada de um sujeito que diz : parar de fumar é a coisa mais fácil do mundo, já parei mais de cem vezes.

Muitos não passam por estes dissabores, alegam, pura e simplesmente, para si mesmos e para os antitabagistas das redondezas que, fumam porque isto lhes dá prazer (!?!). Com estes, nada há a fazer, no momento. Não o provoquem !

Uma experiência bem didática que sugiro que vocês façam, para constatarem o que vem sendo dito, é a de esconderem o único maço de cigarros de um fumante e, observarem as suas reações. Vocês verão como será difícil para ele ficar sem aquela "fonte de prazer". Não encarem isto como uma sessão de sadismo e sim, como uma experiência científica, destas que vocês fazem na escola. Contudo, não levem o amigo fumante ao seu extremo limite pois, como poderão observar, sua tendência será a de tornar-se bem agressivo, correndo risco, inclusive, a própria amizade. É fundamental perceber a diferença entre o que é a busca legítima pelo prazer e, o que é pura e simplesmente o vício (de fumar, por exemplo).

Um trabalho muito interessante feito há alguns anos, mostrou que existem quatro situações que podem praticamente anular os sintomas da síndrome de abstinência, a saber : a entrada para algum tipo de seita religiosa, a entrada para algum grupo de prática de esportes competitivos, a notícia de estar grávida e, por último, receber do médico a notícia de que corre risco de vida (e, que seja fundamental para tentativa da sua salvação, largar o vício). Chamamos a atenção, em relação a estes tópicos, que não se trata de uma regra mas, de uma constatação estatística.

Um colega de bairro, Leblon, e escritor famoso, Imortal da Academia, João Ubaldo Ribeiro, de quem sou tão admirador que, quando converso com ele, duvido que me torne minimamente compreensível, de tal forma me desarticulo verbalmente de nervosismo inconfesso. Não riam, vocês já estiveram frente a frente com alguém de quem vocês são tietes. Não é fácil. Vejo no bar do Chico, o Tio Sam, a naturalidade com que seus colegas de mesa e de papo o tratam. Quando tomo coragem para lhe emitir alguns monossílabos, pareço estar me preparando para fazer um discurso que irá , ou teria a pretensão de, mudar radicalmente o mundo. Não é mole. Um ídolo jamais deveria morar no seu bairro. Aliás, estou me preparando para em nosso próximo encontro, talvez na saída do colégio dos meus filhos, perguntar a ele se, como eu, teve vontade de chorar ao ver que a penúltima livraria do nosso bairro tinha virado a sua trigésima farmácia (sobrou apenas a Livraria Argumento, que Deus a proteja). O importante, neste caso, são as suas crônicas escritas para o jornal O Globo, na época em que ele narra as suas tentativas de parar de fumar e deixar de precisar repor a nicotina. O que acabou conseguindo, felizmente. Eis um trecho de uma destas crônicas, que me foi autorizado pelo autor reproduzir, entitulada: "Deixando de fumar - Capítulo MDXXXI. ...Fico imaginando meu necrológico, já que provavelmente terei um, nem que seja pronunciado por um confrade amigo da Academia, no momento em que estiver sendo baixado ao Mausoléu dos imortais. Escritor, romancista e tal e coisa, abandonou repentinamente suas atividades aos 55 anos, para dedicar o resto de sua existência a deixar de fumar. Suas últimas palavras, já no leito derradeiro, foram: _ SERÁ QUE CONSEGUI ? Como ninguém certamente as responderá ,já que meu leito derradeiro provavelmente será a enxerga de uma UTI e o anúncio de meu passamento um apito de um aparelhinho e, de qualquer forma, ninguém compreenderia os balbucios de uma boca entupida de tubos, JAMAIS SABEREI ".

Queridos amigas e amigos adolescentes, envio-lhes todo meu amor para que vocês não entrem nesta furadíssima.

QUANDO HOMENS E MULHERES COMEÇARAM A FUMAR ?

Homens e mulheres começaram a fumar em épocas bem dinstintas, porém, com algo em comum : as duas grandes guerras mundiais.

Não posso explicar claramente estes acontecimentos. Diz a lenda, que o fumo foi definitivamente apresentado ao homem jogado de aviões dentro das trincheiras. A primeira grande guerra foi uma guerra de trincheira, bem diferente da segunda e, o que se dirá da última, que assistimos em com todos os efeitos visuais possíveis, com tudo computadorizado. Na primeira, soldados permaneciam por longo tempo entrincheirados e, para diminuir o tédio, comandantes enviavam pacotes de cigarros para eles. Como vocês sabem, esta guerra deu-se entre 1914 e 1918. Ao término da batalha, o vício já passara a ser moda masculina, não apenas entre soldados.

Este gráfico mostra a incidência do tabagismo entre os pais dos 123 alunos do Colégio Andrews. Estatísticamente, pode-se dizer que a metade dos pais dos alunos entre 12 e 17 anos são fumantes.

Este segundo gráfico mostra uma menor incidência de pais fumantes na Escola Municipal Silveira Sampaio que, porém, constatamos ser ainda bem alta. Respoderam ao questionário 169 alunos, entre 11 e 17 anos. 37 % dos pais da Silveira Sampaio são fumantes.

O fumar era um ato eminentemente masculino, impenetrável para as mulheres. E discriminação era discriminação. Até a constituição de 1934, de Getúlio Vargas, com quase cinquenta anos de República, as mulheres nunca haviam votado no Brasil.

Após a segunda guerra mundial, por motivos que não posso precisar, passou-se a "permitir" o fumo entre as mulheres. Até então, uma mulher fumante era muito mal vista pela sociedade. Só fumavam as prostitutas e as atrizes que, para a moral da época, eram mais ou menos a mesma coisa.

Infelizmente, este início tardio apenas explica porque o câncer de pulmão só tem aparecido nas mulheres, em quantidade significativa, depois da década de 70. Até esta década, era raríssimo fazer um diagnóstico destes em mulher. Entre estas, preponderava o câncer de mama e de útero; o câncer de pulmão raramente era encontrado. Enquanto isto, entre os homens, o câncer de pulmão há várias décadas liderava as estatísticas. Hoje em dia, quando as mulheres já fumam tanto quanto os homens, o câncer de pulmão começa em alguns centros mais desenvolvidos (aonde a mulher "conquistou o direito de fumar" mais cedo) a ser o câncer mais comum, superando o de mama e o de útero.

Gráfico mostrando a incidência do fumo entre as mães dos 123 alunos do Colégio Andrews. Comparativamente, há uma proporção menor de mães fumantes, em relação aos pais. 30% das mães são fumantes.

Esta nova amostragem, das mães da Escola Municipal Silveira Sampaio, revela uma relação praticamente igual à incidência observadas com as mães do Colégio Andrews. 28,4% das mães dos 169 alunos da Silveira Sampaio são fumantes.

Este gráfico, representando as mães fumantes dos alunos do Colégio Andrews, revela um dado interessante : 48,7% delas são as únicas fumantes da casa. Estão em número estatísticamente idêntico ao das que fumam junto com os maridos (51,3%). Isto comprova a autonomia feminina em relação ao vício, "conquistada" ao longo das últimas décadas.

Esta amostragem revela uma proporção semelhante de mães sendo as únicas fumantes da casa, comparadas com as mães do Colégio Andrews. 44% das mães fumantes da Escola Municipal Silveira Sampaio são as únicas a fumar em casa.

As comparações entre os dados referentes aos pais e mães das duas escolas mostram uma menor incidência do fumo entre os pais da Escola Municipal, apesar de, como mencionamos, ainda se tratar de uma incidência alta, de 37% . No que tange às mães, praticamente, não observamos diferenças sensíveis, principalmente, no aspecto "única fumante da casa". Esta talvez seja a mudança mais marcante deste final de século no assunto cigarro. Os estudos atuais confirmam a tendência de uma maior presença das mulheres no vício do tabagismo, chegando a se esperar que, em breve tempo, existirão mais mulheres do que homens entrando anualmente no ciclo dos novos fumantes. Desgraçadamente, nesta disputa de quem entra mais no vício, saem perdendo tanto as mulheres quanto os homens, absolutamente não há vencedores.

Na contra-mão da história, mulheres cariocas se reunem para fumar charutos, no final da década de 90, repetindo atitudes "masculinas" do início do século.

Para tornar clara a idéia de que nesta competição entre homens e mulheres não há vencedores, colocamos abaixo dois gráficos recebidos da Sociedade Americana contra o Câncer (American Cancer Society), aonde pode ser identificado o vencedor desta disputa: o câncer de pulmão. Entre os cânceres que mais matam os americanos e as americanas do norte, o câncer de pulmão assumiu a liderança entre os homens durante a década de 50, enquanto que apenas nos anos 80 passou a liderar entre as mulheres. Estas datas têm estreita relação com o início do vício em cigarros, inicialmente um vício masculino.

Os homens começaram a fumar cigarros entre 1910 e 1920. Trinta anos depois, o câncer de pulmão assume a liderança sobre todos os outros tipos de câncer quando o assunto é mortalidade.

As mulheres iniciaram-se mais tarde no vício do cigarro, em torno do início da década de cinquenta.Trinta anos depois, o câncer de pulmão já era o que mais matava as mulheres americanas, superando o de mama. Note-se que a curva do câncer de pulmão em mulheres está subindo fortemente, devendo crescer mais no início do próximo século.

QUANDO É QUE A MAIORIA ENTRA NESTA ?

É a resposta a esta pergunta que fez com que a gente tentasse escrever estas mal-traçadas diretamente para vocês, adolescentes.

Os estudos constatam que, a maior parte dos adultos fumantes iniciou sua triste carreira entre os 11 e 17 anos. Isto sem ter a menor idéia de aonde estava amarrando seu burro (desculpem-me pela expressão, algo antiga mas, ela vem do meu tempo de adolescente). Isto significa que, praticamente sem qualquer noção de nada, a respeito deste futuro vício, rapazes e moças entram em contato, na maioria das vezes por curiosidade, com uma substância extremamente perversa e dominadora, a tal nicotina. Perversa, porque os males que causa são tantos (futuramente vamos tentar resumí-los) e, dominadora, porque como já vimos, cria um estado de dependência total que neste sentido acaba, literalmente falando, com a liberdade de decisão.

Um sistema de interesses muito forte (que depois iremos comentar), faz com que vocês, numa época da vida com tantas transformações importantes (inclusive em seus hormônios), de quebras de tabus e de regras, rica em contestações e caras-pintadas, exponham-se a este risco, nada, nada mesmo, saudável. Um vício que em nada irá ajudar vocês a resolver seus problemas, a conquistar as suas vitórias, a serem melhores pessoas ou a mudar este mundo.

PORQUE, ENTÃO, OS MÉDICOS FUMAM ?

Existem 35 milhões de fumantes no Brasil.

Entre estes fumantes, muitos trabalham em hospitais, centros ou postos de saúde, lidando com a ausência de saúde todos os dias (num grande número de casos, pacientes que procuram atendimento por causas ligadas ao vício de fumar). São os chamados, hoje em dia, profissionais de saúde. São médicos, enfermeiras, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, dentistas, etc.

O que ocorre, é muito simples. Apesar de todo o conhecimento que têm, apesar de verem as pessoas adoecendo, muitos não conseguem largar o cigarro porque são nicotino-dependentes, i.e., entraram em contato com a nicotina, em suas adolescências, como quase todos os fumantes, como vimos no capítulo anterior. Só depois é que se tornaram profissionais de saúde.

Pode-se contar nos dedos de uma mão, aqueles médicos que começaram a fumar já estando na faculdade de medicina. Eu, por exemplo, só conheço tres colegas com quem isto aconteceu.

Por conhecerem mais sobre este problema, é menor o número de fumantes entre estes profissionais do que entre a população em geral.

Quero dizer com isto duas coisas: com o conhecimento sobre os males do cigarro, diminui o risco da "curiosidade" mas, que é óbvio que os profissionais de saúde não nasceram tendo este conhecimento e estas experiências.

No final de Setembro de 96, houve um Congresso nacional de Pneumologia em Belo Horizonte, Minas Gerais. Um grupo de especialistas do Rio de Janeiro foi para lá num ônibus fretado. Na volta realizei uma pequena pesquisa entre os médicos. Aqui vão alguns dados colhidos entre os 21 especialistas: 8 fumantes (38%), 1 ex-fumante (4,7%) e 13 que nunca foram fumantes (61,3%); entre os 9 (8+1) que tem relação com o cigarro, 7 tiveram pais fumantes durante a sua infância ou adolescência; entre estes mesmos 9, a idade média em que entraram no vício foi a de 17 anos. Outro dado que considero importante: entre os oito fumantes, a divisão entre os sexos foi totalmente equilibrada, eram 4 homens e 4 mulheres, um perfeito exemplo da realidade do final do século XX. Vale lembrar que esta incidência de fumantes é num grupo de pessoas que são especialistas nas doenças provocadas pelo cigarro. No Congresso em que participamos, praticamente todos os assuntos tratados mencionavam o perigo do cigarro. Se isto ocorre num grupo informado, vocês podem imaginar o que pode acontecer com aqueles que não tem a informação adequada.

Portanto, espantem-se, mas não muito, por verem médicos fumando. Sem essa de pensar: "Cigarro não faz mal. Meu médico fuma!?!".

E O LANCE DA VASO-NÃO-SEI-O-QUÊ, QUE A NICOTINA FAZ ?

Como comentamos antes, a nicotina entra, com a fumaça do cigarro, pela boca e logo cai nos vasos sanguíneos que envolvem os alvéolos. Daí está aberto o caminho para ela circular por todo o corpo,aonde passe sangue. Alguns orgãos e tecidos recebem mais sangue do que outros, porém, todos são vascularizados, i.e., todos tem vasos com sangue para sua alimentação e funcionamento.

A nicotina tem a propriedade de diminuir o calibre, a largura das veias e artérias. A isto, é dado o pomposo nome de vasoconstrição.

Como a nicotina está presente em todos os tecidos irrigados, esta vasoconstrição ocorrerá, portanto, de forma universal, causando alterações do funcionamento dos mais variados tipos:

1. Ossos - a osteoporose é a ocorrência mais comum, os ossos com menos sangue (alimento), tendem a apresentar diminuição do volume, principalmente nas mulheres (após a menopausa), o que facilitará fraturas e dores ósseas. O que é perverso no processo do fumo é que, se por um lado a menopausa precede a osteoporose, o fumar antecipa a menopausa, conforme provam sucessivos estudos. V. entenderam bem, o fumo produz osteoporose e provoca menopausa precoce, a menopausa precoce intensifica a osteoporose ? Este vício é, ou não, diabólico ? Depois que o processo da perda óssea estiver devidamente instalado, só resta tomar cápsulas de conchas de ostras para arrumar algum calciozinho extra.

2. Pele - as rugas são as ocorrências mais comuns. A pele menos irrigada torna-se uma pele mais seca e, isto favorece o surgimento daquele frisado tão indesejado. É claro, que o tempo traz rugas para todos nós, porém, nos fumantes isto se dá bem precocemente. Médicos pesquisadores ingleses, de um lugar que só faz pesquisa em gêmeos, mostraram também que, além da vasoconstrição, substâncias químicas, produzidas pelo ato de fumar, aumentam a produção de uma enzima que quebra o colágeno, O responsável por esta Unidade de Pesquisa declarou: "Todos aqueles que desejam começar a fumar devem primeiro se conscientizar que parecerão mais velhas e terão rugas mais cedo do que aqueles que não fumam".

3. Testículos - o funcionamento dos testículos está severamente atingido pela constrição dos vasos. É preciso cuidado, garotos!

4. Cérebro - para não dizer mais nada, sobre este item, reproduzo resultado de pesquisa recente feita nos EUA, com quatrocentas mulheres, em duas Universidades de Nova York: os filhos de mães que fumavam pelo menos dez cigarros/dia, apresentaram, em torno dos quatro anos de idade, QI (coeficiente de inteligência) nove pontos inferior aos filhos das mulheres que não fumaram durante a gravidez. Este fato deveu-se à menor oxigenação dos cérebros das crianças, filhas de mães fumantes. Novamente, os efeitos da vasoconstrição.

Se acabamos de ver que o QI destas crianças está abaixo do que poderia, o que vocês imaginariam ser possível acontecer na velhice ? Bom, recentemente, dois grupos de estudos vem de encerrar pesquisa sobre este aspecto da função cerebral (nosso órgão mais nobre): o Centro de Pesquisa do Câncer da Universidade do Havaí, nos EUA, depois de examinar 3.000 fumantes, constatou que o risco de debilitação mental chega a ser 36% maior, de desenvolver demência senil. Paralelamente, um grupo de pesquisadores de Rotterdam, na Universidade Erasmus, na Holanda, concluiu que o fumo dobra o risco de demência senil, provocada por uma doença conhecida pelo nome de Mal de Alzheimer (Um amigo meu discordou desta pesquisa, alegando que uma vez que o fumante começou a fumar, mesmo já sabendo de todos os males, isto provaria que ele já era meio demente, opinião com a qual, em princípio, eu não tenderia a concordar).

Ainda ficando pelo cérebro, existe um drástico acontecimento chamado Acidente Vascular Cerebral (AVC), que podemos traduzir como "derrame". Este evento é proporcionalmente mais comum em fumantes.

5. Coração - como deve ser, talvez, do conhecimento de vocês, o coração é um músculo que precisa de alimento como qualquer tecido e, este alimento (sangue) é levado até ele pelas artérias coronárias. A vasoconstrição aí, vocês podem imaginar, pode ser uma coisa grave. Favorece o chamado Infarto Agudo do Miocárdio (IAM),i.e., um pedaço maior ou menor do coração fica sem sangue, o que pode levar à morte em poucos minutos, dependendo da quantidade de músculo não irrigada e, do tempo que levar até ser atendido no CTI de um hospital.

6. Pênis - para, como dizer (sem chocar), "armar a tenda", é preciso que o bodoque se encha de sangue. Não serve outra coisa, fanta uva, groselha, suco de acerola, ostras, ovos de codorna, amendoins. É preciso sangue. E o danado do sangue, só lá chega pelos tais vasos. A tal da vasoconstrição pode levar a situações constrangedoras.

7. Vasos sanguíneos - uma das situações médicas mais dramáticas, se passa com pacientes que desenvolvem uma doença chamada Tromboangeíte Obliterante. Esta doença acaba por entupir os vasos, levando a progressiva amputação dos membros pelo cirurgião. Perdem-se dedos, mãos, braços em pequenos intervalos de tempo. Uma das fotos médicas que mais me impressionou, ainda estudante de medicina, foi a de um paciente que recentemente tivera seu braço direito amputado, até a altura do cotovelo. O outro braço já tivera a metade amputada. A foto mostrava-o fumando, com o cigarro preso pelos dois cotocos de braços restantes.

QUE OUTRO JEITO EXISTE EM QUE SE POSSA SE VICIAR EM NICOTINA?

Temos falado apenas do cigarro, mas ele não é a única forma da gente se tornar nicotino-dependente. Ao contrário, foi a última forma.

Antes da era da industrialização, usava-se o tabaco como um pó, chamado rapé. Era presença marcante nas altas rodas sociais, cheirava-se o pó e era-se acometido de sucessivos espirros. Aquela sensação era considerada o barato da época. Os mais ricos tinham caixinhas de ouro ou prata, para guardarem seus pozinhos. Existia também micro depósitos em anéis de ouro. Após algumas experiências, tornavam-se viciados em nicotina como os fumantes atuais. Aliás, por falar nas caixinhas de ouro e prata como sinal de riqueza, os fumantes da metade do século não ficaram atrás, era sinal de charme incrível agrupar os cigarros em caixinhas também de metal nobre, as conhecidas cigarreiras. Quando queriam ser finos, tiravam a caixinha do bolso do paletó e ofereciam o cigarro para a dama, após um leve movimento com o chapéu, como se fossem retirá-lo da cabeça.

Outro jeito bem antigo, eram os rolos de folhas de tabaco curtidas, chamadas de fumo de rolo. Podiam ser mastigadas (e, após um tempo, cuspidas) ou picadas e enroladas em papel de palha quando então eram fumadas, como os cigarros modernos. Os mais velhos, principalmente da roça, ainda hoje podem ser vistos mascando seu fuminho, com aqueles dentes amarelinhos.

O cachimbo imperou no século XVII. De Saci Pererê à Sherlock Holmes, os cachimbos sempre rondaram o imaginário moderno. Sendo o século XVIII, o da difusão do rapé e do fumo de rolo. Posteriormente, surgiram os charutos e as cigarrilhas. A primeira cigarrilha brasileira foi a Talvis que, quando foi lançada, tinha uma campanha para lá de original : "talvez eu fume uma talvis". O século XIX, foi o período de ouro dos charutos.

O cigarro atual teria vindo acabar com os inconvenientes dos charutos e cachimbos que se apagavam constantemente. Um de meus pacientes mais recentes chegou ao consultório com uma tala no braço e,ao ser interrogado, disse-nos que o diagnóstico de seu ortopedista fora o de tendinite por abuso do uso do isqueiro (vocês podem imaginar a grandeza de seu vício em nicotina, inclusive pelo fato de que, apesar desta situação lamentável, ele não se considerava em condições de parar de fumar, mesmo que por um tempo, para se recuperar da lesão do tendão).

Uma forma mais recente, a mais recente de todas, é a de usar nicotina pura, como um emplastro ou chicletes. Tem sido utilizada para que o indivíduo que está em abstinência nicotínica tenha estes sintomas diminuídos (ver cap. 9). Ainda é um método que precisa de mais tempo de observação para avaliar-se sua indicação e resposta positiva para os viciados. Traduz a falência das possibilidades pessoais de se afastar do vício: "não dá para ficar sem a nicotina".

Qualquer uma destas maneiras de se entrar em contato com o alcalóide nicotina vicia. Além de viciar provoca outras alterações no organismo, como já vimos. A verdade verdadeira, caríssimos adolescentes, é que os cigarros, os charutos, etc., nada mais são que veículos para a obtenção diária das doses de nicotina necessárias ao viciado. Tudo isto, é claro, recebendo o nome de "busca do prazer !?!". Um dos que me mandaram e-mails com opiniões, sugere que, em vez de estar escrito área de fumantes, num determinado local, fosse colocado área de dependentes de tabaco, o que talvez eu ainda alterasse para: área de dependentes de nicotina.

O TAL DO ALCATRÃO

Alcatrão até que parece o nome do segurança de um baile funk. Ô "alcatrão" é melhor tirar aquele elemento do salão, falô?

Na verdade, é apenas como se chama o produto da queima de um composto natural. Não é uma substância em si mesma. Se a gente queimar um pé de couve, ao final, teremos um alcatrão.

Cada cigarro após queimar, produz um tipo de alcatrão diferente, dependendo do tipo de fumo que tenha sido utilizado na sua fabricação.

Existem vários tipos de fumo: Sumatra, Virgínia, Burley, Bright, Maryland e Goiano, entre outros. O clima, o terreno e a maneira como foi tratada a planta durante o cultivo irão criar alcatrões diferentes.

AS 4 A 5 MIL SUBSTÂNCIAS

É, parece difícil de acreditar. Num trocinho branco que queima, temos a possibilidade de entrar em contato com quatro mil substâncias. E o que é mais perigoso, entrar em contato íntimo com elas, bem nas nossas entranhas.

Cito aqui, um pequeno exemplo desta intimidade, num informe do Hospital Infantil de Toronto (Canadá) : foram encontrados resíduos de nicotina e cotinina em fios de cabelos de 23 bebês cujas mães não consumiram tabaco, mas respiraram a fumaça dos maridos ou colegas de trabalho, durante a gravidez. Os bebezões só tinham entre 1 e 3 dias de nascidos, quando tiraram um bocadinho do cabelo deles. As mães aspiraram uma fumaça que não era delas e a nicotina chegou até a pontinha dos cabelos dos filhos que ainda estavam dentro da barriga. Aliás, por falar em cabelos, saibam que estudos recentes realizados na Inglaterra, em Lancashire, constatam que o fumo contribui, tanto para que os cabelos fiquem brancos, quanto para um maior aparecimento de calvície, os populares "carecas, poucas telhas, aeroporto de mosquitos, etc".

Destas milhares de substâncias inaladas, não há referência a que qualquer delas possa fazer bem à saúde, apesar do que poderíamos pensar, desavisadamente, assistindo a um comercial de cigarros. E olhem que são no mínimo quatro mil substâncias. Pela beleza dos anúncios, seria de se esperar que pelo menos algumas tivessem uma propriedade especial, mágica mesmo. Talvez, seja porque a ciência ainda não tenha evoluído em suas pesquisas. Quem sabe não seremos surpreendidos em breve com a notícia de que após sucessivos ensaios chegou-se à descoberta revolucionária das propriedades de um determinado componente?

Por enquanto, no atraso científico em que ainda nos encontramos, todas as misturas provocadas pelo ato de fumar tem se revelado péssimas para a saúde.

Imaginem, bem atentamente, a situação escolhida "livremente" pelo futuro fumante. Ele decide inalar dia após dia, ano após ano, década após década, milhares de substâncias ruins para a sua saúde (e ainda paga por isso). Ele decide enfiar goela abaixo, até a ponta dos fios do cabelo, como vimos, substâncias que vão lhe diminuir o fôlego, estreitar suas artérias e veias, trazer-lhe o câncer ou um buraco no estômago.

É o único dos animais terráqueos a tomar uma iniciativa deste porte, uma auto-poluição sem precedentes. A poluição existente em uma cidade industrial em pleno funcionamento é café pequeno, se comparada à poluição tabágica.

Isto está próximo a uma tentativa lenta de suicídio ou, então, a valentia do psicopata que, desarmado, desafia um exército. Nossa força está em nosso pensamento, é inútil crermos poder enfrentar tamanha agressão química sem causar graves danos a nós mesmos e aos que nos rodeiam. Somos frágeis, nos queimamos com fósforos (e, dói para caramba)..., nosso pensamento, nossas decisões é que podem ser fortes. Dependendo de nosso equilíbrio interior.

Já foram identificadas mais de 60 substâncias cancerígenas participantes deste processo. Vocês sabem qual o câncer que mais mata os homens? É claro, o câncer de pulmão! Em algumas regiões do planeta, nos países do primeiro mundo, já está se tornando o primeiro câncer também nas mulheres. Os homens assumiram a liderança porque fumam desde a Primeira Guerra Mundial. As mulheres só agora estão morrendo de câncer de pulmão, porque começaram a fumar em grande escala só a partir da Segunda Guerra. Estas informações não aparecem nos belos anúncios de cigarros. Já pensaram se as campanhas fossem dizer a verdade: "gatona, fume o da nossa marca, você terá o seu câncer de pulmão igualzinho a um homem!!"? Imaginem uma cena com uma mulher do tipo avançada, de vanguarda, protestando: "abaixo estes machos opressores, queremos ter o direito de ter nosso câncer de pulmão igual ao deles". Ou mostrassem um paciente indo para a sala de cirurgia operar um câncer de pulmão, dessem um close nele dizendo: "tenha seu câncer também, para alguma coisa termos em comum". Ou ainda, outro paciente com um catéter de oxigênio no nariz: "percebes a minha decisão inteligente de fumar". Não, é óbvio que estas cenas nunca serão mostradas.

Vocês podem pensar "como este cara é exagerado !" Posso garantir que não. Cito aqui dois exemplos para que vocês entendam porque insisto em que a fumaça do cigarro pode ser assassina: Wayne MacLaren e David McLean morreram de Câncer de Pulmão, em 1992 e 1995. Vocês sabem qual a profissão deles ? Modelos. Os dois foram, em momentos diferentes, os atores dos anúncios dos cigarros Malboro. "Os homens se encontram na Terra de Malboro". A viúva de David, Lilo McLean, entrou com processo na justiça contra a companhia de cigarros que encomendava as propagandas. No processo, alega que para que uma tomada do filme ficasse boa, eram necessários dias de filmagem, obrigando seu marido a fumar 3 a 4 maços de cigarro por trabalho, para que o diretor do comercial achasse a melhor posição da fumaça. Cruelmente, David e Wayne se encontram (precocemente) em baixo da terra, e não na de Malboro. Mudando o sentido de uma frase do compositor Caetano Veloso (de quem sou tiete): "gente é pra brilhar, não pra morrer de fumaça !".

Reproduzo aqui, dados que recebi da Sociedade Americana do Câncer (American Cancer Society), que impressionam a quem lida com o combate ao tabagismo mas, que ao mesmo tempo, nos estimulam a lutar, de forma ainda mais aguerrida: Previsão de americanos mortos por câncer de pulmão nos Estados Unidos, em 1997: 94.400 homens e 66.000 mulheres. Portanto, estima-se que 160.400 pessoas morrerão deste tipo de câncer, apenas em um país, em 1997, sendo que o tumor de pulmão está na liderança das mortes tanto entre os homens quanto entre as mulheres. O mesmo relatório informa que o câncer de pulmão já representa o segundo tipo de tumor mais diagnosticado nos EUA, ficando atrás apenas do de mama entre as mulheres e, o de próstata entre os homens.

Não tenho dúvidas do quanto deve ser difícil para vocês se interessarem por estes temas que estamos tocando agora, falando de doenças, canceres e buracos no estômago. Jovens, vigorosos e com interesses tão distantes disto. Confesso que não sei como me colocar melhor do que estou tentando fazer. Peço apenas, para vocês não encararem estas mensagens como tentativas de repressão. Todos que lidamos com a idéia do "não começar a fumar", sabemos do perigo que é o entendimento errado da mensagem. Afinal, todos fomos adolescentes, nunca é demais lembrar. Contudo, que fique também claro que vocês adolescentes não devem absolutamente nada aos que patrocinam seus festivais de Rock ou de Jazz. Não devem nada mesmo. Isto para eles é só uma forma de angariar a simpatia e mascarar a essência. O produto que eles querem vender para vocês tem mais de quatro mil substâncias tóxicas. É disto e só disto, que se trata! Todos nós, conscientemente ou não, sabemos que o cigarro faz mal à saúde. Eles não querem muito, só querem que vocês provem. O resto, o tempo e a nicotina se incumbem. As indústrias de cigarro ganham muito dinheiro em troca do investimento. Não se sintam devedores em hipótese alguma! Cuidem de vocês, porque vocês acham que devam se cuidar, não porque eu, seus pais, professores ou, quaisquer outros dinossauros, possamos estar sugerindo.

Bom, voltando às danadas das substâncias, como são milhares, têm para todos os efeitos. E, como passeiam por todo o organismo, podem atingir desde os olhos, p. ex., provocando a cegueira por catarata ou por alteração da retina, até a bexiga, provocando câncer. Gastrite, úlcera de estômago ou do intestino, câncer do rim e do pâncreas são doenças hoje em dia claramente associadas ao tabagismo. Como o trajeto é direto até chegar aos alvéolos, câncer da boca e do laringe são figuras clássicas em qualquer estudo. Câncer de esôfago e do colo do útero, idem.

O enfisema pulmonar e a bronquite crônica levam o indivíduo a progressivamente ficar inválido, totalmente dependente de auxílio de parentes e amigos, para as mais elementares atividades como, por exemplo, pentear o cabelo ou fazer cocô. Não pensem que estou exagerando, pois, lido com isto diariamente. A publicidade do cigarro nunca mostra estas cenas, claro. A partir de um certo momento, a permanência em hospitais passa a ser de uma frequência assustadora.

Após um determinado período de intoxicação, é comum detectarmos várias doenças associadas no fumante. Por exemplo, ao se diagnosticar o câncer de pulmão, os exames também mostram que o paciente está enfisematoso. Muitas vezes, o segundo diagnóstico impede o tratamento do primeiro, i.e., não pode operar o câncer do pulmão (que é um dos tratamentos para esta doença), porque não tem capacidade respiratória suficiente, por causa do enfisema. Isto se aplica a várias situações entre as doenças relacionadas com o fumo.

Estes milhares de substâncias podem aparecer pelas mais diversas causas. Podem ser agrotóxicos usados na lavoura do fumo, podem ser inseticidas usados para proteger as folhas, podem se desenvolver durante a própria queima do cigarro. Esta queima se dá entre 800 a 1200 graus celsius, temperatura da brasa da ponta do cigarro. A tal temperatura inúmeras substâncias se combinam, desencadeando o surgimento de novas substâncias, antes inexistentes na fumaça.

Processo de secagem das folhas de tabaco.

DUAS CENAS DRAMÁTICAS QUE NUNCA SE APAGARAM DA MINHA MENTE

Existem certas situações na vida de qualquer um de nós, em que um acontecimento fica para sempre gravado na memória. Vira e mexe, eles voltam.

Acredito que todos os médicos tenham uma ou mais cenas que viveram em suas vidas profissionais que deixaram marca.

Eu tenho duas, sendo que a primeira nada tem a ver com cigarros. Estava de plantão, ainda acadêmico de medicina, no Hospital Salgado Filho (RJ), quando chegou um rapaz, já falecido, carregado por familiares. Ele havia acabado de ganhar uma motocicleta nova, de 1000 cilindradas, muito mais potente do que qualquer outra que já tivera antes. Logo que recebeu a moto, foi se exibir para a noiva, que morava a poucas quadras de distância. Toda a família da noiva se debruçou na sacada do sobrado para assistir a sua estréia numa "mil cilindradas". O garoto empinou a moto em excesso e, ela acabou tombando sobre ele, matando-o na hora. O desespero do pai, que tinha sido quem lhe dera a motocicleta, foi algo que jamais esquecerei em minha vida.

A outra cena está relacionada com cigarros, e também está arquivada em algum lugar do meu cérebro. De vez em quando a vejo. Volto um pouquinho no tempo, para situar vocês melhor: tratava há alguns anos de um paciente que tinha um enfisema pulmonar muito avançado. Passei com ele por várias internações e, o via regularmente em consultório. A cada ano, seu estado era mais grave e, não obstante, não conseguia de forma alguma abandonar o cigarro, o que em muito prejudicava o tratamento. Numa manhã de domingo, sou chamado por seu filho para constatar o que lhe parecia a morte de seu pai. Munido de um atestado de óbito (aquele formulário que os médicos usam para declarar do que faleceu o paciente), dirigi-me à residência do paciente. Lá chegando me deparei com a cena tétrica, do paciente (que havia sido encontrado morto, por seu motorista, sentado no vaso sanitário) rodeado, sem qualquer exagero, por mais ou menos umas duzentas guimbas de cigarros queimadas. Todo o seu quarto e o banheiro, aonde foi encontrado, estava coalhado de guimbas e cinzas. Pude pela primeira vez atestar um caso de "overdose" de nicotina. Pela inclinação do paciente, desapegado da vida como estava, me pergunto se não provocou intencionalmente a sua própria morte. Ele, pessoalmente, acendeu mais de duzentos cigarros seguidos.

VOCÊS SABIAM QUE NA FUMAÇA DO CIGARRO TEM RADIOATIVIDADE ?

Já foi demonstrada a presença de Urânio, Tório, Polônio-210 e Plutônio, substâncias radioativas, na fumaça dos cigarros. Em quantidade equivalente para um fumante médio, a ter feito 350 radiografias por ano, ou seja, é como se o fumante tivesse se exposto ao Raio X, 350 vezes.

É comum, no retorno de um paciente para quem solicitamos tomografias para esclarecer um câncer de pulmão, ele reclamar por ter se submetido à umas dez ou doze radiografias. Não sabendo ele que, dos seus 10, 20, 30 anos de fumante, foi como se tivesse feito 350 em cada ano.

Uma das substâncias cancerígenas mais conhecidas e temidas até pouco tempo era o Benzopireno. Perto da capacidade destas substâncias radioativas, o benzopireno é brincadeira de criança (da Família Adams, é claro).

O físico nuclear do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, João Arruda Neto, após publicar e divulgar seus testes de radioatividade em várias marcas de cigarros nacionais, declarou à imprensa: "eu fiz a minha parte, agora lavo as mãos. O mínimo que posso esperar é que a venda de cigarros seja interrompida e que o produto seja submetido a maiores estudos".

Na visão da artista plástica Mônica Barki, o fumo é considerado o monstro da figura acima.

AS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS

As campanhas publicitárias deste tipo de mercadoria, tem como base o desejo. O apelo é sempre algo que desejaríamos. Tudo é feito para associarmos nosso desejo ao produto que, num passe de mágica, nos possibilitaria alcançá-lo. Aí, quase sem querer, começamos a desejar o próprio cigarro que está sendo anunciado.

No início, o objetivo era vender cigarros apenas para o homem. Portanto, a imagem da mulher era utilizada exclusivamente como o principal objeto do desejo masculino.

Lembrem-se que naquela época não havia televisão, nem outdoors, nem reloginhos de rua que marcam hora e temperatura. O próprio maço de cigarros era o grande chamariz. Eis aqui alguns exemplos da criatividade do pessoal de marketing do início do século:

Cigarros Dalila

Deve ter sido o maior furor da época. Completamente nua, recostada num divã, recoberta apenas por um tecido transparente, fumando com mão direita.

Bom, esta forma de atrair o incauto, usando estas imagens femininas, foi pouco a pouco se modificando. Uma vez que agora as mulheres passavam a interessar às indústrias do fumo, não apenas como inspiração para as vendas mas, sobretudo, como consumidoras, logo no início dos anos 50. Passado o nervoso da segunda guerra mundial, mundo novo, novas e grandes mudanças nos costumes, etc.

Ainda da fase anterior _ "cigarro é coisa de homem" _ , temos os cigarros Columbia, os primeiros maços embalados em papel celofane e os mais caros do mercado. O desenho no maço era um navio de guerra com canhões singrando um mar revolto; cigarros Jockey Club e Turfe Clube; cigarros Fulgor que tinha até cheques de cinquenta mil réis dentro de maços, para alguns felizardos. Nesta época também havia uns maços artesanais que podiam vir com o nome do fumante estilizado, eram maços personalizados. Ia me esquecendo dos cigarros Veado, com o desenho do animal estampado.

A partir do início dos anos 50, começaram a chegar os cigarros importados, sendo o primeiro deles o Camel (com a figura do camelo), vindo logo após o Chesterfield e o Pall Mall.

Nesta nova fase _ "cigarro é coisa para mulher e para homem" _ destaca-se a presença de homens em situações de extrema virilidade velada ou explícita, exemplarmente demonstrada nos anúncios dos cigarros Malboro, com aquele final apoteótico que dizia "Terra de Malboro, aonde os homens se reúnem". Este tipo de mensagem atinge o inconsciente tanto masculino quanto feminino da época. Os homens se ligavam no macho por se identificarem com ele, quererem ser como ele e, as mulheres por desejarem tamanha manifestação de masculinidade. Nos nossos imaginários, se fumasse tal marca se tornaria um herói corajoso e belo e, no caso das mulheres, fumar aquela marca certamente lhe garantiria um companheiro com aquelas características.

A evolução dos tempos, com as correspondentes mudanças nos mais variados campos do conhecimento humano, foram sofisticando a cada dia a agudeza do publicitário em estar em sintonia perfeita com os desejos, ocultos ou não, da massa das pessoas. A grosso modo os desejos não se alteraram muito, apesar do correr do século. Carros bonitos, mulheres bonitas (já agora acompanhadas de homens igualmente bonitos), ambientes luxuosos, etc.

Os anos setenta trouxeram uma tendência mais clara de atingir-se um público mais jovem, com campanhas de grande apelo para a audácia, a coragem e às vitórias esportivas. Vocês adolescentes não vivenciaram as memoráveis vitórias de Emerson Fittipaldi, pilotando uma Lótus negra, cor do maço dos cigarros John Player Special, sendo o primeiro campeão de Fórmula I brasileiro; aliás por falar no Emerson, li outro dia no jornal O Globo que, além de ser o produtor de laranja que é, quer tornar-se importador de charutos (!!). Este filão das provas de velocidade, continua sendo explorado até os dias atuais. O circo da Fórmula I, assim chamado por correr os quatro cantos do mundo tal qual os grandes circos internacionais, tem nos fabricantes de cigarros seu principal patrocinador. Um de nossos mais completos pilotos da história, Ayrton Senna, foi tricampeão de Fórmula I, pilotando carros patrocinados pelos cigarros Malboro, aliás os mesmos que patrocivam Emerson Fittipaldi na Fórmula Indy, campeonato ainda restrito aos EUA, Canadá e Austália e Brasil, mas que vem crescendo bastante. A Philip Morris, fábrica dos Malboros, já patrocinou Senna, Emerson , Raul Boesel, Rubens Barrichelo e André Ribeiro, cinco dos melhores pilotos do país e, em Setembro de 97, o piloto Tony Kanaan ganhou o título da Fórmula Indy Lights, com o mesmo patrocínio. Além do apoio ao Alexandre Barros, nosso campeão de motociclismo. O campeão Ayrton Senna, que mudou de equipe, em 94, corria com carros Williams patrocinados pelos cigarros Rothmans e tinha grandes chances de tornar-se tetracampeão mundial, divulgando mundo afora mais uma marca de cigarros. Ia me esquecendo, um dos carros por longo tempo pilotado por Nelson Piquet tinha a chancela dos cigarros Camel. Ele hoje corre as 24 horas de Le Mans com a marca Hollywood no peito, assim como Maurício Gugelmin na F. Indy e ainda Gualter Salles.

É bom chamar a atenção de vocês para o fato de que, em algumas pistas européias, os carros de corrida tem que retirar os nomes dos cigarros da lataria, dos macacões dos pilotos e da equipe, assim como dos outdoors espalhados pela pista, uma vez que lá já se conseguiu leis mais severas para evitar a divulgação de algo que, volto a lhes assegurar, é terrível para a saúde. É válido o debate sobre a liberdade de expressão que, estaria em jogo neste momento, porém, me arrisco a dizer que não consigo vislumbrar uma saída ética para este impasse. Há já alguns anos, nas corridas de Fórmula I disputadas na Alemanha as pistas estão livres das marcas. A partir do ano de 1996, no Grande Prêmio da Inglaterra, em Silverstone, também houve a mesma proibição. Recentemente, o Sr. Max Mosley, presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), declarou à imprensa internacional que, se a pressão da União Européia continuasse desta forma (evolui um grande movimento visando impedir a propaganda de cigarros em toda a Europa), como a indústria do cigarro é a maior patrocinadora do circo, ele ameaça transferir todas as provas européias para a Ásia. Um cliente meu que é inglês, me revelou algo que eu desconhecia (que pode não querer dizer nada e pode dizer tudo): o Sr. Mosley é filho de Oswald Mosley, a maior liderança do British Nacionalist Party (Partido Nacionalista Inglês), ou seja, o ramo ingles do partido nazista. Pesquisas realizadas na Europa mostraram uma incidência significativamente maior de adolescentes fumantes entre adeptos da Fórmula I, do que entre os que não acompanham as corridas. Aliás, nada mais óbvio, porque parece estar claro que a indústria de cigarros não aplica tamanha verba publicitária (dizem que são quinhentos milhões de dólares por ano), se este esforço não tivesse um retorno garantido. Não sejamos ingênuos, esta indústria está pouco se lixando para os esportes, ela usa estes palcos apenas para influenciar decisões.

Por aqui, a marca que mais buscou a identificação com o público jovem foi a Hollywood. Fora dos tempos de crise econômica, sem o "down trading"(opção por marcas mais baratas),é o cigarro mais vendido no Brasil. Para manter esta liderança e penetração entre vocês, emerge como a grande benfeitora do Rock, patrocinando há longos anos talvez o maior evento nacional de Rock, o Hollywood Rock, além de manter um patrocínio semanal na televisão, que também leva o nome de Hollywood Rock. Primeiro a marca prometia o sucesso, depois com a profusão de informações a respeito dos males do fumo, passou a não dizer mais nada. Seus anúncios passaram a ter apenas impacto visual, sem nenhuma mensagem verbal, exceto em músicas, porem, como a maioria não entendia as letras que estão sendo cantadas, o que vale mesmo é o ambiente criado. À beleza das imagens, produzidas na maioria das vezes no exterior, associa-se sempre a esportes. Com uma característica básica de vanguardismos, i.e., quando não se conhecia asa-delta por estas paragens, lindas imagens de vôos de asa-delta, e assim foi com parapentes, jet-skis, grandes corridas de bugres no deserto, windsurf, patins, etc. A poluição visual das cidades brasileiras pela marca Hollywood é impressionante, principalmente se levarmos em conta que o que está sendo anunciado é um produto que causa dependência física e psíquica. Inicialmente, eram outdoors simples. Passou-se, com o avanço tecnológico, a usar-se outdoors iluminados, novamente sem qualquer mensagem escrita, apenas a visual. A marca passa a ser perfeitamente identificada por onde vocês passem e a qualquer hora do dia e da noite. É comum chegar-se em um clube ou condomínio e encontrar-se em todas as barracas que rodeiam a piscina a marca Hollywood. É um marketing agressivo, pesado mesmo, porém, os lucros parecem justificar os gastos. Na revista Veja, de 17 de Junho de 1998 (ano 31 n0.24), há uma reportagem que exemplifica bem o que acabamos de afirmar: a Souza Cruz (leia-se Hollywood) acaba de produzir a campanha de publicidade mais cara já feita no Brasil, com imagens na geleiras da Antártica, em dunas na Namíbia e, no Grand Canyon, no estado do Arizona (EUA). Até o solitário navegador Amyr Klink foi seduzido pela indústria, participando como orientador da expedição à Antartica, segundo ele, "procurei evitar algum desastre ambiental". Fica quase confirmada a idéia de um amigo meu que diz que na Terra existem cegos guiando cegos, pois, alguém diz que procurou evitar um desastre ambiental que poderia ocorrer durante filmagens de um comercial de cigarros, esquecendo-se talvez, de que aqueles comerciais por ele possibilitados de serem feitos, fazem parte de uma campanha que ajuda a vender algo que em 20 anos estará matando 10 milhões de pessoas por ano no mundo. É interessante porque o marketing que já propôs o SUCESSO para seduzir os futuros fumantes, agora diz NO LIMITS, quer dizer, enquanto os movimentos antitabagismo alertam para as doenças e as mortes precoces provocadas pelo tabaco, a campanha do Hollywood quer seduzir vocês, adolescentes, com a idéia falsa de liberdade sem limites. Em relação ao tabagismo, posso garantir a vocês que há limites. Limites à capacidade respiratória, limites à potência sexual, limites ao tempo de vida, limites ao funcionamento do coração e de outros músculos, limites ao paladar e ao olfato, limites à gravidez, limites à inteligência, em fim, limites é que não faltam em relação ao tabagismo. O vício provocado pela nicotina, para a maioria dos que entram em contato com a droga, realmente é que, infelizmente, costuma não ter limite.

Outras marcas preferem atuar junto a outros públicos, por exemplo, há aquela que apregoa "ter algo em comum com vocês". São os cigarros Free, que vendem a ilusão de que se trata de um fumo saudável. Como faz um discurso supostamente mais inteligente, criou para veiculação da sua marca o patrocínio de um festival, o FreeJazz, talvez o único festival de Jazz do Brasil, entendo este gênero musical como sendo mais elaborado. Alem dos festivais propriamente ditos que patrocina, está presente na televisão, com programa especializado em Jazz.

Os cigarros "baixo-teores", afirmam serem a opção inteligente (i.e., seriam cigarros com menos tóxicos). Este tipo de propaganda é uma contradição a mais da publicidade dos cigarros, pois, estaria indiretamente chamando os consumidores dos cigarros "normais" de burros.

Não para aí, a presença das fábricas de cigarros na vida cultural brasileira, por exemplo, um dos raros festivais de dança do país é patrocinado pelos cigarros Carlton, o Carlton Dance Festival. Neste ano de 1994, ele não será reeditado por não ser do interesse da indústria, por questões do mercado de cigarros e da economia. Estes mesmos cigarros patrocinam num dos horários nobres da televisão, o Carlton Cine, um progama semanal de exibição de filmes.

Durante a semana que antecedeu a realização da prova carioca da Fórmula Indy de 1997, o Rio de Janeiro teve um de seus mais importantes símbolos maculado (o Pão de Açucar) pela sanha de divulgar uma marca de cigarro, patrocinadora do piloto Maurício Gugelmin. Pela foto de Jorge William (O Globo), documentamos a agressão que foi imposta à nossa cidade. A macaquice inventada para 98, foi desfilar com o carro, preso a um helicóptero, pela orla carioca.

Quando comparamos a mensagem elaborada para divulgar, por exemplo, o Delícias de Cuba no início do século e, todo o aparato que cerca o marketing do Hollywood nos dias de hoje, podemos ter até um pequeno aprendizado quanto à evolução dos tempos modernos. Pena que neste campo estejamos enfatizando o lado perverso da publicidade. Ela também serve para difundir campanhas de alto valor social. Portanto, não estamos aqui fazendo um tratado contra a publicidade ou os publicitários. Eles divulgam o que a lei permite divulgar. Não há nenhum publicitário veiculando anúncios para ressaltar as melhores qualidades de uma determinada partida de heroina. O ideal, para a luta antitabagismo, seria tê-los ao lado da divulgação dos males do cigarro, porém, não dispomos de recursos financeiros para tal, ao contrário das indústrias tabageiras.

Quanto ao problema da legislação, i.e., porque as leis não protegem mais vocês da massificação de apelos para que vocês fumem, não posso responder. Seria uma boa pergunta a ser feita aos seus futuros candidatos aos cargos dos legislativo. vocês certamente deverão ser procurados por eles, já que o voto no Brasil de hoje é a partir dos dezesseis anos, se ainda não o foram, certamente o serão em breve. Perguntem o que o candidato(a) estaria disposto a fazer para mudar esta situação. São eles que fazem as leis. Aliás, não é só uma questão de ter leis, é também necessário que as já existentes sejam cumpridas, por exemplo, é proibido fumar no interior dos ônibus e, o que costumamos ver ? Tanto o motorista, quanto o trocador fumando, mesmo em dias chuvosos, com as janelas fechadas.

QUEM GANHA DINHEIRO COM TUDO ISTO ?

Os dois principais beneficiados pelo comércio de produtos que contêm nicotina são : os governos que arrecadam os impostos e as indústrias do fumo.

Além destes, existe toda uma rede de interesses os mais diversos que tem início nos agricultores, aqueles que plantam as sementes e entregam as folhas preparadas para o beneficiamento, passa pelos fabricantes de fósforos, isqueiros, cinzeiros, cigarreiras, cachimbos, piteiras, papel (para o cigarro pp. dito, para os maços que os embalam, para os cartazes dos anúncios,etc.), pelos fabricantes dos agrotóxicos que são usados na lavoura do fumo, pela indústria farmaceutica que irá fabricar os remédios que futuramente serão prescritos para os fumantes que se tornarão doentes, por todos os fabricantes de materiais hospitalares (catéteres, sondas, fios de sutura, radiografias, contrastes radiológicos, respiradores artificiais, seringas, agulhas, balas de oxigênio, cadeiras de rodas, etc.). Passa também pelos médicos de várias especialidades (que mantêm parte da sua clientela entre os usuários do tabaco) , pelos hospitais, casas de saúde e laboratórios. Ganham bastante as empresas de publicidade , os publicitários , atores , modelos ,os pilotos de carros de corrida e, a imprensa falada, escrita e televisionada que veicula as mensagens publicitárias. Na outra ponta da linha, iniciada pelos agricultores, estão os donos de tabacarias, bares, restaurantes, bancas de jornal e postos de gasolina que vendem os cigarros.

Sei que posso passar por exagerado mas, me acompanhem nesta viagem pelo livro "Armas, Brasões e Símbolos Nacionais", do Prof. de História Sebastião Ferrarini.

Em 18 de Setembro de 1822 (onze dias após proclamar a nossa Independência de Portugal), D. Pedro I (o primeiro Imperador do Brasil), ao chegar ao Rio de Janeiro, vindo de São Paulo, entre outras coisas, decretou a criação da Bandeira Nacional, a bandeira do império brasileiro. Pasmem, mas, vejam quem aparece ornamentando a dita bandeira, um ramo de TABACO, acompanhado por um ramo de café. Esta "homenagem" de D. Pedro I ao tabaco, era um reconhecimento, em 1822, da importância da cultura do fumo para o comércio brasileiro e sua exportação. Com a exportação do açucar em baixa, perdendo terreno para o açucar do Caribe, principalmente de Cuba, o tabaco e o café, representavam o que de mais rentável possuíamos.

O mesmo professor Ferrarini nos presenteia em seu livro com gravuras de outra "homenagem" do Brasil ao tabaco, já em 1889, Brasil-República. Nas Armas Nacionais, lá está o ramo de tabaco de braços dados com o de café. Agora, mais de um século depois, está o país a pagar um mico republicano ostentando entre seus símbolos nacionais um produto que está sendo execrado mundo afora.

Não sei se vocês gostam de números mas, vou encher vocês um pouquinho com eles. O mercado brasileiro consumiu, em 1992, mais de 120 bilhões de cigarros, representando um faturamento de US $ 4,8 bilhões ( quatro bilhões e oitocentos milhões de dólares). Se acrescentarmos o que foi conseguido com o tabaco exportado, chegou-se a US $ 5,8 bilhões ( cinco bilhões e oitocentos milhões de dólares), em um ano apenas de negócios. Imagine-se, com a atual conscientização das pessoas em relação aos males do cigarro ( que é muito pequena), se as pessoas ganhassem um pouco melhor, se a crise econômica diminuísse, qual não seria o ganho do sistema.

Para vocês terem uma idéia do que acontece num país economicamente rico do primeiro mundo, nos Estados Unidos, gasta-se US $ 46,7 bilhões (quarenta e seis bilhões e setecentos milhões de dólares) com cigarros. Em compensação, morrem 430 mil americanos por ano, por causas tabaco-relacionadas. Sendo, este número, segundo as autoridades americanas, maior do que se somarem as mortes por AIDS, assassinatos, suicídios, incêndios, drogas pesadas , álcool e acidentes de automóveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) atribui ao fumo, três milhões de pessoas mortas precocemente (3.000.000/ano)_ sendo cem mil no Brasil (100.000/ano), considerando este vício como o principal fator de mortes na Europa, devendo recomendar a 50 chefes de estado europeus a adoção de uma posição firme contra o cigarro e demais formas de criar dependência à nicotina.

Do preço de venda do cigarro no Brasil, 73% fica com o governo, sob a forma de impostos. Ou seja, em 1992, em relação às vendas no próprio Brasil, o governo ficou com mais de US $ 3,5 bilhões (três bilhões e quinhentos milhões de dólares ). Será por isto, que nunca se viu uma autoridade pública ligada à saúde fazer um pronunciamento sobre o assunto ? Já vimos ministros ocupando rede nacional de televisão para falar da cólera, da AIDS, da dengue, da vacina contra a póliomielite, para explicar porque escolhera tal loja para comprar centenas de bicicletas, e, até ministro da saúde fiscalizando a limpeza de aparelhos de ar condicionado, porém, nada sobre o tabagismo. Pelo Ministério da Saúde, sabe-se apenas que "ele adverte que o cigarro faz mal à saúde", coisa que todos medianamente informados já o sabemos. Estamos usando, há poucos anos, esta frase desgastada, comum há uns trinta anos nos países desenvolvidos. Depois daqueles lindos anúncios, aparece a bendita frase. Parece piada. Na verdade, dizem alguns deputados batalhadores da causa que foi super difícil criar esta lei (toda e qualquer propaganda de cigarros deve reservar um pequeno espaço para a "advertência" do ministério), tantas foram as pressões para que nem isto fosse conseguido. Há anos estudando este assunto, espero pelo dia em que o representante maior da saúde do país, o Sr. MINISTRO DA SAÚDE, se digne a enfrentar corajosamente este cartel das indústrias produtoras de cigarros. Poderíamos até chamá-las o "cartel do Brasil".

Vocês devem estar cansados de ouvir que nosso país tem dimensões continentais. Isto não quer dizer só que ele é grande às pampas. Quer dizer também que tem gente à beça. Somos mais de 150.000.000 (cento e cinquenta milhões) de pessoas. Um mercado de consumo maravilhoso, pra qualquer porcaria que alguém queira vender. Tudo se pode multiplicar por cento e cinquenta milhões, pensem nisto. É bem verdade que tem uma porção destes milhões que, no momento, não está podendo consumir quase nada mas, mesmo assim, sobra "muitiu" milhão de gente. Enquanto está havendo uma diminuição dos negócios nos países ditos adiantados, as indústrias tabageiras vem deslocando muito do seu poder para o dito terceiro mundo, elas vêm secas, apostando na nossa ignorância e, porque não dizer, total desproteção ( vide à exposição a que vocês estão sujeitos aos anúncios dos cigarros, há muito proibido nos países do andar de cima ). A Alemanha inteira cabe dentro de São Paulo, atravessa-se toda a Suiça em 3 horas de carro (naquelas auto-pistas maravilhosas), a Hungria é do tamanho de Santa Catarina. Imaginem quão interessantes podemos ser para as indústrias de fumo.

Em relação aos agricultores, o tabagismo mereceria um capítulo à parte, tal a importância que a cultura do tabaco assumiu no Brasil. É disparado a roça que mais rende para o agricultor. Nenhuma outra lavoura trás tanto lucro. Até porque, as indústrias facilitam ao máximo, fornecendo sementes, apoio técnico no plantio, transporte, etc. Milhares de famílias brasileiras dependem destes roçados, o que será um problema futuro quando, assim espero, houver uma conscientização maior das pessoas em relação a este assunto. Neste sentido, em muito se assemelhando às famílias dependentes da produção de cocaína nos países, nossos vizinhos, Bolívia e Colômbia. Lá, muito da economia rural, e mesmo a dos próprios países, está diretamente ligada ao cultivo da "coca", devido ao seu alto lucro. No Brasil, os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina são responsáveis por 80 % da produção nacional de fumo.

Conversando com o Bigode, dono de um barzinho no centro da cidade do Rio de Janeiro, descobre-se que o lucro com a venda de cigarros não é significante. Os donos de bares ganham 8 % do valor. O Bigode me disse, que só vale a pena pelas vendas indiretas, tipo o sujeito que vai comprar cigarros e, ao ver uma bandeja de pastéis chegando, fresquinhos, aproveita e diz : "me dá um pastel deste aí, ô bigode". Ele reclamou (o bigode) que, se perde um maço de cigarros, lá se foi o lucro que teria vendendo dez (perde aí, quer dizer, se alguém leva e não paga, bem entendido).

Para vocês terem uma idéia de como ganham estes interessados indiretos, vou lhes contar uma história verdadeira passada na metade do século em Portugal : o governo portugues era dono das companhias fabricantes de fósforos. Com a chegada de isqueiros contrabandeados à terrinha, viu-se obrigado a criar uma lei que dificultasse o consumo destes, em detrimento dos fósforos. Dizia a lei : "só será permitido aos portugueses o uso de isqueiros sob telha". Traduzindo, só seria permitido seu uso domiciliar. Alguns estudantes da Universidade de Coimbra desafiaram as autoridades, acintosamente, acendendo seus cigarros na rua, com o isqueiro em uma das mãos, enquanto seguravam uma telha sobre a cabeça com a outra. Tomaram o texto da lei ao pé da letra. O fato importante não é o que parece piada, mas o tamanho do lucro que deveria ter naquela época o governo portugues vendendo fósforos. Imagine em nosso país, aonde ainda existem trinta e cinco milhões de fumantes, cada um comprando uma caixa de fósforo a cada dois dias,35 milhões de caixas a cada dois dias e, ao mês, mais de 500 milhões de caixas. Isto tudo em potencial, pode ser que com as dificuldades financeiras das pessoas estes números não estejam sendo alcançados. Menciono esta história para vocês terem uma idéia de contra quem vocês estariam lidando.

Somos todos nós, queiramos ou não, facilmente influenciáveis (digo isto sabendo o quanto deve ser difícil para vocês aceitarem isto). Podem ter certeza que esta massa de interessados, conscientemente ou não, tudo fará para que vocês, entre os 11 e os 17 anos de idade, resolvam ser mais curiosos do que já o são naturalmente e, experimentem um cigarrinho "pra ver qual é?".

Lembro, correndo o risco de ser insistente demais, que se vocês decidirem que querem se tornar fumantes, não estarão tomando nenhuma atitude de rebeldia, muito ao contrário, estarão indo à favor dos ventos, repetindo o caminho trilhado por milhões de outros adolescentes parecidíssimos com vocês. Nada será novidade, tudo como antes, desde o início do século. Intoxicação pela nicotina > tolerância à nicotina > dependência de nicotina > crescimento do lucro (dinheiro) dos interessados.

Se vocês são do tipo bonzinhos, sempre se achando culpados por tudo que acontece ao redor de vocês, sugiro, que se vocês se sensibilizaram pelos relatos e estiverem com ímpeto de ajudar às famílias de lavradores, aos "bigodes" coitadinhos, aos sofridos geradores de emprego ( donos das indústrias de fumo ) ou ao seu governo nacional-varonil ( "para que ele possa aplicar mais recursos em saúde, educação e casa, para os menos favorecidos", já repararam como sempre os discursos são assim?), corram atrás das contas bancárias aonde vocês possam diretamente depositar um determinado valor mensal, evitando assim terem que comprar um maço de cigarros, para resolver seus dramas. Por exemplo, descubram a conta de um agricultor do sul do país e, adotem-no. Combine com ele quanto vocês irão dar-lhe por mês. Não precisam de intermediários, vão direto ao objetivo. Deem-lhe money ! É disto que se trata. Passe numa sessão do Ministério da Fazenda e pergunte como fazer para doar uma determinada quantia em dinheiro mensalmente, pois vocês desejam contribuir para melhorar a arrecadação do seu governo. Como vocês podem constatar, vocês não precisam se intoxicar, ter seus espermatozóides mais lentos ( ainda não tinha falado sobre os SPTZ com vocês, não é ? É, eles fica mais lentos, por causa de alterações em seus cílios ), tossir como mulas , para ajudar aos próximos ou distantes. Bom, se vocês preferirem, gastem dinheiro ligando para qualquer destes "disk-manés" ou "disk-pereca" que existem pelas nossas redes de televisão, num dos milhares de 0900-blá-blá-blé-blé. Até mesmo ser enganado por um "disk-guria" é mais inteligente que dar dinheiro para adquirir doenças.

É claro, que esta relação valor-trabalho-dinheiro meio esquisita, é apenas mais uma demonstração de como as coisas estão meio piradas, neste fim de século. Teoricamente, o trabalho seria não só a forma de sustento ou luxo, como nos habituamos a julgar. O trabalho seria a maneira das pessoas se auxiliarem com o suor de seus rostos e seus potenciais de criação. Poder trabalhar seria algo realmente no nível do sagrado. Ao contrário, o que observamos é que a segunda-feira é maldita por todos e, em contra-partida, um feriadão é aquela maravilha. Baseados nesta forma egoísta de raciocinar, pouco importa se o trabalho está a serviço de fabricar e vender veneno para os semelhantes. Além disto, é pouco comum encontrar-se alguém que tenha prazer no trabalho que exerce, seja por estar na atividade errada para a sua natureza, seja por nunca haver sido orientado para o fato dele ter o direito de curtir trabalhar.

Para complementar a idéia de vocês sobre a quantidade de dinheiro envolvido neste assunto do tabagismo, lembro do dia 21 de Junho de 1997, quando os jornais do mundo inteiro trouxeram, em manchete, o acordo firmado no dia anterior, entre as autoridades americanas e as principais indústrias multinacionais do tabaco. Neste acordo, entre outras coisas, os representantes das indústrias se comprometeram a criar um fundo de, nada mais e nada menos, trezentos e sessenta e oito bilhões de dólares (US$ 368.000.000.000), assumindo a sua culpa em relação ao produto que vendem nos EUA. Este fundo vai para financiar os gastos que os estados americanos tem com os males provocados pelo vício do fumo. O valor deste acordo é maior do que a metade do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, vale mais do que a metade de tudo o que nosso país produz em um ano. Pois bem, enquanto o mundo assistia a esta demonstração explícita de culpa, um advogado brasileiro, defendendo uma das maiores empresas do ramo no Brasil, solta a seguinte pérola da retórica (veja revista Isto É - 20/08/97, No. 1455): "Se alguém comprar uma faca de cozinha e se cortar, não pode processar o fabricante". O ramo americano da indústria deveria contratar este brilhante advogado brasileiro, que a citada revista diz chamar-se Luis Roberto Barroso que, com esta argumentação, poderia ter economizado para eles, TREZENTOS E SESSENTA BILHÕES DE DÓLARES. Será que para os tupiniquins brasileiros e os demais terceiromundistas basta esta argumentação ? "Só fuma quem quer, só não para quem não quer". Acho que o nosso país merece uma defesa mais inteligente ou então um acordo financeiro nas mesmas bases, vocês concordam comigo ?.

Brasil disputa, cabeça com cabeça, com a Índia pelo terceiro lugar de país maior produtor de tabaco do mundo. O primeiro, disparado é a China, vindo bem atrás os Estados Unidos. Nos EUA há 50 milhões de fumantes atualmente e, em compensação, na China existem 300 milhões.

QUEM PERDE DINHEIRO COM TUDO ISTO ?

O primeiro a perder dinheiro é o fumante, pois, até que ele gaste o dele, até então, está todo mundo ganhando.

Vamos usar o preço médio entre os cigarros vendidos no Brasil : 1,5 US$ (um e meio dólar) = 1 maço de cigarros. Continuamos pela média que, costuma ser de 1 maço de cigarros fumado por dia. Portanto, a média dos fumantes gasta 1,5 US $ por dia pra manter o seu vício. Ao final do mes, lá se foram 45 dólares. Em um ano, 540 dólares.

Estes números podem até parecer pequenos para quem venha de uma família de classe média ou alta, mas podemos compará-los com outros, como os do salário mínimo vigente no Brasil de hoje, que é de 102 dólares. Isto é, um trabalhador que receba 1 "salário" (como dizemos), gastará quase a metade dele para conseguir manter sua taxa de nicotina em dia. Este trabalhador, quase que cruelmente, está tão distante das informações sobre os males do cigarro quanto de um padrão de vida digno.

Aqui, faço uma pausa para voltar ao "down trading". Nos momentos de crise econômica os viciados tendem a passar para marcas mais baratas que tem mistura de fumos ainda mais prejudiciais à saúde, são os chamados destronca peitos. Nos países de terceiro mundo como o nosso, o down trading é constante.

Voltando aos gastos do fumante, por exemplo, para um adolescente classe média, um ano e meio de cigarros podem equivaler a uma viagem aos Estados Unidos ou à Europa (em classe econômica, bem entendido), o que poderia lhe proporcionar um grande ganho cultural. Um casal de namorados adolescentes poderia comprar um computador com facilidade, com um ano economizando o que gastaria em cigarros. Isto, sem contar os fósforos... No entanto, o que vemos muitos fazerem é doarem este dinheiro para o sistema-tabagismo que o engole sem qualquer cerimônia, dia após dia, já que a taxa de nicotina no sangue precisa ser mantida.

As famílias em geral se descapitalizam muito, para usar um termo comum aos economistas. Uma internação simples em qualquer casa de saúde, nos dias de hoje está custando os olhos da cara. Até uma simples nebulização pode custar um preço que um trabalhador comum não consegue pagar. O que dizer de uma internação que requer o uso de oxigênio puro, comum nos casos das doenças respiratórias. O preço de 1 minuto de oxigênio nasal vocês não podem imaginar. Muitas vezes, um paciente enfisematoso permanece dias sob oxigênio nasal. Colhendo informações com um médico amigo, Pierre de Gruttola, que administra uma grande casa de saúde da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, sou informado do custo do oxigênio nasal por dia: 120 dólares. Vejam bem, apenas em oxigênio, um dia internado custa mais do que o valor do salário mínimo vigente no país. No início de Agosto de 97, fomos, eu e a dra. Marisa Laboissiere (colega de serviço), visitar o serviço de Pneumologia da Universidade de Campinas (UNICAMP), especificamente para conhecermos um programa que existe lá, coordenado pela médica e professora Ilma Paschoal que, há uns seis anos, faz algo de forma pioneira no Brasil, que tem o pomposo nome de OXIGENIOTERAPIA PROLONGADA DOMICILIAR. Isto pode ser traduzido da seguinte forma: uma equipe de profissionais (médicos, assistentes sociais, enfermeiras, nutricionistas e psicólogos) mantem pacientes em casa com Oxigênio fornecido por aparelhos ("balas" de Oxigênio ou concentradores). Eles comprovaram que com o fornecimento do Oxigênio em casa, diminuiu muito a necessidade de internações, em geral caríssimas. Acontece que, mesmo usando-se o Concentrador de Oxigênio, a forma mais barata de oferecê-lo, isto ainda custa 230 dólares por mes o aluguel do aparelho, duas vezes o valor do saário mínimo brasileiro neste fim de século. É claro que vocês não tem idéia do custo de uma cirurgia cardíaca ou, de um dia em uma unidade coronariana (para se recuperar de um infarto do coração).

Estes gastos com tratamento de saúde são pagos pelas próprias famílias, pelos seguros saúde ou pela nossa previdência social. A maior fatia do bolo acaba com a previdência social, já que a maioria das famílias brasileiras não tem como pagar um seguro saúde, e o que dirá arcar com custos hospitalares. Enquanto isto, as indústrias do fumo, preocupadas com isto (pois, quando um doente fica inválido pra viver normalmente, em geral acaba parando de fumar), sempre tentam colocar uma nova geração para cobrir as perdas. Esta geração agora são vocês.

Não consegui descobrir quanto o governo brasileiro gasta com os problemas ligados ao tabagismo mas, um estudo detalhado neste sentido, feito nos Estados Unidos, mostra que a economia americana tem um gasto de US $ 68 bilhões ( sessenta e oito bilhões de dólares), entre os cuidados com a saúde ligado às doenças tabágicas e à perda de produtividade nas empresas. Quer dizer, já chegaram aos números do ganho, como vimos no capítulo anterior, que era de US $ 46,7 bilhões e, aos números dos gastos, US $ 68 bilhões. Acontece que nos gastos, as indústrias participam com menos ( sementes, publicidade, campanhas de políticos, etc.). De uma forma geral, considera-se que a relação seja sempre de 1 para 1,5, isto é, os governos (a sociedade) arrecadam 1 dólar e gastam 1 dólar e meio. Muito interessante esta conta, vocês não acham ?

Esta evidência de que os governos acabam, a longo prazo, gastando mais do que arrecadam com o vício das pessoas em nicotina, parece ainda não estar sendo devidamente avaliado pelas nossas autoridades tupiniquins. Outro dia li, pasmo, uma notícia no Jornal do Brasil, publicada em dois dias seguidos (18 e 19 de setembro/97): Uma grande companhia de cigarros brasileira fora condecorada com o Prêmio Mauá, concedido às empresas que "melhor se relacionam com os acionistas e com os profissionais do mercado financeiro". Duas coisas me chamaram a atenção nestas matérias do jornal, que (sniff!!) eu costumava ser assinante, primeiramente pelo fato deste evento contar com apresença de um ministro de estado à época, Francisco Dornelles, que, diz o jornal, lembrou que a companhia Souza Cruz "era um dos cinco maiores grupos do país". Por outro lado me causou espanto esta premiação e toda a repercussão promovida pelo Jornal do Brasil, uma vez que o, então, Ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, havia estado no Rio de Janeiro, em 29 de Agosto/97 (Dia Nacional do Combate ao Fumo), junto com todos os Secretários Estaduais de Saúde do país, se comprometendo a se engajar na luta contra o mal que este vício provoca. No dia seguinte, peguei o Jornal do Brasil e, não havia nenhuma linha a respeito do evento, evento este que considerei da maior importância. Parece uma coisa muito esquisofrênica, dá vontade de sair balançando os braços e cantar: "Ah! Eu tô maluco! Ah! Eu tô maluco!". O ministro da saúde diz que vai lutar contra um mal e o ministro da Indústria participa da entrega um prêmio à uma indústria que vende este mal.

Enquanto isto, a administração do atual Presidente dos EUA, Bill Clinton, está botando para quebrar por lá. Recentemente aumentou em 400% os impostos sobre os cigarros, destinando o que ganha para os programas de saúde americanos (alem disto, com a elevação do preço, aumenta o número dos que param de fumar). No mes de Agosto de 96, o Presidente Clinton reconheceu a determinação da FDA (Food and Drugs Administration - orgão americano que fiscaliza alimentos e medicamentos nos EUA), que aponta a Nicotina como substância provocadora de dependência química, o que deverá acelerar as mudanças nos hábitos tabágicos em todo o mundo. O mesmo empenho vem tendo o Primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair, apesar de sua imagem ter sido recentemente maculada, após haver estourado um escândalo, no início de Novembro de 97, envolvendo-o e ao Partido Trabalhista, pelo fato do seu partido haver recebido US$ 1,6 milhão de dólares do Bernie Ecclestone (presidente da Associação dos Construtores da Fórmula I - FOCA) para a campanha eleitoral e,pouco tempo depois ter revisto a lei que proibia a publicidade de cigarros nas competições de Fórmula I.

Um personagem que entrou para a história da luta contra as mentiras da indústria tabageira em 1995, chama-se Jeffrey Wigand. Este americano de Nova York era um dos vice-presidentes de uma destas fábricas e, após desligar-se (ou ser desligado) de suas atividades, denunciou ao mundo, o que o mundo já estava cansado de saber: a fumaça do cigarro contém substância que provoca dependência. Fato este que, até então, era veementemente negado pelas grandes indústrias do ramo. A partir deste momento, alguém do altíssimo escalão assumia que os produtores de cigarros sabiam o que estavam fazendo e, do risco a que estavam expondo os que consumissem os seus produtos. Cresceram de forma impressionante, depois destes acontecimentos, o número de estados americanos a entrar na justiça com ações contra os fabricantes de cigarros, visando receber indenizações pelos gastos provocados pelo vício que eles cultivaram. Em meados de Março de 1997, justamente para aliviar-se do peso destas indenizações milionárias, uma destas gigantes, a companhia Liggett, reconheceu que tinha conhecimento de que o cigarro causaria dependência e que causaria câncer. Além disto, confessava que realizara campanha para menores de 18 anos entrarem no vício, o que é totalmente proibido nos Estados Unidos. Agora, portanto, não se trata de um ex-funcionário demitido (Wigand) a fazer estas revelações, é uma indústria ( e, de peso). É claro, que isto não deixa de ser uma hipocrisia, uma vez que toda a ciência médica sabe há meio século, que as substâncias da fumaça do cigarro provocam dependência física e pode provocar, entre outras coisas, uma série de cânceres, sendo o mais relevante o de pulmão. No entanto, os que lutam contra o tabagismo, por acreditarem que esta doença gravíssima é evitável, devem com certeza comemorar e muito estes fatos recentes. Com a enxurrada de processos que as indústrias começrão a receber, talvez elas próprias, sentindo doer no bolso, passem a se tornar as maiores incentivadoras dos grupos anti-tabagistas, buscando auxílio para exterminar o monstro que elas ajudaram a crescer e ficar forte. Torço para que os governos dos países terceiromundistas coloquem rapidamente as suas inteligências em ação, fomentando atividades urgentes para que seus lavradores iniciem novas lavouras, que não de tabaco, em suas propriedades rurais.

Vocês adolescentes estão agora no olho do furacão. Estão tendo a oportunidade de viver o momento de maior discussão deste assunto nos últimos quinhentos anos. Seus pais, seus professores e seus médicos não tiveram a oportunidade de receber estas informações. Peço que aguardem um pouco o desenrolar destes processos, discutam bastante estas últimas novidades. Todo o esforço que faço em insistir para vocês não cairem nessa, pode ser em vão, se vocês não pararem um pouquinho pra raciocinar, pra sentir, pra analisar, em que roubada vocês podem estar entrando.

É, MAS A GENTE PRECISA DE UMA MULETA

É voz corrente entre os fumantes que não estão conseguindo largar a nicotina, que o cigarro é uma muleta que os ajuda a viver, a enfrentar os problemas da vida. Quando estão tensos, que o cigarro os acalma, que quando estão sozinhos e deprimidos não existiria nada igual. Enfim, o cigarro acaba sendo comparado a um bom companheiro. Na verdade, ele até pode ser considerado um "companheiro", uma vez que o viciado precisa da sua presença constantemente, mais do que a de seu melhor amigo ou amiga. Quando a ser considerado "bom", vai uma distância como entre a Terra e Júpiter.

Que precisamos de ajuda, para mim não há qualquer dúvida. Basta sairmos um pouco de nossas poltronas e, com o pensamento nos elevarmos à altura da Lua, por exemplo, para não ir mais longe, e ainda usando a imaginação, nos vermos lá de cima. O que veríamos ? Veríamos um ser humano(nós), em meio a outros 5 bilhões de seres humanos, praticamente sem qualquer comunicação afetiva. Trafegando aparentemente sem qualquer destino definido. Leve sua imaginação ainda mais longe e pense que vivemos num Universo que tem ,segundo um livro de cabeceira de minha época de adolescente - O Universo, de Isaac Asimov, cem bilhões (100.000.000.000) de galáxias, iguais ou parecidas com a nossa e, pasmem, que cada galáxia tem cem bilhões (100.000.000.000) de estrelas. Portanto, viver como se não precisássemos de auxílio, seria uma falta de humildade descomunal, mesmo uma prova cabal de falta de inteligência. Quem sabe a mesma que nos leva a crer, piamente, que o único planeta habitado seja o nosso.

O cigarro só tem o poder de "acalmar" o viciado. A nicotina que se vai pela urina, nos momentos de stress, angústia ou ansiedade, quando reposta provoca uma aparente tranquilidade. Aquele que não fuma e resolve fazê-lo quando num stress qualquer, tudo o que vai conseguir é continuar estressado, mas só que tossindo.

Para terminar, o cigarro não serve de muleta porque além de curtinho, é fragil. Definitivamente, não serve como apoio.

E O QUE É SER FUMANTE PASSIVO ?

Ser fumante passivo é inalar a fumaça do cigarro, cachimbo, charuto ou cigarrilha, apenas pelo ato de respirar; é poluir-se com a fumaça produzida pelo outro. O próprio fumante ativo também não deixa de ser um fumante passivo quando está fumando num ambiente fechado, ou seja, ela aspira passivamente o material que acabou de expelir. A fumaça inalada pelo fumante passivo permanece em seu sangue por 48 horas.

Recomenda-se que, para uma pessoa estar bem hidratada, beba de 3 a 4 litros de líquidos variados ao dia. O volume de ar inspirado por esta mesma pessoa, durante 24 horas, varia de 10 a 15 mil litros. Quer dizer, podemos aspirar quinze mil litros de ar apenas em um dia e, nada podemos fazer para evitar isto. Portanto, seria muito sensato de nossa parte, tomarmos cuidado, prestarmos um pouco de atenção à qualidade do ar no ambiente em que vivemos.

Quando os estudos sobre os males do tabagismo começaram, visavam estabelecer quais as implicações para a organismo do fumante. A ciência médica se concentrou neste aspecto em particular. Depois de estabelecer-se um quadro bastante completo dos problemas, os pesquisadores concordaram que havia um outro tipo de fumante que não aquele que comprava o cigarro e o fumava regularmente: _ Este tipo de fumante foi então denominado fumante passivo.

Boa parte dos trabalhos científicos realizados nos dias atuais diz respeito a este tema. A poluição tabágica, como é conhecida, passou a representar um mal a ser combatido, da mesma forma que a poluição ambiental tradicional , produzida pelos gases industriais, e, pela poluição dos recursos hídricos, como, rios, lagos, baías e mares, produzida pelas substâncias tóxicas lançadas também pelas indústrias e pelas cidades.

A tomada de consciência deste processo deve ser uma questão urgente para os que não fumam. Seu direito de não respirar ar poluído deveria ser respeitado, porém, ele tem de lutar por isto, uma vez que a dependência à nicotina torna o fumante ativo uma chaminé de fábrica ambulante e, já que ele se polui, não é comum vê-lo preocupado com a eventual poluição do outro.

Voltando aos estudos já realizados sobre esta matéria, os números são assustadores. Numerosos casos de doença tabaco-dependentes, i.e., aquelas associadas comumente ao fumo, estão começando a surgir, incluindo cânceres, em pessoas que nunca fumaram.

Entre crianças, filhas de pais fumantes, a taxa de incidência de doenças do aparelho respiratório, tais como, gripes, tosses, bronquites, rinites e pneumonias, é muito maior. Alem, é claro, de que a "passividade" da criança a longo prazo, pela exposição prolongada à nicotina + o exemplo dos pais, poderá facilitar sua entrada futura no vício.

Um amigo, pneumologista infantil (da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Clemax Sant’Anna, realizou, em 1981, uma pesquisa em que entrevistou cem famílias, nas quais havia crianças de 0 a 7 anos. Entre as principais conclusões do trabalho, pinço duas em especial: 1a.- crianças de 0 a 7 anos que convivem com fumantes, apresentam maior prevalência de problemas respiratórios do que aquelas cujos familiares não fumam; e 2a.- a ocorrência de problemas respiratórios nos lares de fumantes pode ser imputada ao tabagismo passivo.

No primeiro mundo, o reconhecimento dos riscos do fumo passivo está tão patente que, pais fumantes já estão sujeitos a perder a custódia de seus filhos, da mesma forma como acontece com os pais que são dependentes das chamadas drogas pesadas. Visitem a página do ASH (Action on Smoking and Health - Ação em Fumo e Saúde): http://ash.org/kids/custodyloss.html.

Os efeitos do fumo passivo não se restringem às crianças, por estas serem menos dotadas de defesas naturais. Recentemente uma senhora ganhou uma causa judicial, nos EUA, por ter adquirido Enfisema Pulmonar pelo excesso de poluição tabágica em seu ambiente de trabalho, após longos anos como secretária de um executivo fumante.

Nos países mais desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos, aonde esta conscientização já vem acontecendo há mais tempo, as limitações ao ato de fumar em ambientes públicos está se tornando a cada dia mais forte, sendo criados lugares específicos para fumantes em restaurantes, aviões e repartições de trabalho. Há no primeiro mundo uma tendência a não se contratar profissionais que sejam fumantes. Lá, ao contrário daqui, "inverteu-se a mão da rua", agora é considerado deselegante, desrespeitoso um indivíduo tirar um cigarro do maço e acendê-lo numa reunião social. Quem diria, aquele que no início dos tempos era sinal de charme e masculinidade ?

Nos países de terceiro mundo, o não fumante ainda não percebeu com clareza a que está se expondo. Ainda há uma incrível timidez, característica de povos colonizados, aonde aquele que exige que se respeite seu ar puro, nada mais é do que o chato de plantão. Para vocês terem uma pequena idéia de como as coisas estão adiantadas, naquele estádio de futebol nos Estados Unidos, aonde a Seleção Brasileira se sagrou tetracampeã (naquela disputa de pênaltis contra a Itália), pois bem, no interior do estádio, em qualquer lugar de suas dependências, foi proibido fumar naquela final de Copa do Mundo.

Cito aqui uma conversa que tive com a Maria Machado, uma colega de hospital, que trabalha numa sala pequena, com pouca ventilação, ao lado de duas fumantes. Quando a questionei sobre o fato dela não reclamar daquele fumacê, a resposta foi : "eu sou de paz, os incomodados que se mudem. Quando a fumaça está demais ou eu não estou bem naquele dia, saio e vou dar uma volta. Não quero brigas, mal-estar."

Uma sugestão de um eminente psicólogo, William Reich, é o da pessoa, ao acordar, passar 5 minutos à frente do espelho repetindo: "Não !, Não !, Não !". Nossa civilização tem muita dificuldade em dizer NÃO.

No final do mês de março de 1997, o Departamento de Aviação Civil do Brasil (DAC), baixou norma, seguindo movimento mundial neste sentido, proibindo fumo em aviões, em vôos de curta duração. É claro, que em viagens de longa duração, esta medida deveria ser ainda mais obrigatória, porque aumenta o tempo de fumo passivo das pessoas, porém, para muitos fumantes seria praticamente impossível viajar, devido à síndrome de abstinência nicotínica. O interessante foi que, no dia seguinte ao da regulamentação, ouvi opiniões de fumantes, do tipo: "Esta lei é um absurdo. Fumar é uma questão de foro íntimo", esquecendo-se de que existem poucos foros tão íntimos quanto o interior dos pulmões de quem não fuma. Enquanto isto, na mesma época nos EUA, sessenta mil aeromoças e comissários de bordo entraram com ações na justiça pedindo indenização, de cinco bilhões de dólares, pelas horas que passaram expostas ao fumo dos passageiros. Estas ações judiciais vieram encabeçadas por uma aeromoça da American Air Lines, Norma Broin, que teve câncer de pulmão, após duas décadas trabalhando em aviões repletos de fumaça de cigarro. Segundo os últimos informes, também nos vôos internacionais (os mais longos), deverá, em breve, haver proibição para o fumo a bordo.

Para vocês verem como as coisas evoluem rapidinho, reproduzo nota publicada na super coluna da Danuza, no Jornal do Brasil (12/05/98): "AVISO AOS NAVEGANTES - Nos vôos "no smoking" das companhias aéreas americanas não se pode fumar mes-mo e uma brasileira deu um ve-xa-me sábado, pouco depois de sair de Nova York com destino ao Rio, pela American Airlines. Acendeu um cigarro, discutiu quando lhe disseram ser proibido, ameaçou ir fumar no banheiro e não desistiu nem quando a aeromoça disse que se continuasse seria presa. Resultado, o avião voltou para o Aeroporto Kennedy, a moça foi levada pela polícia e os passageiros tiveram que esperar uma hora e meia até ser localizada a bagagem da fumante incontrolável; ela será deportada para o Brasil e nunca mais poderá por os pés em território americano - que coisa".

Deu no JB também : "passarinho morre por fumo passivo". Um piriquito australiano, de uma senhora que era grande fumante, segundo os veterinários que fizeram a autópsia, morreu de câncer de pulmão por tabagismo passivo.

Novamente, constatamos com este gráfico das famílias da Escola Municipal Silveira Sampaio, que o grau de poluição tabágica domiciliar a que estão expostas as crianças é extremamente elevado. Metade das casas dos 169 alunos da Escola Municipal Silveira Sampaio tem pelo menos um dos pais fumantes.

Sugiro, aos fumantes passivos, conhecer e utilizar a oração do glorioso São Jorge, principalmente o trecho que reproduzo em seguida: "Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge. Para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem e, nem pensamentos possam ter, para me fazerem mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar." Eu ainda acrescentaria: - Que a fumaça entre em meus pulmões, sem ao meu sangue intoxicar !

Lido num cartaz colado na sala de xerox do Hospital Gaffrée Guinle, no Rio: "A TERRA POSSUI: 5 OCEANOS, 13 MARES, 5 CONTINENTES E 148 MILHÕES DE KILÔMETROS QUADRADOS. COM TANTO LUGAR NO MUNDO, V. TINHA QUE FUMAR LOGO AQUI?". (AUTOR DESCONHECIDO)

E O "FUTUM" ?

O fumante leva um tempo para se acostumar aos efeitos iniciais da nicotina, como já vimos. Aqueles enjoos, tonteiras, etc. O mesmo acontece com o cheiro da fumaça do cigarro. Depois de viciado, já tem dificuldade de sentí-lo, não o estranhando mais, de tal forma se identificou com ele.

Não vamos nos enganar, no entanto, porque na verdade a fumaça do cigarro fede. Que o fumante não ache isto, é um problema dele, mas que fede, fede.

Tenho uma amiga, a Helô, que radicaliza, não namora fumante, pois, sempre pensa que na hora do beijo vai ter que sentir aquele futum. Já cheguei até a lhe dizer que ela poderia estar perdendo uma grande pessoa, que o amor é lindo, que ele poderia parar de fumar depois, com o convívio com ela, mas ela é irredutível : "Sou gostosa e cheirosa, se posso escolher, porque vou ter que encarar um brother com catinga". Esta conduta era muito comum no homem de antigamente que proibia "sua" mulher de fumar, entre outras coisas, por causa do cheiro. É o sinal dos tempos!

Radicalismos à parte, o fato é que a fumaça fede mesmo.

O que acontece com o fumante é que ele precisa repor a nicotina, se estiver num restaurante com pessoas em volta, almoçando ou jantando, azar o das pessoas. Há alguns mais abusados que sacam do bolso um charutão fedorento após o repasto.

O fumo antes de ser queimado não tem um cheiro legal (exceto, alguns fumos de cachimbo), a fumaça propriamente dita fede mas, nada se compara a um cinzeiro cheio de guimbas e cinzas. Este último incomoda até ao próprio fumante. Após uns cigarros apagados num cinzeiro, durante uma reunião social ou mesmo numa mesa de bar, o anfitrião, ou o garçom, vem sempre com aquele cinzeiro limpo, para aliviar a barra. Imaginem vocês optando por entrar num vício fedorento. É demais, não é não ?

A roupa do fumante, seus cabelos, sua casa, tudo passa a feder a cigarro. Só ele é que não sente mais. Há uma explicação para isto, alem de haver se acostumado ao cheiro, o olfato do fumante está diminuído, não só para a fumaça, para tudo. O fumante vai perdendo o olfato ao cabo dos anos.

Dois fatores contribuem para isto. Por um lado, a inflamação da mucosa nasal, por outro, as substâncias químicas da fumaça que afetam as células receptoras nasais responsáveis pelo olfato.

Antes de encerrar este capítulo, gostaria de parabenizar a família Laskowsky (Helena e seus filhos Nelson e Mauro), criadora de um dos melhores restaurantes do Leblon (meu bairro), um lugarzinho lindo, chamado Fellini. A família tomou a decisão, por volta de Agosto de 96, proibir o fumo no interior do estabelecimento. Esta decisão corajosa e inédita, acabou por render-lhe frutos. O espaço vive, merecidamente, cheio de gente. Chovem felicitações pela idéia. Colado na pequena porta de vidro da entrada, um convite: "Restaurante para não fumantes". Helena, a matriarca (se é que se deve chamar assim alguém tão jovial), esclarece que, tendo o prazer da degustação, capricha na elaboração de pratos deliciosos, incompatíveis com o cheiro desagradável da fumaça dos cigarros.

PORQUE A GALERA ENGORDA QUANDO PARA DE FUMAR ?

Há uma certeza: a esmagadora maioria dos fumantes ganha peso quando para de fumar. É um ganho significativo, entre 5 e 20 % do seu peso habitual,i.e., um brotão de 50 kgs. pode alcançar os 60 kgs., num espaço de um ano. Perdê-los será outra história.

Razões para isto são as mais diversas : boca, língua, nariz, mãos, tireóide, ansiedade e solidão.

Se não vejamos: existem duas coisas que nos fazem sentir atração pela comida, alem do sentido visão, é claro _ o cheiro e o gosto do alimento. Os fumantes tem tanto o olfato, como vimos antes, quanto o paladar diminuídos. As papilas gustativas (estruturas que pertencem à língua) pela permanente agressão pela fumaça, acabam por exercerem menos a sua função, tornando menor o gosto de qualquer refeição. Após um período sem fumar, se as lesões da língua não forem excessivas, pouco a pouco o ex-fumante começa a desenvolver novamente seu paladar mais apurado, os alimentos se tornam mais saborosos.

Pelo alto poder de difusão sanguínea e tecidual das substâncias da fumaça, a tireóide (uma glândula situada na parte da frente do pescoço) do fumante tambem é atingida. A alteração tireoideana do fumante, chamada hipertireoidismo, faz com que esta glândula funcione alem do necessário. Com isto, enquanto fuma, toda pessoa tem um certo grau de hipertireoidismo e, por conseguinte, é mais magra do que seria em condições normais. Quando a pessoa para de fumar, surge um mecanismo inverso, um hipotireoidismo reacional, que faz aparecer um ganho de peso no primeiro ano. Se algum de vocês resolver fumar para emagrecer, nunca mais fale comigo, estaremos de mal para todo o sempre; os donos das indústrias de fumo rolariam de alegria por este motivo, não bolado por eles, de vender mais cigarros e ganhar mais dinheiro.

Em relação a mãos e dedos, a coisa é séria. Pensem comigo (estarei sendo muito autoritário, pro gosto de vocês ? Se estiver, falem logo, fechem o livro, protestem de alguma forma !) : leva mais ou menos cinco minutos para fumar-se um cigarro > um maço, tendo vinte cigarros, manterá os dedos do(a) bacana ocupados por uma hora e quarenta minutos do dia. (5 min. X 20 cig. = 100 min./ 24 hs.) > imaginando-se que durma-se oito, destas vinte e quatro horas do dia, significaria dizer que das dezesseis horas acordadas, que transformadas em minutos são 960 min., mais de 10 % delas o fumante segura aquele rolinho branco, por anos e anos. Ao suspender-se o vício, aquele hábito de ter algo entre dedos por 10 % do dia se esvai, como num passe de mágica. Podem acreditar que, em parte, o ex-fumante ganha peso por procurar manter seus dedos ocupados, só que desta vez com sorvetes, biscoitos, pipocas, amendoins, sanduíches, refrigerantes, coxinhas de galinha, risoles, empadas, garfo-faca, copos, etc.

Bom, a ansiedade é talvez a maior causa da engorda. O "nevroso!". Dizem os entendidos em Psicologia que, durante nossa fase inicial de vida, ainda bebê, a primeira forma de prazer e aconchego é dada pela amamentação, seja pelo seio, seja futuramente pela mamadeira ou pela chupeta. Esta ligação "boca-cigarro", em muito se parece com a dos bebês, "boca-bico do seio". Vocês já devem ter visto, um bebê que chora desesperadamente, acalmar-se em contato com aquele peitão que lhe é oferecido. Muitas das vezes, não havia fome, era só a necessidade do contato. Isto se passa num nível inconsciente para nós. Num momento de stress, sufoco ou grande alegria, depois de já grandinhos, quereríamos aquele "seio", aquele "bico". O cigarro representaria aquele seio calmante e prazeiroso. Na ausência dele, algo que entre pela boca, quem sabe um pedaço de pizza, e outro, e uma torta de chocolate, para esperar o jantar com tranquilidade. Vocês já repararam na tradição do pai de um bebê que nasce, oferecer charutos para os presentes, pois é, depois daquela ansiedade natural da hora do parto, um misto de alegria e relaxamento, o levam a precisar de um bico qualquer pra chupar. Há tambem aquela outra tradicional do: " o whiskyzinho antes e o cigarro depois" (como eu não sei em que estágio vocês estão, fico na minha. Quem já viu não se admira, quem não viu não sabe o que é!).

Lembro, agora, da minha filha Lívia que, aos quatro anos, decidiu parar de usar chupeta. Ela partia para o sono cheia de vontade e, depois de rolar pela cama, sem conseguir dormir, pedia a chupeta de volta, dizendo que seria só naquela noite. A pequenina sofreu um bocado (mas, conseguiu). Nunca a vi tão orgulhosa quanto no dia seguinte à primeira noite sem chupeta. A chupeta havia criado nela uma dependência psíquica que ela conseguiu superar. O problema dos fumantes é primeiro que também tem dependência física à nicotina, segundo que, ao contrário da chupeta que usa-se por uns três a quatro anos, o fumante normalmente carrega um vício de dez, vinte, trinta, quarenta anos, se não mais. Thiago, meu filho menor, de quatro meses de idade, enquanto escrevo esta linha, está agora atracado no bico do seio da mãe dele.

Vocês adolescentes já não estão mais na idade de usar chupeta...

***** Para quem nunca colocou um cigarro na boca, é difícil entender essa dependência. Mas o cigarro é uma droga e, por isso, vicia. "A falta da nicotina causa um desprazer tão grande que a pessoa prefere não passar por essa abstinência", explica Ronaldo Laranjeira, professor da Universidade Federal de São Paulo. Absorvida pela mucosa oral e pelos pulmões, a nicotina estimula, no cérebro, a produção de substâncias que garantem uma sensação de bem-estar. Por isso, o órgão aprende que fumar dá prazer, e livrar-se desse pensamento se torna difícil.