Big-bang biológico

Estudo mostra que uma mudança nos pólos da Terra acelerou a evolução da vida no planeta.

    Na escala evolutiva da vida na Terra há um degrau misterioso que sempre intrigou os cientistas. É um big-bang biológico, ocorrido cerca de meio bilhão de anos atrás, num período conhecido como cambriano. A evolução das espécies, que nos 3 bilhões de anos anteriores acontecera de maneira lenta, explodiu de repente em milhares de novas formas, numa diversidade que lembra a paisagem do Jardim do Éden descrita no Gênese. Um artigo de três pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Caltech, publicado na última sexta-feira na revista Science, resolve parte do enigma. Ao analisar traços magnéticos em rochas coletadas em vários continentes, eles concluíram que a explosão do período cambriano coincidiu com outro evento aparentemente único na história do planeta, uma rotação de 90 graus na posição dos pólos da Terra (veja quadro). O resultado foi uma mudança climática brutal. Calotas polares cobertas de gelo durante bilhões de anos migraram para a linha do Equador, enquanto as antigas regiões tropicais e equatorias esfriaram ou congelaram. Ventos e correntes marinhas também se alteraram. Tudo isso resultou numa acelerada reorganização biológica em que as espécies existentes passaram a evoluir e a se diversificar num ritmo vinte vezes maior que no período anterior.

    A mudança de posição dos pólos começou cerca de 530 milhões de anos atrás e foi produzida, segundo os pesquisadores, pelo movimento da crosta terrestre. Os continentes são ilhas gigantescas de material sólido que se movem sobre camadas líquidas do interior do planeta—o chamado manto. Atualmente, esse movimento é muito lento, apenas alguns centímetros por ano. Ainda assim, produz vulcões e terremotos. Há 500 milhões de anos, por um motivo que os cientistas ainda não conseguiram explicar, o movimento das placas continentais acelerou-se de repente. "Essa aceleração coincide com o período em que a vida se diversificou loucamente", diz Joseph Kirschvink, chefe da equipe de cientistas americanos. "Por isso achamos que os dois eventos estão interligados."

    Supercontinente — Nessa época, os continentes estavam todos agrupados num bloco único chamado Pangéia (do qual só se desprenderam há cerca de 150 milhões de anos). Por alguma razão, esse supercontinente começou a rodar sobre si mesmo. Pelas observações dos cientistas americanos, o bloco continental que hoje é a Austrália girou em sentido horário cerca de 90 graus em apenas 15 milhões de anos—um período ínfimo se comparado à idade do planeta, de 4,5 bilhões de anos. A nova distribuição de massas continentais fez o planeta inteiro girar sobre si mesmo no sentido sul—norte. O Pólo Sul, antes localizado num ponto entre a atual Foz do Amazonas e a costa do Nordeste, migrou cerca de 10.000 quilômetros, até se fixar na posição em que se encontra hoje.