As janelas para os céus e nossa concepção de Universo

    As ciências astronômicas dividem uma característica que lhes é muito peculiar: a aparente falta de "controle experimental". Enquanto em outras ciências naturais, como física, química ou biologia, podemos em geral testar a maioria das idéias e das teorias no laboratório, com as ciências astronômicas, o processo de averiguação de idéias deve ser bem diferente. Afinal, não podemos repetir a formação de uma estrela, de um sistema solar ou de um planeta no laboratório! O problema, obviamente, está ligado às dimensões e às distâncias dos objetos celestes. Muitas vezes, essa aparente dificuldade das ciências astronômicas leva pessoas a duvidar de sua credibilidade. Não é raro ouvir comentários do tipo: "Mas como podemos acreditar nesses astrônomos e em seus telescópios? Como podemos acreditar em teorias que não podem ser testadas no laboratório?" Eu me lembro, ainda menino, quando vi na televisão o astronauta norte-americano Neil Armstrong dar seus primeiros passos na Lua. Nossa cozinheira, que assistia à transmissão conosco, gritou incrédula, "Vixe Maria!! Isso é tudo um truque lá de Oliud!" O "truque" não foi de "Oliud", mas da agência espacial americana Nasa, que conseguiu tal feito tecnológico. Nesses 30 anos passados desde que a humanidade, ou pelo menos nosso representante, deu sua primeira saltitante caminhada em nosso satélite, muito foi feito para que obtivéssemos uma visão cada vez mais acurada do Universo à nossa volta.

    Nós observamos o Universo não só por meio do que podemos ver, mas também de várias outras janelas do espectro eletromagnético, invisíveis aos nossos olhos, de ondas de rádio até os raios X e gama. Objetos celestes emitem radiação eletromagnética em várias frequências, ou energias, diferentes. Muitas vezes, a fonte de radiação esconde-se por trás de uma cortina de gás que a torna invisível. Apenas por meio de outras radiações essa fonte pode ser "observada". (Não precisamos "ver" um incêndio para sentirmos o calor que é gerado.)

    Isso acontece na região central de galáxias, onde gases quentes obscurecem a observação do movimento de estrelas. Nesse caso, seu estudo é feito por meio de outros tipos de radiação eletromagnética, como, por exemplo, os raios X.

    Essas emissões, extremamente energéticas, são a melhor evidência de que no centro de galáxias, incluindo a nossa, existem buracos negros gigantes com massas milhões de vezes maiores do que a do Sol. E quem assistiu ao filme "Contato" sabe que o Universo está repleto de ondas de rádio, mesmo que elas possivelmente não tenham sido geradas por uma civilização extraterrestre, mas sim por inúmeras outras fontes, incluindo algumas com nomes excêntricos, como "pulsares" ou "quasares".

    Essas várias janelas para os céus mudaram profundamente nossa concepção do Universo. De uma entidade relativamente pacata, o Universo se transformou em um caldeirão de ação, onde umas estrelas chocam-se com outras, buracos negros devoram estrelas e gás com um apetite infinito, e objetos não muito maiores do que o monte Everest, mas com massas semelhantes à do Sol, giram sobre si mesmos em um milionésimo de segundo (os pulsares). É claro, o próprio Universo está em expansão.

    Modelos matemáticos são propostos e analisados, para tentar reproduzir os detalhes das várias observações. Em muitos casos, como, por exemplo, o dos pulsares, somos extremamente bem-sucedidos. Já em outros, temos ainda muito o que aprender. Mas uma coisa é certa: a observação e a análise de fenômenos distantes é tão eficaz como método de descoberta quanto experiências no laboratório. Caso contrário, o Universo permaneceria para sempre uma grande incógnita para nós.