O SONO

    O objetivo deste boletim é divulgar conhecimentos recentes sobre o sono e seus distúrbios e ressaltar a necessidade de alguns cuidados para prevenir o aparecimentode insônia, sonolência e outras perturbações.
    Até bem pouco tempo o conhecimento sobre o sono equiparava-se à noção que se tinha sobre a alimentação há 200 anos atrás. Naquela época achava-se que as pessoas comiam apenas para saciar a fome e a gula era um pecado. Hoje sabemos das necessidades alimentares de glicídios, protídios, lipídios, vitaminas, sais e fibras e a obesidade, conseqüência da gula, é uma doença. Mas hoje apenas podemos dizer que dormimos para eliminar a sonolência e a insônia ainda é vista por muitos como uma maldição.

    O que é

    O sono não é uma função (como a digestão) mas um estado da vida (como o exercício) com inúmeras funções, muitas das quais relacionadas à conservação de energia. Embora não se tenha desvendado completamente o papel indispensável do sono na sobrevivência dos seres vivos sabe-se cada vez mais sobre sua arquitetura. Observando-se uma pessoa dormindo tem-se a idéia de que o sono representa um estado único, monótono e sobretudo impenetrável. O sono era considerado assim, pois não havia método capaz de avaliar o que ocorria internamente com a pessoa dormindo. O principal instrumento para as descobertas sobre o sono foi um exame chamado polissonografia que permitiu entender muita coisa nova e útil, mas que também revelou novos mistérios.
    Graças a este exame reconhece-se hoje que o sono não é um estado homogêneo e que há dois estados de sono. O sono mais surpreendente e o último a ser descoberto é o sono em que ocorrem movimentos rápidos dos olhos e durante o qual sonhamos. Por suas iniciais em inglês, "rapid eye movements", este sono é chamado REM. Apesar de ocupar apenas 20% do sono de um adulto o sono REM é tão importante que o restante é chamado de sono Não-REM. O sono Não-REM pode ser dividido em quatro tipos diferentes, estágios de 1 a 4.

    Os estágios

    Poucos segundos depois que um indivíduo adormece em estágio 1 ele avança para estágio 2 e em 20 minutos passa para estágios 3 e 4. Estes são os estágios de sono mais profundo e por isso é tão difícil acordar alguém que adormeceu há pouco. Uma hora e meia após o indivíduo ter adormecido ele apresentará um primeiro e curto período de sono REM. Isto se repetirá a cada noventa minutos e a cada novo período o sono REM será mais longo.      Pela manhã não surgem mais estágios 3 e 4 de sono profundo e os períodos de sono REM podem durar até uma hora. Por isso é mais fácil lembrarmos os sonhos da manhã.
    Os sonhos não devem ser necessariamente lembrados. A lembrança de sonhos exige que haja um despertar prolongado durante o sonho pois a memória só funciona após alguns minutos de vigília. Porém, um despertar pode indicar que há algum distúrbio do sono. Quem dorme bem tem um sono bastante calmo e pode nunca lembrar de um sonho. Os sonhos não podem ser representados pois o corpo sofre uma paralisia quase completa. Há uma doença em que a pessoa corre grandes riscos ao representar o sonho devido a um defeito desta paralisia do REM
    Como vimos, o sistema nervoso é aparentemente construído para funcionar em três estados: Vigília - NãoREM - REM. Estes estados ocorrem separadamente e parece ser melhor que não ocorram intromissões de um em outro. Pequenas intromissões da vigília durante o sono normal ocorrem na forma de despertares breves nos quais não se recupera a consciência ou a memória. Isto se manifesta através de 30 a 60 movimentos por noite, quando muda-se de posição ou arruma-se as cobertas, sem que se lembre disso pela manhã. Os movimentos ocorrem nas trocas de estágio e nos estágios de sono mais superficial.

    O corpo dormindo

    Chamado também de paradoxal, o sono REM é profundo se considerarmos que há completa paralisia de toda a musculatura e nenhum movimento corporal, verificando-se queda de temperatura e certa insensibilidade aos ruídos. Entretanto, sob outro aspecto, esse tipo de sono pode ser considerado leve, pois devido aos sonhos, as ondas cerebrais revelam uma intensa atividade, parecida com a da vigília. Além disso, o coração se acelera, a respiração torna-se variável e os olhos movem-se como os de uma pessoa acordada.
    Todas as funções do organismo têm ritmos e a maioria destes ritmos seguem o ciclo de 24 horas, de dia e noite. A própria temperatura do corpo, que em média, é de 36,8 graus, torna-se mais baixa na madrugada e mais elevada ao fim da tarde. Assim ocorre também com as secreções endócrinas. O hormônio do crescimento, por exemplo, é secretado nas primeiras horas da noite. Talvez tivessem alguma razão os antigos quando diziam que as crianças devem dormir cedo para crescer.

    Os relógios biológicos

    Os horários de sono e de vigília são em parte condicionados pela adaptação  de cada animal. Os que são mais adaptados a viver de dia, dormem à noite, e vice-versa. Entretanto, as pessoas vivendo algum tempo em cavernas, sem nenhuma comunicação com o exterior, apresentam ritmos um tanto variados. Na maioria dos casos, seus ciclos são de 24 a 28 horas, mas em alguns, pode alcançar até 50 horas. Na vida diária não ocorrem estas variações, pois, além do sol, existem indicadores de tempo, como a hora de comer, de trabalhar e de dormir, ditadas pelo relógio, que forçam o organismo a seguir o medidor de tempo social.
    Algumas pessoas podem perder-se destes indicadores e passar a apresentar doenças. Aposentados que moram sozinhos são um exemplo.

    Sabe-se que as pessoas com ciclos maiores que 24 horas podem sofrer mais ansiedade e ter dificuldades em levar uma vida normal. Estão se tornando conhecidos os problemas que sofrem os trabalhadores que fazem trocas de turnos e pessoas que não mantêm uma rotina regular. Acabam perdendo seus indicadores de tempo e desenvolvendo insônia e desadaptação de difícil tratamento.

   A polissonografia

    A maioria destes conhecimentos veio através da polissonografia que é uma espécie de "radiografia" do sono. O nome quer dizer "múltiplos registros durante o sono" e é isso que se faz. Registra-se eletroencefalograma (ondas elétricas do cérebro), eletrooculograma (movimentos dos olhos), eletromiograma (tensão muscular), eletrocardiograma (ondas elétricas do coração), movimentos respiratórios e a oxigenação do sangue. Assim, controla-se todo o funcionamento do organismo durante o sono.
    A polissonografia é realizada em laboratórios do sono por meio de equipamento especial usado por técnicos treinados. O exame dura oito horas, em geral entre as 23 e as 7 horas, mas o horário pode ser adaptado em casos especiais. A análise do traçado é feita com auxílio do computador, o que economiza tempo. Mesmo assim, ainda exige horas de um técnico com olho treinado e muita paciência.
    Este exame serve principalmente para diagnosticar os distúrbios do sono. Ele permitiu definir com maior precisão a causa e o tratamento correto destes distúrbios.

   Os distúrbios do sono

    A insônia, por exemplo, era considerada como um distúrbio por si só. Hoje ela é vista como um sintoma que pode ser decorrente de diversas causas. A sonolência excessiva nem sequer era considerada doença. Atualmente, no entanto, conhecem-se várias causas de sonolência, muitas delas graves e potencialmente fatais como a Síndrome das Apnéias do Sono.
    A insônia é a percepção de um sono insuficiente, perturbado ou não reparador. É um sintoma comum e geralmente transitório que raramente chega à atenção do médico. Dentre os que procuram ajuda médica a maioria consegue melhorar. Só os casos graves e crônicos são encaminhados aos laboratórios do sono. A causa da insônia pode ser uma alteração da química dos neurotransmissores no cérebro, identificável na polissonografia.

    A sonolência é a queixa de metade dos casos que chegam aos laboratórios e mais da metade destes apresenta Síndrome das Apnéias do Sono. Apesar de não ser o objetivo deste boletim descrever em detalhes cada doença, a Síndrome das Apnéias do Sono merece que lhe dediquemos um parágrafo por ser um distúrbio do sono freqüente e pouco conhecido.
    O paciente com Síndrome das Apnéias do Sono apresenta roncar noturno intenso, entrecortado por pausas de 20 a 40 segundos. Nestes períodos de silêncio o paciente tenta respirar mas há uma obstrução das vias aéreas que impede a passagem de ar. A única forma do paciente voltar a respirar é despertando. Estes despertares, por serem breves, não são lembrados pela manhã, mesmo que ocorram centenas de vezes por noite. Entretanto, alteram a arquitetura do sono e fazem com que o paciente levante cansado, irritado e passe o dia com tendência a adormecer em situações monótonas.

   Como ocorrem apnéias do sono

    Em pessoas normais o ar passa livremente pelas estruturas da garganta.
Nas pessoas que roncam, o relaxamento muscular do sono permite que a língua seja sugada para trás pelo ar que passa pela garganta com dificuldade e provoca a vibração do palato mole.

    Nas pessoas com apnéias, a língua e outras estruturas da garganta fecham totalmente a passagem do ar. Para voltar a respirar, a pessoa necessita de um breve despertar que, contraindo a língua, coloca-a de volta para frente. Esses despertares, ocorrendo centenas de vezes por noite, geram sonolência no dia seguinte.

    Conclusão

    Hoje está claro que o sono não é apenas um desligamento do cérebro para seu descanso mas sim um estado ativo, cíclico, complexo e mutável com profundas repercussões sobre o funcionamento do corpo e da mente na vigília do dia seguinte.
    O sono não é diferente do exercício ou de outros estados da vida. Exige uma preparação, ambiente adequado e a mente livre de preocupações.