Mil anos à frente

Arthur Clarke retoma sua odisséia no espaço e mostra como será o mundo no século XXXI

    Três décadas atrás, o inglês Arthur C. Clarke tornou-se uma celebridade no mundo da ficção científica ao produzir, em parceria com o diretor Stanley Kubrick, o roteiro de 2001: Uma Odisséia no Espaço. O filme, rodado em 1968, um ano antes da chegada do homem à Lua, funcionou como uma profecia para a atual revolução dos computadores e da exploração espacial. Nele, um supercomputador chamado HAL 9000, com voz e características humanas, rebela-se contra a tripulação da nave USS Discovery durante uma viagem ao planeta Júpiter e mata quatro dos cinco astronautas a bordo. A primeira vítima é o subcomandante Frank Poole. Numa cena memorável do filme, o astronauta sai para fazer um conserto na parte externa da nave, é atropelado propositalmente por uma cápsula manobrada por HAL e, sem oxigênio, desaparece rodopiando no vazio. Poole, que parecia perdido para sempre na imensidão do cosmo, retorna agora como o herói de 3001: A Odisséia Final (tradução de Vera Ribeiro; Nova Fronteira; 300 páginas; 27 reais). Seu corpo, mantido congelado durante 1000 anos no freezer do espaço interplanetário, é resgatado por uma nave terrestre nas vizinhanças de Netuno e reanimado com as técnicas da medicina disponíveis no quarto milênio.

    A ressurreição de Poole é a forma engenhosa encontrada por Clarke para fazer uma ponte entre a primeira e a quarta novela da saga iniciada com 2001 -- as outras duas foram 2010 e 2061, nas quais os personagens principais eram o comandante Dave Bowman, único sobrevivente da Discovery, e o próprio HAL. A trama do livro se prende a um acontecimento extraordinário que mudou os rumos da História: sob a ação de três monolitos negros que parecem vigiar e interferir na evolução da vida na Terra e adjacências, Júpiter entrou em combustão e se tornou uma miniestrela. Como resultado, a capa de gelo que recobre Europa, uma das luas do planeta, derreteu, fazendo aparecer uma bizarra forma de vida até então desconhecida. A humanidade está às voltas com um projeto de escala planetária: criar oceanos artificiais em Mercúrio e Vênus para transformar esses dois planetas em lugares habitáveis. Grandes rebocadores espaciais são usados para arrebanhar enormes quantidades de gelo nos anéis de Saturno e no Cinturão de Kuiper, um ninho de cometas, asteróides e corpos celestes congelados, situado além das órbitas de Netuno e Plutão.

    Touca cerebral—No quarto milênio imaginado por Clarke, a civilização atingiu um estágio de evolução de fazer inveja aos seres humanos do violento e poluído século XX. A ciência encontrou uma fonte de energia limpa e inesgotável, não há mais guerras nem doenças. A população mundial está reduzida a 1 bilhão de pessoas—cerca de um sexto da atual—e vive em quatro torres gigantescas. Cada arranha-céu tem 36 000 quilômetros de altura e 10 milhões de andares, servidos por elevadores que viajam a 20.000 quilômetros por hora. Situadas na África, na Ásia, na América e no Oceano Pacífico, as quatro torres são interligadas no topo por um anel que percorre a linha do Equador e serve de base de lançamento de foguetes e naves espaciais em direção aos outros planetas. Uma outra maravilha tecnológica de 3001 é a touca cerebral. É um capacete através do qual as pessoas podem transferir para seu cérebro todo o conhecimento acumulado na história da humanidade e aprender em minutos habilidades que, de outro modo, levariam anos para ser assimiladas. Limpeza e outras rotinas domésticas são feitas por pequenos robôs chamados de "microtes". As religiões se tornaram coisa do passado e são descritas nos livros de História como produtos da ignorância, responsáveis por guerras e destruições em massa. Só o conceito de Deus sobrevive como sinal da permanente procura humana de um sentido para o universo.

    As histórias de Arthur C. Clarke são fascinantes porque ele não é apenas um bom escritor de ficção científica. É também um estudioso bem informado a respeito do que se passa nos mais avançados centros de pesquisa. Em 1945, com apenas 28 anos, escreveu um artigo para a revista Wireless World que se tornou a base teórica para os atuais satélites de comunicação. Seus livros fazem um sucesso tremendo. Já escreveu cerca de oitenta e vendeu cerca de 100 milhões de cópias em todo o mundo. Às vésperas de completar 80 anos, Clarke vive há quarenta na cidade de Colombo, no Sri Lanka, antigo Ceilão. Perguntado por que trocou a Inglaterra pelo Sri Lanka, respondeu: "O arranjo de sol é muito melhor". Hoje, com a saúde frágil em conseqüência de uma poliomielite contraída na década de 60, anda com a ajuda de uma cadeira de rodas. "Sou 80% operacional embaixo d’água e só 10% em terra firme", costuma dizer. É um exagero. Clarke é um fenômeno quando escreve. Demorou apenas vinte dias para produzir as 300 páginas de 3001, um desempenho impressionante para qualquer escritor. Recebeu um adiantamento de 2 milhões de dólares do editor americano, sem incluir os direitos para uma versão para o cinema. No epílogo de 3001, Clarke reserva um brinde final aos leitores. São dezenove páginas nas quais explica em que pé estão hoje as pesquisas a respeito das novidades que aparecem no livro—a antigravidade, a energia limpa, novos materiais, as luas de Júpiter e muitas outras curiosidades científicas. Tudo isso contribui para reforçar a sensação de consistência na ficção de Clarke.