Engenharia genética, o futuro da ciência

    Manipulação dos genes começou há menos de 20 anos

    SÔNIA BEATRIZ DE BARROS

    No início dos anos 80, os laboratórios de biotecnologia pareciam cursos de corte e costura depois que os cientistas descobriram que enzimas poderiam servir de tesouras, ferramentas necessárias para transferir determinados genes (e todas as suas características) de um ser vivo para outro. Essas enzimas eram usadas para cortar ou remover um segmento de gene de uma cadeia do ácido dexorribonucléico (DNA) em um ponto específico ao longo da dupla espiral. Mais tarde descobriu-se que essas tesouras também podiam ser usadas para abrir um minipedaço de DNA encontrado fora do cromossomo de bactérias. Esses pequenos pedaços, chamados plasmídeos, podem transitar entre algumas células de bactérias, trocando informação genética.

    O processo todo é bem simples. A enzima abre um plasmídeo bacteriano. Um segmento do DNA do doador é transplantado para ele. Como as extremidades livres tanto do plasmídeo como do segmento doado se aderem quimicamente, elas se ligam umas às outras (recombinam é o termo técnico) para formar um plasmídeo contendo o novo gene. Quando inserido em uma bactéria, esta produz uma nova proteína com as características do DNA do doador. Tão simples como remendar uma roupa, com um pano de textura ou cor diferente.

    Insulina - Daí em diante, o corta-costura genético resultou na fabricação em escala industrial de insulina humana, utilizada no tratamento de diabéticos, de vacinas, do rato-monstro que era só orelhas e, mais recentemente, do frango só coxas . No caso da soja transgênica, a multinacional Monsanto, que descobriu e patenteou o processo, utiliza, segundo folheto de divulgação, "o DNA do plasmídeo de uma bactéria que ocorre naturalmente, chamada Agrobacterium tumefasciens" como tesoura para introduzir novos genes, que codificam proteínas específicas, em plantas, dando-lhes proteção contra doenças. O processo é bem sucedido quando, a partir de células individuais modificadas, desenvolvem-se plantas adultas.

    Seja soja, batata, milho, tomate, trigo, batata doce, canola, cana ou eucalipto, o processo é sempre o mesmo. Com as plantas produzidas a partir das células individuais modificadas geneticamente faz-se uma plantação-estoque ainda em laboratório. No caso da batata desidratada, ideal para se fazer french fries, leva apenas dois dias para a Agrobacterium tumefasciens inserir os novos genes nas células vegetais, apesar da resistência encontrada: "apenas uma em 10 mil células aceita com sucesso os novos genes".

    Depois disso, a sala de corte e costura volta a ser um laboratório comum. A planta modificada é levada para uma espécie de gelatina e depois para um meio de cultura. Um mês mais tarde quando surgem os brotos eles são transferidos para "dar espaço à formação de um sistema radicular forte". O processo todo leva 12 semanas. Só então as batatas transgênicas são plantadas em vasos e e cultivadas, até que amadureçam e produzam sementes para o cultivo de plantas modificadas.

    Esferas - Existe uma outra técnica mais sofisticada e bem mais cara que, em vez da bactéria, os agentes do processo de transferência de genes são esferas microscópicas de ouro ou tungstênio banhadas em DNA que contenha as características que se quer transplantar. As esferas viram uma espécie de bala, disparada por um equipamento especial sobre o tecido vegetal, geralmente do milho e do trigo. Enquanto as esferas passam através das células, parte da capa de DNA fica para trás, misturando-se com o DNA do vegetal.

    A biotecnologia permitiu o desenvolvimento de culturas protegidas contra contra determinados tipos de vírus usando o mesmo princípio das vacinas, criando na planta imunidade própria a certas doenças. Os fungos que atacam plantações de frutas como melão e uva, de vegetais, como abóbora, pepino, tomate e batata, e de cereais, como a soja e canola, não são mais páreo para os cientistas que alteram seus metabolismos para torná-las resistentes.

    Pela introdução de um ou mais genes nas culturas agrícolas, as empresas de biotecnologia acenam com maravilhas como café naturalmente descafeinado e plásticos biodegradáveis, desenvolvidos a partir de polímeros de soja e fibra de cana-de-açúcar.

    Pusztai perde emprego e vira herói

    Arpad Pusztai, de 68 anos, é um cientista de renome internacional, que trabalhava há 37 anos para o Instituto de Pesquisas Rowett, na Escócia. Húngaro, ele emigrou para a Grã-Bretanha depois que os russos sufocaram a rebelião de 1956. Desde então publicou 270 estudos que o tornaram uma autoridade mundial em leticinas, uma proteína utilizada nas modificações genéticas. Hoje, Pusztai é mais um dos milhões de desempregados em todo o mundo.

    Em 1995, sua equipe venceu a concorrência do Escritório Escocês para testar os efeitos de alimentos geneticamente modificados e recebeu uma verba de 1,6 milhão de libras. Pusztai disse ao jornal The Independent que ficou particularmente interessado pois até então só conhecia um trabalho a respeito. Feito por um cientista da Monsanto, relatava não ter achado efeitos adversos nos alimentos geneticamente modificados.

    Em seu laboratório, Pusztai alimentou camundongos com batatas geneticamente modificadas com uma leticina da bactéria galanto. Para sua surpresa, os animais apresentaram problemas imunológicos, no cérebro, no fígado, nos rins e em outros órgãos vitais, enquanto seus companheiros que haviam comido batatas comuns nada tinham. Como a verba estava acabando, Pusztai concordou em falar sobre as pesquisas no programa de TV World Action. A direção do instituto concordou e até mandou o assessor de imprensa para ajudá-lo. Todos estavam interessados na renovação do contrato e na obtenção de mais verbas.

    Nas sete semanas entre a gravação do programa e o dia em que foi ao ar - 10 de agosto - Pusztai continuou trabalhando normalmente em sua pesquisa. No dia 12, no entanto, foi sumariamente despedido e afastado do laboratório. Sua pesquisa foi revista por uma comissão de auditores do Instituto Rowett que desautorizou suas conclusões. Quando estas chegaram à Internet, cientistas de toda a Europa assinaram um manifesto de apoio ao colega húngaro e, de protesto em protesto, o caso Pusztai chegou ao Parlamento britânico.

    Há duas semanas, o cientista depôs perante a Comissão de Ciência e Tecnologia. "Acredito na tecnologia", disse, "mas ainda é muito cedo para se ter certeza absoluta de que o que fazemos é correto. Por minha experiência pessoal, posso dizer que se alguém ousa discordar, por pouco que seja, é atacado e destruído." O cientista fez um apelo para que outros prossigam de onde parou, mas lembrou que tem de ser alguém "muito forte. Se eu com a minha reputação internacional fui destruído..."

    Da noite para o dia, Pusztai virou herói popular. Suas conclusões sobre os efeitos das batatas geneticamente modificadas sobre os camundongos ajudaram a entornar o caldo de cultura em que dormitava a rotulagem obrigatória dos alimentos industrializados a partir de plantas transgênicas. Uma pesquisa feita online pela televisão BBC mostrou que 83% dos britânicos evitariam comprar e consumir alimentos derivados de produtos transgênicos.