Os enigmas insolúveis da ciência
    Apesar de toda sabedoria acumulada até hoje, a ciência ainda não conseguiu respostas para questões fundamentais, como a razão da existência do Universo e da própria vida

    NORTON GODOY

    Dois livros de 1543 mudaram radicalmente a visão que se tinha sobre a humanidade e o Universo. O mais importante deles, escrito pelo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), colocou o Sol no lugar da Terra como centro do que viria a ser chamado sistema solar. O outro, do belga Andréa Vesalius, dissecou pela primeira vez a anatomia humana. Nascia ali o período mais moderno da ciência. Nestes 500 anos, o trabalho de várias gerações de gênios, como Galileu, Newton, Darwin, Freud e Einstein, enriqueceu tremendamente o conhecimento e deu impulsos inéditos ao progresso tecnológico. Mas, apesar de toda sabedoria acumulada até hoje, a ciência ainda não conseguiu respostas para as questões fundamentais, como a própria razão da existência do Universo. O que havia antes? Por que há vida? Por que só os humanos têm inteligência? Ou então, a pergunta que mais intriga algumas das mentes mais brilhantes hoje: como funciona a consciência humana?

    Essa é uma questão tão palpitante que começa pela própria origem da espécie. Como e por que nos tornamos os únicos, entre bilhões de seres vivos, a desenvolver inteligência? A teoria da Seleção Natural, de Charles Darwin (1809-82), diz que isso aconteceu porque nossos primeiros antepassados foram favorecidos na evolução da vida: aprenderam a usar ferramentas, prever as ações de competidores, organizar a caça, partilhar informações e adaptar-se ao clima. Muito bem, mas permanece a questão: por que somente uma única linhagem dos hominídeos pode fazer isso? Ninguém sabe. Esse mistério levou o jornalista John Horgan, ex-editor da prestigiosa revista Scientific American, a concluir que a fronteira final da ciência não é o espaço, mas a mente. A consciência, o nosso senso subjetivo de percepção, sempre pareceu ser um tipo diferente de enigma, um problema que não é físico, mas vai muito além, é metafísico", escreveu ele no livro O fim da ciência (Companhia das Letras, 1998).

    Muitos dos grandes pensadores de hoje crêem que esse é, sem dúvida, o maior de todos os mistérios. Relativamente a outras tantas áreas de pesquisa, pouquíssimo se sabe sobre o funcionamento do cérebro e da mente. Motivo mais que suficiente para fazer um prêmio Nobel como o britânico Francis Crick mudar completamente seu campo original de pesquisa. Depois de 40 anos estudando biologia molecular, o descobridor do DNA (material genético dos organismos vivos) decidiu em 1990 dedicar-se inteiramente ao estudo da consciência. Ele, assim como um grupo que já passa de uma centena de colegas, acredita que as respostas estão nos próprios neurônios do cérebro e não em alguma coisa subjetiva como a psicologia. Para Crick, "os psicólogos têm tratado a mente como uma caixa-preta, estudando apenas o que entra-e-sai dela, desprezando o que acontece lá dentro, seu mecanismo de funcionamento". Em seu último livro sobre o assunto, The Astonishing hypothesis (ainda não traduzido para o português), ele procura derrubar a idéia de que a consciência seja derivada de uma "alma", isto é, uma essência espiritual que existiria independente de nosso corpo. Roger Penrose, cientista britânico que compartilha esse ponto de vista, já tem até uma teoria. Segundo ele, os chamados microtúbulos, túneis diminutos de proteína que existem na maioria das células, particularmente nos neurônios, processariam informações como se fossem incontáveis computadores. Trabalhando em conjunto e em paralelo, eles é que gerariam a consciência. Já para Sérgio Pena, um dos mais respeitados geneticistas brasileiros, "talvez a mente humana só consiga entender fenômenos que tenham um nível de organização mais simples do que ela mesma". John Maddox, editor emérito do centenário periódico científico Nature e autor do recém-lançado livro O que falta descobrir (Ed. Campus, 520 págs., R$ 59), tem uma perspectiva um pouco mais cínica. "Um dos benefícios do entendimento mais empírico da mente poderá ser o de, finalmente, saber se o conceito de Sigmund Freud sobre o tão discutido inconsciente é resultado de um processo apenas neuronial ou se é mesmo produto da imaginação."

    O que é a vida? Um livro com este título foi escrito em 1944 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger. Foi ele o primeiro a dizer que a vida deveria ser regida por um código genético determinado pelo arranjo de certas moléculas. Desde então, a biologia molecular tem sido um dos campos mais ricos em resultados na ciência. No entanto, pouco ou quase nada contribuiu para explicar alguns dos maiores mistérios ainda sem resposta: como e por que a vida começou? Ela existe apenas em nosso planeta ou está espalhada pelo Universo? Afinal, somos obra do acaso ou existiu um propósito na criação da vida? Em 1953, depois de identificar a molécula de DNA, Crick chegou a uma espantosa conclusão: "Parece ter sido quase um milagre, tantas são as condições necessárias para que a vida viesse a ocorrer." Ao sair da boca de um agnóstico com tal conhecimento da biologia molecular, essa afirmação dá uma boa medida da dificuldade que a ciência ainda enfrenta para explicar essa origem. Para responder a ela, busca-se recriar em laboratório as condições iniciais que propiciaram seu surgimento.

    A primeira experiência parcialmente bem-sucedida foi obra do americano Stanley Miller, em 1953. Na época, ele era apenas um estudante de pós-graduação em Bioquímica. Para tanto, colocou os gases metano, amônia e hidrogênio (numa representação em miniatura da atmosfera terrestre há quatro bilhões de anos) em um vidro hermeticamente fechado. Juntou um pouco de água (como se fosse o oceano) e disparou cargas elétricas imitando relâmpagos. Manteve a experiência funcionando por alguns dias, até que começaram a surgir manchas vermelhas de uma substância pegajosa. Ao analisá-las, ele descobriu que eram feitas de aminoácidos – composto orgânico da proteína, a base da vida. Mas, o que parecia ser uma promessa de que a resposta estava próxima, acabou frustrada. Com a descoberta, logo em seguida, de que o DNA é a base para a síntese protéica, a origem da vida ficou parecida com o velho problema do ovo e da galinha: quem veio primeiro, as proteínas ou o ácido nucléico?

    Alguns pensadores apostam mais no acaso do que em um propósito, pelo menos para a vida inteligente. Como explica Sérgio Pena, se um asteróide não tivesse atingido a Terra há 65 milhões de anos, os dinossauros não teriam desaparecido. "Se esse evento puramente acidental não tivesse ocorrido, certamente não haveria condições para a evolução dos mamíferos e o homem não teria aparecido."

    Por que existe o Universo? Outro campo onde já se descobriu muito, mas ainda se sabe bem pouco é o que estuda a formação do Universo. A começar pelo princípio de tudo, da própria razão de ele existir. Há outros universos ou apenas este em que vivemos? E se for um só, o que há além dele? São questões de tirar o fôlego, sem dúvida. Mas é incrível que após cinco séculos de pesquisas ainda não se tenha a menor idéia das respostas. Alguns gênios atuais, como o físico Stephen Hawking (aquele mesmo da cadeira de rodas), sugerem que a resposta não está nos céus, mas na física teórica. Isto é, a solução estaria na imaginação auxiliada pela matemática feita na ponta do lápis. Nesse sentido, existem várias concepções, algumas até inimagináveis aos simples mortais como nós. Por exemplo, a de que pode haver túneis semelhantes aos que as minhocas fazem na terra (wormholes) ligando partes extremamente distantes do Universo – atalhos, tanto no espaço como no tempo. É esse justamente o campo de estudo do cosmólogo Mário Novello, do Centro Brasileiro de Pesquisa Física, no Rio de Janeiro. "Embora seja ainda uma simples teoria, ela permite a tão popularizada idéia de viagem no tempo", conta ele. Mas o que já se sabe realmente?

    No início do século que se encerra, ainda se acreditava que a nossa Via Láctea era tudo o que havia no Universo. Logo descobriu-se que as nuvens de gás mais vermelhas, chamadas nebulosas, são na verdade outras galáxias. Depois ficou-se sabendo que a cor avermelhada dessas galáxias se devia a um efeito chamado Doppler – o mesmo que faz com que o som da sirene de uma ambulância fique mais grave à medida que se distancia. O que significa dizer que as galáxias estão se afastando umas das outras, confirmando a concepção de Einstein de que o Universo teve início numa explosão que ainda não terminou. Porém, mesmo uma teoria tão bem aceita como essa não impede a possibilidade de outras bem diferentes. E tampouco dá qualquer idéia do que havia antes da grande explosão ou do que possa haver além das fronteiras do Universo, se é que há alguma coisa lá.

    Uma resposta para tudo? Alguns físicos defendem, com uma argumentação aparentemente óbvia, que, se houve um momento inicial único, há uma razão única para todas as coisas. Daí a busca da tão ambicionada teoria que juntará todas as demais em uma única fórmula. O que a física precisa fazer? Juntar seus dois mais importantes campos de pesquisa: a relatividade geral e a mecânica quântica. Uma trata do que é muito grande, como a força que mantém os planetas girando em torno das estrelas; e a outra do que é muito pequeno, como a força que faz o elétron girar em torno do átomo.

    O próprio Einstein foi um dos primeiros a tentar fazer essa ambicionada união, sem sucesso. Mas o que já se descobriu para chegar lá tem sido comparado à brincadeira com as tradicionais bonecas russas, que surgem uma dentro da outra. Provou-se que a eletricidade que acende uma lâmpada e o magnetismo que une dois ímãs são resultados de uma única força. E que o eletromagnetismo, que faz um trenzinho andar sobre um trilho, e a atração que mantém os elétrons girando em torno do núcleo de um átomo também são produtos de uma força só. Além disso, sabe-se que prótons e nêutrons (os dois tipos de partícula que compõem o núcleo dos átomos) são feitos de partículas ainda menores, chamadas quarks. Até o início da década de 80, havia um obstáculo basicamente matemático que impedia que a pesquisa fosse adiante. Os cálculos não fechavam quando se consideravam as partículas atômicas como se fossem pontos no espaço. O problema foi superado com uma solução brilhante, embora difícil de entender como quase tudo nessa área: essas partículas não agem como bolinhas, como se imaginava, mas como cordas. Que criam as características de uma partícula atômica da mesma forma que as vibrações das cordas de um violão criam sons diferentes. "No entanto, mesmo essa teoria ainda tem problemas", argumenta um entusiasta dela, o físico americano Ed Witten, cuja estatura científica já foi comparada à de Einstein. "Ela permite caminhos de raciocínio bem variados, todos plausíveis." Diante de tal desafio fica óbvio que a tal teoria de todas as coisas não virá tão cedo. Mas como é o otimismo que impulsiona o trabalho desses pesquisadores, eles argumentam que a imprevisibilidade às vezes trabalha a favor da ciência. "Quem sabe poderemos ter um repeteco do que aconteceu na última virada de século", argumenta o físico americano Steven Weinberg, autor de Sonhos de uma teoria final (Ed. Rocco, 1993). Os cientistas daquela época, explica ele, acreditavam que quase nada faltava descobrir. "Mal começou o século XX e estouraram as teorias de Einstein e da mecânica quântica." E, junto com elas, as análises de Freud sobre a psique humana. Passados quase 100 anos, a ciência criou tecnologias que melhoraram nosso cotidiano e terapias que facilitaram o autoconhecimento. Resolver os enigmas da ciência sobre o espaço externo e o interior da mente, portanto, é muito mais que satisfazer a curiosidade dos pesquisadores. É abrir caminhos para melhorar ainda mais a vida humana.