Caneta esferográfica para todos

    Ela é democrática e indispensável nos bolsos mais e menos abastados

    AURA PINHEIRO

    Há 62 anos, o revisor tipográfico Laszlo Biro de repente parou, enquanto corrigia provas de páginas, na oficina do jornal onde trabalhava, em Budapeste, na Hungria, e começou a observar o funcionamento da rotativa. A maneira pela qual o cilindro se empapava de tinta e imprimia, com precisão, o texto sobre o papel, inspirou o revisor húngaro a criar um dos inventos mais bem-sucedidos deste século: a caneta esferográfica.

    Mas a tarefa não foi fácil. Com a ajuda do irmão Georg, que era químico, e o amigo Imre Gellértk, técnico industrial, Biro perseguiu durante meses o projeto de produzir uma caneta de esfera de metal que permitisse escrever por meio de um cilindro cheio de tinta. E mais: que não borrasse, como acontecia com a caneta-tinteiro. Finalmente, eles conseguiram elaborar uma tinta adequada, que embebia uma bolinha de aço por meio da pressão de um pistão de rosca sobre o reservatória da tinta. Resultado: um ano depois, a caneta esferográfica estava patenteada.

    Companheira ágil e inseparável das mãos de milhões de pessoas no mundo, a caneta de esfera de metal levou algum tempo, porém, para deslanchar no mercado. As primeiras unidades foram produzidas em uma garagem improvisada de uma pequena fábrica, em Buenos Aires, para onde Biro se mudou, em 1940. Quatro anos depois, a revista Time lembrava em uma nota que a birome - como a esferográfica tornou-se conhecida na Argentina - era a única caneta que permitia escrever a bordo de um avião, por exemplo, porque a tinta não vazava.

    Logo depois, Biro fechou negócio com a empresa americana Eversharp e vendeu para ela os direitos da invenção pela bagatela de US$ 2 milhões. No fim da segunda guerra, portanto, a esferográfica já fazia sucesso em Nova Iorque. Logo substituiu, e em larga escala, a tradicional caneta-tinteiro.

    Na França, o dono de uma pequena fábrica de canetas-tinteiro, o barão Marcel Bich, por sua vez, ficou impresssionado, na década de 50, com a funcionalidade daquele pequeno tubo cheio de tinta com uma esfera de metal. Entusiasmado com o potencial de um grande negócio que logo anteviu, ele comprou os direitos do invento da empresa americana Eversharp e construiu um verdadeiro império com a marca que tornou-se em pouco tempo mundialmente conhecida: a Bic. Barata, descartável e democrática - é capaz de passar de mão em mão em um mesmo escritório sem que o dono original dê por sua falta, como recentemente observou o colunista do JB Fritz Utzeri - a cada segundo são vendidas 200 Bics no mundo.

    Mas as primeiras canetas Bics produzidas no Brasil, em 1961, foram recebidas com certa desconfiança pelos consumidores, que ainda estavam acostumados à caneta-tinteiro. Os bancos brasileiros, na época, chegaram a recusar cheques assinados com as esferográficas. Temiam que elas facilitassem falsificações. Mas a desconfiança dos bancos durou pouco. Nas escolas primárias a resistência foi maior. As professoras reclamavam que as esferográficas deslizavam com muita facilidade pelo papel e dificultavam a alfabetização das crianças!

    Algum tempo depois tudo foi esquecido. O fato concreto é que a famosa e prática Bic revolucionou o hábito da escrita de milhares de pessoas. Depois das grifes Dior e Chanel, Bic é a terceira marca francesa mais famosa do mundo. Na Inglaterra, muitos modelos de Bic também exibem o nome Biro, em homenagem ao inventor húngaro da esferográfica, que por sua vez chegou a escrever algumas curiosidades a respeito da sua formidável invenção. Uma delas: uma boa esferográfica deve movimentar-se em todas as direções. Entendidos do assunto dizem que ela chega a girar 75 vezes em um segundo de escrita.

    Macias, eficientes, de design chiquérrimo - e portanto, caras - canetas esferográficas de marcas famosas como Mont Blanc, Parker (que comemorou um século no ano passado), além de Sheaffer (comprada há dois anos pela Bic), entre outras, imprimem um charme especial à escrita de muitos (e felizes) consumidores que gostam de escrever à mão.Mas mesmo aqueles que vêem essas esferográfica dispendiosas como objetos de status, no fundo de seus bolsos, com certeza, há sempre uma preciosa Bic de reserva.