O que seria do mundo sem as bolhas?

Marcelo Gleiser

Ahhh! Nada como uma cerveja bem gelada após o trabalho, o colarinho de espuma branca, as bolhas subindo continuamente, numa coreografia dourada entre gases e líquido. Imagine o que seria do mundo sem bolhas! Uma cerveja ou um refrigerante chocos são intragáveis. E isso sem falar no champanhe, com suas bolhas rápidas, descrevendo elegantes trajetórias ascendentes.
    Por incrível que pareça, a cerveja foi inventada entre 5.000 e 10 mil anos atrás, mas só em torno de 1600 d.C. descobriu-se que, se a fermentação ocorrer em um recipiente fechado, bolhas de gás são dissolvidas no líquido. As bolhas são principalmente gás carbônico, aparecendo em geral junto à parede do copo; normalmente uma bolha aparece devido a alguma "impureza", como um grão de poeira. Essas impurezas atuam como sementes, ou sítios de nucleação de bolhas, incitando o gás a concentrar-se ao seu redor. Quando a bolha atinge um certo tamanho, ela se desprende da parede do copo e começa a subir, já que seu interior tem menor densidade do que o líquido. Enquanto a bolha sobe ela também cresce, devido à diferença de pressão entre o gás no seu interior e aquele dissolvido no líquido.
    Falando em bolhas de cerveja e champanhe, elas têm várias diferenças: a cerveja tem em torno de 30 vezes mais proteínas que o champanhe, e isso afeta a dinâmica das bolhas; em particular, essas moléculas aderem à sua superfície, aumentando sua viscosidade com o líquido ao redor. Por isso que bolhas de cerveja sobem bem mais devagar que as de champanhe. Mais ainda, as bolhas de champanhe crescem mais rapidamente, em parte devido a uma pressão três vezes maior. Ou seja, champanhe é uma mistura entre líquido e gás bem mais dinâmica que a cerveja. Existe uma cerveja escura irlandesa chamada Guinness, que, de acordo com seus fãs, é tão viscosa que algumas bolhas descem em vez de subir! Simulações em supercomputadores usando as equações da mecânica dos fluidos, com os parâmetros caracterizando o "fluido" Guinness, comprovaram o fenômeno, que é resultado de uma circulação do fluido a partir de sua região central, como um repuxo. Essas mesmas simulações são usadas para estudar a estabilidade de outros objetos, como aviões no ar. Isso é que é versatilidade!
    Até agora, falamos de bolhas de gases em líquidos. E o oposto? Podemos falar também de "bolhas" de líquidos em gases. Um exemplo disso é a condensação, quando moléculas de um gás se juntam para formar um líquido. Em física, falamos de transformações (ou transições) de fase, quando uma substância vai de uma fase, por exemplo, gasosa, a outra, líquida. Há vários meios para forçar uma substância a mudar sua fase. O mais comum é mudar a temperatura: se resfriarmos vapor d'água, ele se transforma em líquido; se resfriarmos um líquido, ele se transforma em sólido (gelo). Claro, o processo vai nas duas direções. Tal como com as bolhas de cerveja e champanhe, essas transições também podem ser induzidas por impurezas misturadas. Sem impurezas, a condensação toma muito mais tempo, o que demonstra a importância da sujeira na vida cotidiana.
    Outro exemplo importante da função da sujeira na transformação das substâncias é a chuva. Devido à menor temperatura a altas altitudes, o vapor que ascende condensa-se em minúsculas gotículas d'água. Essas gotículas, devido às suas pequenas massas e à fricção do ar, caem tão devagar que praticamente ficam em suspensão, formando as nuvens. Essas gotas agregam-se em torno de pequenos núcleos sólidos, grãos de sujeira, até atingir um tamanho grande o suficiente para se precipitar -é a chuva.

Portanto, caro leitor, a próxima vez que você tomar uma cerveja ou champanhe ou, se de menor idade, refrigerante, lembre-se que a física que causa o aparecimento das bolhas na sua bebida é, a grosso modo, relacionada com a que explica a chuva -uma, gotas de gás no líquido; a outra, gotas de líquido no gás.


Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Retalhos Cósmicos".