Internet - nasce o supercérebro global

Pesquisadores acreditam que a rede mundial está prestes a adquirir inteligência

Michael Brooks - da "New Scientist"

Quanto mais trabalho nisso, mais me convenço de que isso será uma realidade em breve -muito mais cedo do que a maioria das pessoas imagina", diz Francis Heylighen, pesquisador de inteligência artificial na Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica, falando sobre o "cérebro global". Sua forma embrionária é conhecida como Internet, mas a rede está a ponto de "acordar". "Ela vai gradualmente tornar-se mais e mais inteligente", afirma. Em algum momento, esclarece, formará o centro nervoso de um superorganismo global, no qual os humanos serão apenas uma pequena parte. A questão é: O cérebro global deve ser bem-vindo ou temido? Os seres humanos serão libertados pela inteligência global, ou insensivelmente explorados por ela? O cérebro global irá crescer, segundo Heylighen, nas tentativas de controlar as grandes quantidades de informação depositadas na rede. Conhecer é muito mais do que meramente coletar informação: ela precisa ser organizada de modo que se possa recuperar exatamente o que se procura. Mecanismos de busca simples e sites montados por pessoas que não sabem o que a outra está procurando podem tornar a rede um lugar desolador para encontrar a informação que se quer. O projeto Sistemas de Conhecimentos Distribuídos (DKS, na sigla em inglês), criado pelo Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México (EUA), está mudando tudo isso. Johan Bollen, um ex-estudante de Heylighen, construiu um servidor, chamado Principia Cybernetica Web, que é capaz de reconstruir continuamente os links entre suas páginas para se adaptar às necessidades dos usuários. Em um site convencional, os hiperlinks são fixados por quem quer que tenha projetado as páginas. O servidor de Bollen é mais esperto que isso: ele coloca novos hiperlinks onde acha que serão úteis aos navegantes e tira links antigos, já em desuso. O resultado é um sistema dinâmico de fortalecimento e enfraquecimento de links entre diversas páginas. Esses hiperlinks mutantes têm uma grande semelhança com conexões que surgem e desaparecem em um cérebro humano. Se um neurônio no cérebro é ativado logo após outro, a sinapse (região de contato entre seus terminais) conectando os dois fica mais forte. No fim das contas, a força da conexão cresce em função do grau de atividade. No Principia Cybernetica Web, os algoritmos reforçarão links populares exibindo-os constantemente na página, enquanto links usados raramente vão ter sua presença reduzida e morrer. É o primeiro passo na rota do cérebro global.

    Biscoitos espertos
    Apesar de as implicações do servidor de Bollen serem de grande alcance, seu mecanismo é suficientemente simples. Ele identifica cada usuário descarregando pequenas sequências de dados chamadas "cookies" (biscoitos) para o disco rígido. Ao mesmo tempo, grava as rotas de cada usuário ao percorrer o site. Quando ele retorna, o servidor verifica se há "cookies" indicando que ele já esteve navegando por lá. Em caso positivo, o servidor apresenta páginas que o usuário poderia querer ver. Também ajusta sua estrutura -o padrão de hiperlinks- para agradar o usuário. Além de fortalecer e enfraquecer links, ele cria novos links usando um processo que Heylighen chama de "transitividade". Quando um usuário se move de A para B e então para C, por exemplo, o servidor vai inferir que C é provavelmente relevante para A e criará um link direto entre eles. Ou seja, ele encontra atalhos. Heylighen vê esse tipo de flexibilidade como inevitável para o futuro da rede mundial de computadores. "Não há muito mais a se fazer: temos os dados e os algoritmos prontos", disse. E não serão apenas servidores individuais que se adaptarão dessa maneira. "Não consigo ver nenhuma razão pela qual isso não possa ser implementado na rede como um todo", diz Heylighen. "A transitividade levará à contínua reorganização da rede, fazendo-a ainda mais eficiente", enfatiza Heylighen.

Eventualmente, a rede saberá tanto sobre o usuário que seus pedidos mais comuns aos mecanismos de busca retornarão exatamente o que ele precisa, sempre. "Qualquer que seja o problema que as pessoas tenham, qualquer tipo de questão para o qual elas buscam uma resposta, tudo ficará mais fácil porque a rede vai se organizar e se adaptar ao que as pessoas esperam dela", afirma Heylighen. E isso pode estar acontecendo nos próximos cinco anos, ele prevê. Toda a tecnologia já está disponível -o maior empecilho é convencer os poderes por trás da Internet a adotar os protocolos comuns necessários. Há mais do que mecanismos de busca velozes e sites adaptados aos usuários. Heylighen propõe que, por ser modelada com base no cérebro humano, a rede será inteligente. "Mesmo umas poucas páginas trabalhando do jeito certo vão mostrar sinais de inteligência", diz. Quem sabe que tipo de mente poderia emergir? Não serão apenas pessoas seguindo hiperlinks e simples mecanismos de busca que reorganizam a rede. Pequenos programas autônomos, ou "agentes", vão também atuar como mediadores. Se um agente encontra algo que parece se encaixar no que está sendo procurado, ele vai adicionar um link à página. "Ele chegará a um tipo de conclusão. Isso é um pensamento", afirma Heylighen. Em outras palavras, fazendo conexões entre conceitos que não existiam anteriormente, o cérebro eletrônico começará a pensar. Talvez nem isso seja preciso para atingir inteligência. Um dos critérios para determinar inteligência é o teste de Turing, no qual pesquisadores pedem a seres humanos que descubram se estão se comunicando com uma máquina ou outra pessoa. Se a pessoa não consegue notar a diferença, a máquina é considerada inteligente. Algumas máquinas já estão conseguindo esse feito em contextos específicos.

"Estamos encontrando testes de Turing realizados com sucesso para certas situações", disse Norman Johnson, líder do Projeto de Inteligência Simbiótica no Laboratório Nacional de Los Alamos. "No contexto certo é impossível distinguir a diferença." A inteligência do cérebro global viria de uma montagem de inteligências limitadas, cada uma com a sua área de especialidade. Isso, afirma Johnson, poderia ser exatamente o equivalente à inteligência humana. É difícil encontrar um pesquisador que não pense que o cérebro global é uma possibilidade. Mas a humanidade realmente a quer? Os cientistas têm como meta criar uma mente vasta, que vá além de tudo que se possa entender ou controlar -abrindo uma porta que muitos prefeririam manter fechada. Heylighen reconhece esse pequeno problema de imagem. Ele vê esse cérebro global como o centro do que ele chama de superorganismo global. Nesse contexto, a sociedade humana seria como um organismo integrado, com a rede cumprindo o papel de cérebro e as pessoas atuando como células do corpo. "A idéia do cérebro em si não é muito controversa, mas a do superorganismo certamente é", diz Heylighen.

    Humanos dispensáveis
    O pesquisador de inteligência artificial e escritor Ben Goertzel, da IntelliGenesis Corporation, em Nova York, acredita que os seres humanos serão parte secundária desse organismo, talvez até mesmo dispensáveis. Com efeito, não é uma imagem muito confortável para uma espécie acostumada a ver-se como o pináculo da criação.
    A inteligência auto-adaptativa do cérebro global poderia rapidamente ultrapassar a capacidade humana de entendê-la. Talvez isso já tenha até ocorrido. De acordo com Daniel Dennett, diretor do Centro para Estudos Cognitivos da Universidade Tufts em Medford, Massachussetts (nordeste dos EUA), "a rede de comunicação global já é capaz de comportamentos complexos, que desafiam os esforços dos especialistas humanos para compreendê-los".

E o que não se pode entender, ele adiciona, não se pode controlar. "Já somos tão dependentes da rede que não podemos mais nos dar ao luxo de não fornecer a energia e a manutenção de que ela precisa." Tudo começaria inocentemente. O Principia Cybernetica Web logo estará requisitando informações sobre páginas particulares, se são interessantes ou relevantes para seus usuários, e manifestações sobre seus méritos. O cérebro global em desenvolvimento poderia até tornar-se inteligente o suficiente para identificar falhas na informação e programar-se para procurar pessoas com o conhecimento faltante. Pediria então a elas a informação desejada. Heylighen chega a sugerir que poderia haver penas -como desconexão ou acesso restrito- para quem não cumprir com os pedidos. Afinal, se alguém vai se beneficiar do cérebro global, é dever dele ajudar outros que também estão procurando informações.

    Párias digitais
    Todas essas inovações combinadas em escala global poderiam criar uma rede com comportamentos complexos, o que ainda não é possível conceber. Estaria sendo criada uma utopia, uma distopia ou algo totalmente novo? Dennett está certo de uma coisa: "Se não queremos ser comandados, então temos de ser muito cuidadosos ao controlar nossa dependência e a evolução da rede". Cliff Joslyn, chefe da equipe do DKS em Los Alamos, parece despreocupado. Experimentar sistemas com agentes autônomos "traz riscos e surpresas", ele admite. "O truque será primeiro entender de uma perspectiva científica como esses sistemas se comportam e, então, construir limites para que essas interações sejam contidas com segurança." Se os mais temerosos já começaram a pensar em desconectar o modem e abandonar a rede, devem pensar duas vezes. Fazendo isso, podem estar aderindo voluntariamente à classe subalterna da informação. "Não usar uma rede inteligente será um pouco como as pessoas que se recusam a usar carros ou telefones", disse Heylighen. "Sempre houve pessoas que vivem fora dos limites da sociedade. Mas essas pessoas tiveram uma vida muito mais difícil." Heylighen diz acreditar que as pessoas comuns não têm nada a perder por se tornar parte do cérebro global. Mas ele sugere que será diferente para as pessoas e organizações que já têm poder e status: elas serão forçadas a dividir algumas de suas vantagens com o resto das pessoas. É exatamente por isso que Estados controladores desconfiam da Web e buscam limitar sua eficiência, defende Heylighen. A China, por exemplo, insiste em que todos os usuários da rede sejam registrados e identificáveis, quando conectados, e bloqueou acesso a sites considerados perigosos. A visão de Johnson da Web inteligente é sutilmente diferente da visão de Heylighen de um superorganismo global. Ele a vê como uma extensão da sociedade. "Nossa premissa é a de que sistemas podem ser mais inteligentes do que indivíduos", disse. "Um grupo diverso de pessoas pode resolver problemas bem melhor do que um especialista: essa é a razão de termos sociedade." Desenvolver inteligência simbiótica, defende Johnson, será um passo positivo para a sociedade: a experiência e a sabedoria de qualquer indivíduo nunca mais serão perdidas. As vastas capacidades da Internet ajudarão a resolver os problemas enfrentados pela sociedade humana; o todo já é maior que a soma das partes.

    Inteligência simbiótica
    Trabalhando com outros pesquisadores de Los Alamos, Johnson formulou programas que demonstram isso. Os pesquisadores mandam indivíduos gerados por computador para explorar um labirinto. Uma vez que cem deles tenham atravessado o labirinto, o computador cria um mapa de suas preferências. A próxima geração usa a informação para escolher o caminho. Em média, indivíduos desinformados levam 34 passos para escapar; a segunda geração, informada, leva uma média de apenas 12. Conforme o número de indivíduos na coletividade aumenta, a solução fica cada vez melhor.
    Na Internet, o mesmo processo deu origem às listas "pessoas que compraram esse livro também compraram..." do site Amazon.com. Agora cada um pode ter acesso às escolhas de compra de livros ao redor do mundo, que inconscientemente podem ajudar na escolha de livros.
    Agora é o momento de pegar esse princípio e integrar a Internet totalmente à forma com que a sociedade humana trabalha, afirma Johnson. Uma rede mundial de pessoas usando computadores interconectados criaria um tipo de "memória coletiva", em acréscimo ao poder cerebral individual. Com pessoas fazendo mais e mais de suas atividades diárias na Web, há a oportunidade de acesso ao conhecimento de uma comunidade global. Eventualmente haverá pequena distinção entre pessoas, computadores e cabos -tudo se combina para criar uma inteligência simbiótica.

Na imagem de Johnson, humanos são componentes importantes do superorganismo global, mas quantas pessoas aceitariam ser assimiladas dessa maneira?
Estranhamente, Johnson e Heylighen não vêem seu trabalho como um desafio à individualidade. Um usuário será capaz de reter o controle, programando seus links favoritos para serem indestrutíveis, por exemplo.
    Para os céticos, Johnson aponta que os seres humanos já dependem de um mecanismo incompreensível e vasto chamado sociedade. Pergunte a uma formiga como ela encontra comida e ela não será capaz de dizer. Pergunte às pessoas como a televisão funciona e elas não saberão mais do que os fundamentos. Confiam nas organizações para obter coisas que querem sem precisar entender como funcionam. Serão capazes de confiar em uma rede inteligente exatamente do mesmo jeito, argumenta Johnson.
    Providencie cópias dos seus arquivos, finja que não é com você e mantenha a cabeça abaixada. Há uma inteligência crescendo lá fora, e ela sabe o seu e-mail.