Davi, Golias e o destino do Sol

Marcelo Gleiser

    O Sol, como qualquer outra estrela, não brilhará para sempre: em aproximadamente cinco bilhões de anos ele esgotará suas reservas de combustível e entrará em fase de decadência, pontuada pelos mais diversos efeitos cataclísmicos. Isso porque estrelas passam suas vidas combatendo a própria implosão que sua gravidade lhes impõe. Imagine uma pessoa deitada sobre um colchão de molas. Quanto mais pesada for essa pessoa, ou melhor, quanto maior for a sua massa, mais as molas terão de trabalhar para contrabalançar o colapso do colchão.

O mesmo acontece com o Sol. Se nós o representarmos como uma cebola gigante, camada sobre camada, as camadas superiores exercerão uma enorme força gravitacional sobre as inferiores, equivalentes ao colchão sob uma ou mais pessoas. É na região central do Sol que as absurdas energias que contrabalançam a pressão gravitacional são produzidas, por meio do processo de fusão nuclear, o mesmo que causa as explosões das bombas de hidrogênio.

Portanto, a existência do Sol se deve a esse equilíbrio entre sua tendência a implodir, devido à sua enorme massa, e a explodir, devido à fusão nuclear de hidrogênio na região central.

Fusão em quê? O hidrogênio se transforma no segundo elemento mais leve, o hélio. Essa mudança revela de forma belíssima a transformação de massa em energia prevista na teoria da relatividade de Einstein, encapsulada na famosa fórmula E=mc2. Basicamente, a massa do produto final das reações de fusão é menor do que a massa dos produtos iniciais, e o excesso é convertido em radiação. Se o Sol, em um ato desesperado de autocanibalismo, usa sua própria matéria para produzir a energia necessária para sua estabilidade, o que acontecerá quando ele devorar todas as suas entranhas, isto é, quando ele tiver convertido todo o hidrogênio de sua região central em hélio?

A resposta mais curta é que ele começará a fundir o hélio em outro elemento, no caso, o carbono. Mas vários efeitos extremamente dramáticos acontecem entre as duas fusões (hélio e carbono), incluindo a transformação do Sol em uma estrela do tipo "gigante vermelha", cujo raio será maior do que a órbita de Mercúrio. Expansões estelares desse tipo ocorrem quando o calor gerado em seu interior é maior do que a implosão gravitacional pode contrabalançar. Eu espero que a essa altura já tenhamos colonizado outras partes da galáxia; caso contrário, esse será o fim da vida na Terra.

Enquanto o envelope da estrela cresce, sua região central encolhe devido à sua gravidade, já que a fusão de hélio ainda não começou. A pressão é tão grande que os elétrons não circulam mais em torno dos núcleos atômicos, mas movem-se livremente no meio da congestão. A um certo ponto, um novo efeito passa a ser importante, o Davi que irá derrotar o gigante Golias. Segundo a física quântica, elétrons e outras partículas, como o próton e o nêutron, são extremamente anti-sociais e tentam se evitar ao máximo. De fato, esse efeito de repulsão é conhecido como o Princípio de Exclusão de Pauli, proposto pelo físico austríaco Wolfgang Pauli em 1925. Quando elétrons são forçados a coexistir em volumes muito pequenos, como nas regiões centrais de estrelas em crise, eles reagem movendo-se a altíssimas velocidades, criando uma enorme contrapressão. O colapso da estrela é detido por um efeito que ocorre na escala subatômica, o micro balanceando o macro.

Esse efeito torna-se crucial no estágio final de evolução do Sol. Após curto período de fusão de hélio em carbono, a região central, agora rica em carbono, não consegue fundir-se em outro elemento mais pesado (para estrelas mais maciças que o Sol, isso não ocorre). Ela continua a contrair-se devido à sua própria gravidade até que os elétrons digam: "Chega de aperto!", reagindo de forma que o colapso pára e os restos da estrela encontram sua paz final.

Essa bola de carbono e elétrons, do tamanho da Terra e com metade da massa do Sol, chama-se "anã branca". Ela continuará a resfriar-se até desaparecer na escuridão do espaço. Fria, mas com a dignidade de quem brilhou por dez bilhões de anos.


Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Retalhos Cósmicos".