A
física do Arco-Íris - Marcelo Gleiser
Quem jamais correu atrás de um arco-íris, procurando pelo legendário pote
de ouro e, quem sabe, até pelo duende que supostamente existe em seus
arredores? Eu confesso que, juntamente com meus primos, montei várias
expedições à procura do começo do arco-íris, sem dar muita bola para as
"superstições" (assim pensava então) de que era impossível passar
por baixo de um. Após várias tentativas frustradas, que meus pais chamavam de
teimosia e eu de persistência, acabei por me convencer, empiricamente, de que
realmente não dava para achar a base ou passar por baixo de um arco-íris.
Tudo começa com a descrição da luz do Sol em termos de ondas. Apesar de a luz
do Sol ser branca, ela é, na verdade, formada por uma superposição de todos
os tons do que chamamos de espectro da luz visível, que vai do violeta ao
vermelho, conforme vemos em um arco-íris.
Esse não é todo o espectro da luz solar, pois ela também contém frequências
que são invisíveis para nós, como o infravermelho e o ultravioleta. Mas, como
o nosso assunto é o arco-íris, vamos nos concentrar na luz visível. Toda onda
pode ser descrita pelo seu comprimento, que é a distância entre duas cristas
consecutivas. Por exemplo, você pode fabricar ondas na sua banheira fazendo o
seu dedo tocar a superfície da água regularmente. Quanto menor é o intervalo
entre os toques, menor o comprimento das ondas.
Para entendermos a física do arco-íris, precisamos de três efeitos ópticos:
a reflexão, a dispersão e a refração. O arco-íris ocorre quando a luz do
Sol, que está situado atrás do observador, encontra gotas d'água em
suspensão na atmosfera. As gotas d'água refletem, dispersam e refratam a luz
do Sol. Que a luz do Sol é refletida ao passar de um meio a outro (do ar para a
água no caso do arco-íris) não é nenhum mistério. Dependendo do meio, ela
pode ser mais ou menos refletida. Por exemplo, um espelho reflete a luz muito
bem, mas mesmo um vidro qualquer reflete a nossa imagem ao menos parcialmente. O
mesmo com a água.
Ocorre que a luz muda de velocidade quando ela viaja através de meios
diferentes. Isso porque a luz é, na verdade, composta por ondas
eletromagnéticas, que interagem com as moléculas do meio que ela atravessa.
Como a luz é formada por ondas de comprimentos diferentes, cada um deles vai
interagir de modo distinto com as moléculas do meio, como numa corrida de
obstáculos.
Ondas com comprimento muito maior do que as moléculas (os obstáculos)
atravessam sem vê-las, enquanto ondas de tamanhos semelhantes vão sentir a
presença delas e sofrer atrasos em sua propagação. Ou seja, cores diferentes
propagam-se com velocidades diferentes através de um meio material. No caso da
água, a luz violeta sofre os maiores atrasos, enquanto a luz vermelha sofre os
menores. Daí que a gota d'água funciona com uma espécie de filtro, separando
a luz nos seus vários tons. Esse fenômeno é chamado de dispersão.
Imagine então uma onda de luz colidindo com uma gota d'água esférica como uma
bola. A parte inferior da onda colide primeiro com a gota e diminui a sua
velocidade antes da parte superior. Esse desequilíbrio faz com que a onda
encurve para baixo sua direção de propagação através da gota. Essa mudança
na direção de propagação da luz ao mudar de um meio a outro é a refração.
Quando a luz do Sol encontra a gota d'água ela se refrata, mudando a direção
de sua propagação. Uma vez dentro da gota, será dispersada, com os tons de
azul sofrendo maiores atrasos do que os tons de vermelho. Quanto maior a
dispersão, maior a refração, ou seja, os tons de azul sofrem maiores desvios
do que os tons de vermelho. Com isso, as várias cores vão se chocar com o
fundo da gota em pontos diferentes, as de tom azul mais abaixo do que as de
vermelho. Ao chegar no fundo da gota, as ondas são mais uma vez parcialmente
refletidas de volta e, ao sair para o ar, refratadas, antes de viajar de volta
em nossa direção.
A luz que volta até nós vem separada pelas gotas d'água, de modo que as gotas
inferiores refletem em nossa direção preferencialmente os tons de violeta,
enquanto as superiores refletem os tons de vermelho. Apenas a luz refletida
pelas gotas situadas em um arco atinge os nossos olhos, o resto sendo perdido em
outras direções. Se existe ouro em um arco-íris, ele é dado pela sua beleza
e pelo fato de que podemos compreendê-la.