Água, suor e vapor

Marcelo Gleiser

Como verificamos a cada vez que nos aventuramos na cozinha, a maioria das substâncias existe em três fases distintas: sólida, líquida, e gasosa. Nada melhor do que a água para ilustrar o fato de que uma substância em uma determinada fase pode se transformar em uma das outras quando submetida a uma mudança externa, de temperatura ou pressão, por exemplo.
    Essa mudanças entre as diferentes fases são conhecidas como transições de fase, ocorrendo a temperaturas e pressões características de cada substância. Ao nível do mar, a água ferve a 100C. Mas, a uma altitude de 3.000 metros, a água ferve a apenas 90C.
Esse fato é bem conhecido daqueles que acampam em montanhas e tentam ferver água para fazer um chá ou um ovo duro. A altitudes elevadas, o chá nunca vai ser muito quente e o ovo duro vai demorar bem mais do que três minutos para cozinhar. Essa mudança na temperatura de ebulição da água se deve à queda da pressão atmosférica a altas altitudes. No nível molecular, as três fases são caracterizadas pela competição entre a tendência das moléculas a se atrair quimicamente e a sua energia de agitação térmica, que tende a destruir as ligações químicas existentes entre elas.
    Na fase gasosa, as altas temperaturas impedem que as moléculas se liguem, de modo que elas se movimentam livremente, colidindo ocasionalmente entre si. Na fase líquida, a queda de temperatura permite que as moléculas se liguem umas às outras, mas ainda mantendo uma certa liberdade, sem criar um padrão espacial fixo. Já na fase sólida, as moléculas atraem-se fortemente, formando estruturas espaciais rígidas, que muitas vezes exibem uma belíssima simetria cristalina.
    Imagine a superfície de um líquido. Moléculas do líquido atraem-se quimicamente, mas também são agitadas devido à sua energia térmica. De vez em quando, uma molécula recebe empurrões de suas vizinhas, que são fortes o suficiente para expeli-la da superfície do líquido. Quanto mais alta a temperatura, maior a agitação térmica das moléculas e mais fácil é que uma molécula escape.
    Quando isso acontece, a molécula leva consigo parte da energia térmica e o líquido resfria. Aliás, é esse o mecanismo usado pelo corpo humano quando a sua temperatura aumenta: o suor que evapora da pele leva consigo parte do calor, causando uma queda de temperatura. Portanto, para ferver um líquido é preciso adicionar uma boa quantidade de calor, de modo a aumentar a sua temperatura mesmo que algumas de suas moléculas consigam escapar. O líquido começa a ferver quando a pressão causada por essas moléculas que escapam se iguala à pressão atmosférica, que as força de volta ao líquido.
Mais especificamente, um líquido ferve quando bolhas de vapor aparecem em seu interior e conseguem escapar de sua superfície. Uma bolha surge quando várias moléculas do líquido conseguem escapar de suas vizinhas, criando uma cavidade com as moléculas livres típicas da fase gasosa.

Como o vapor é menos denso que o líquido, a bolha irá subir até a superfície do líquido e tentar escapar, muitas vezes crescendo devido à adesão de mais moléculas de vapor. Se a pressão do vapor for maior do que a pressão atmosférica, a bolha conseguirá escapar e o líquido entrará em ebulição. Caso contrário, a bolha de vapor será comprimida até desaparecer. Voltando à montanha, a altas altitudes a atmosfera é mais rarefeita, exercendo uma pressão menor sobre a superfície do líquido. Com isso, fica mais fácil para as bolhas de vapor escaparem, explicando por que o líquido ferve a temperaturas mais baixas.
    Mas ficou faltando um detalhe nessa descrição da ebulição: as moléculas não só escapam da superfície do líquido como podem também retornar a ela. Existe uma troca constante de moléculas entre as fases líquida e gasosa, como se a superfície do líquido fosse um aeroporto com aviões pousando e decolando o tempo todo: se um número maior de moléculas deixar a superfície, o líquido está evaporando; caso contrário, é o vapor que está se condensando.
    O que determina se mais moléculas condensam ou evaporam é a umidade relativa, velha conhecida dos boletins meteorológicos. Se a umidade relativa for 100%, existe um equilíbrio entre líquido e vapor. Se for menor, a evaporação ganha. E, se for maior, ganha a condensação. É por isso que quando a umidade relativa do ar é alta, o suor "gruda" no corpo. Poucas moléculas evaporam. O jeito é ligar o ventilador, forçando as moléculas a abandonar a superfície do corpo e levando o calor com elas.