O brilho do Sol - Marcelo Gleiser

    Por que o Sol brilha? Essa pergunta vem fascinando a humanidade desde seus primórdios. Para os incas ou os egípcios, assim como para várias outras civilizações do passado, o Sol era uma divindade, o grande gerador de luz e vida. Mesmo que sua natureza fosse um grande mistério, sua importância era mais do que óbvia. Hoje, são os astrofísicos que tentam entender os mistérios solares, usando menos danças e rituais e mais matemática e física -o que não significa que nosso fascínio pelo Sol seja menor.
    Pelo contrário, compreender os mecanismos físicos que controlam o Sol é um assunto de extremo interesse atual. Basicamente, o Sol é uma grande bola de hidrogênio, o elemento químico mais leve e mais abundante, que compõe cerca de 75% da matéria do Universo.
    Devido à enorme massa da estrela, 300 mil vezes maior que a da Terra, sua gravidade comprime o gás a tal ponto que os núcleos de seus átomos -compostos apenas por um próton- se fundem. Formam núcleos do segundo elemento mais leve, o hélio, cujo núcleo tem dois prótons e dois nêutrons. Uma reação de fusão nuclear tem a forma geral: núcleo 1 + núcleo 2 = núcleo 3 + energia.
    O ponto crucial aqui é que o núcleo 3 tem massa menor do que a soma das massas dos núcleos 1 e 2. A "massa" que sobra é convertida em energia, segundo a fórmula E=mc2, em que c é a velocidade da luz. Portanto, o processo de fusão nuclear transforma o excesso de massa dos dois núcleos que se fundem em energia, que é então liberada, fazendo o Sol brilhar e gerar calor e luz aqui na Terra. Nós, e os seres vivos que nos cercam, somos todos nutridos por reações nucleares que ocorrem no interior do Sol.
    Já que essa energia é tão importante para as nossas vidas, vale a pena estudá-la em mais detalhe. Na verdade, a reação de fusão no interior do Sol usa quatro prótons (ou núcleos de hidrogênio) para gerar um núcleo de hélio, energia (radiação eletromagnética) e duas outras partículas chamadas neutrinos. A radiação eletromagnética é gerada com altíssimas energias, principalmente em raios gama.
    Entretanto, no percurso do interior do Sol até a superfície, essa radiação perde energia, transformando-se em luz visível (também parte do espectro eletromagnético) e radiação infravermelha (o "calor" do Sol). Já os neutrinos atravessam o Sol inteiro praticamente intactos.

    Essas partículas sem carga elétrica e com massa extremamente pequena (no mínimo 100 mil vezes menor do que a massa do elétron) quase não interagem com outras partículas, sendo capazes de atravessar milhares de quilômetros de chumbo sem uma única colisão. Uma quantidade enorme desses neutrinos viaja do Sol até a Terra todos os dias, inclusive atravessando o seu corpo, leitor, como se não existisse. Se pudéssemos detectá-los, teríamos informação sobre o que está ocorrendo no Sol, onde a temperatura chega a 15 milhões de graus.
    Pois é exatamente isso que vários "detectores de neutrinos" vêm tentando fazer já desde 1968. E os resultados têm sido surpreendentes, pois eles contrariam a previsão de modelos teóricos baseados na aplicação detalhada da física nuclear ao Sol: a teoria prevê mais neutrinos do que o observado em experimentos.
    Esse mistério, que persiste já por 30 anos, é conhecido como o "problema dos neutrinos solares". Podemos contemplar duas soluções: ou o modelo teórico está errado, ou nem todos os neutrinos chegam até nós. Vários argumentos indicam que o modelo teórico está correto, ou pelo menos mais correto do que o erro medido nos experimentos. A outra explicação, mais plausível, é que nem todos os neutrinos chegam até aqui. O interessante é como isso ocorre.
    Existem três tipos de neutrino. Se têm massa, podem transformar-se uns nos outros, fenômeno da "oscilação de neutrinos", recentemente visto no Japão. Como os detectores são desenhados para um ou outro tipo, é possível que um neutrino detectável criado no Sol oscile em outro tipo, indetectável, no trajeto até a Terra. Por ora, só podemos dizer que "quase" sabemos como o Sol brilha.