Um mar no espaço - Marcelo Gleiser


    Em 1979, as sondas espaciais Voyager 1 e 2 passaram perto das quatro grandes luas de Júpiter (existem ao menos 16), revelando alguns de seus incríveis segredos, incluindo superfícies torturadas e extremamente ativas. Io, por exemplo, tem vulcões que ejetam matéria rica em enxofre a altitudes de 200 quilômetros. A missão apenas aguçou a curiosidade dos astrônomos, que acreditam que Júpiter e suas luas representem um Sistema Solar em miniatura.
    Podemos visualizar o Sistema Solar como uma bola de pingue-pongue (o Sol) atravessada na metade por um disco digital (o plano eclíptico) onde estão localizadas as órbitas planetárias (um modelo fora de escala, obviamente). Ou seja, as órbitas planetárias estão aproximadamente centradas em torno do equador solar. O mesmo acontece com Júpiter e suas luas. Portanto, estudando o modelo jupiteriano, os astrônomos podem aprender muito sobre a formação e evolução do Sistema Solar.
    Por isso a Nasa (agência espacial norte-americana) enviou outra missão para Júpiter chamada, apropriadamente, Galileu -o primeiro a ver as luas de Júpiter. A sonda acaba de passar pelas luas, prestando atenção especialmente em Europa. Aparentemente, Europa é a menos interessante das quatro grandes luas; sua superfície não apresenta as marcas dramáticas de vulcanismo como em Io, ou as crateras de Ganimede e Calisto. Ao contrário, a superfície de Europa parece bastante pacata, marcada apenas por longas linhas que indicam a presença de falhas geológicas. No entanto, quando a sonda Galileu tirou fotos com resolução de 20 metros, ficou claro que Europa é coberta por uma camada de gelo, com uma espessura estimada em torno de sete quilômetros. As fotos revelaram, ainda, estruturas semelhantes a icebergs, paralisados pelo gelo à sua volta, como carros em um congestionamento caótico.
    Mas a grande surpresa, que já era uma suspeita de vários astrônomos, é o que está por baixo dessa espessa crosta de gelo: um oceano de água salgada, cobrindo todo o planeta, envolvendo uma região central rica em ferro. Ou seja, foi encontrada água líquida no espaço. E em quantidades enormes, talvez até duas vezes maiores que nos oceanos terrestres. Mais ainda, a atração gravitacional entre Júpiter e Europa é tão grande que a pobre lua é constantemente distorcida pelo planeta gigante, uma amplificação do efeito que provoca as marés aqui na Terra. Essas distorções geram uma enorme quantidade de energia no interior da lua, capaz de aquecer seus oceanos. A água em Europa pode ser quente!
    Como a presença de água é um ingrediente fundamental para a existência da vida (ao menos as formas que conhecemos), Europa passou a ocupar a posição de honra, junto a Marte, para a existência de vida extraterrestre.

    Os leitores familiares com o filme de ficção científica russo "Solaris" (distribuído, infelizmente, como a resposta soviética ao filme "2001 - Uma Odisséia no Espaço") devem lembrar-se do planeta, coberto por um oceano, cuja manifestação de vida era poder materializar os medos e fantasias do inconsciente humano. Certamente, esse não é o caso de Europa. Mas, quem sabe se nossas fantasias com relação à vida extraterrestre não estão sendo materializadas pela presença de seu oceano líquido?
    O leitor deve estar se perguntando como é possível determinar a presença de um oceano, imerso sob uma crosta de gelo, em um mundo tão distante. As medidas feitas pela sonda Galileu são baseadas no magnetismo local de Europa. Tal como a Terra, Júpiter tem um campo magnético. Só que, no caso de Júpiter, ele é muito mais forte, com conseqüências importantes para as suas luas. Em Europa, a orientação local do campo magnético de Júpiter muda a cada 5,5 horas. Quando mudanças em um campo magnético ocorrem em um meio condutor de eletricidade (como a água do mar ou ferro), correntes elétricas locais aparecem, criando, por sua vez, um campo magnético secundário, que pode ser detectado com instrumentos equivalentes a bússolas sofisticadas.
    As medidas feitas pela sonda Galileu indicam que uma camada de água salgada com dez quilômetros de profundidade é o melhor candidato a meio condutor em Europa. Mas a resposta final só virá em seis anos, quando uma nova missão for enviada a Europa, procurando por água salgada e, quem sabe, vida.