O homem que previu a teia mundial

Trinta anos atrás, um pesquisador inglês num exercício de futurologia ergueu os pilares da WWW, e acertou na mosca

RAPHAEL PERRET LEAL

 


    Em 1971, a internet não existia: só havia a ARPANet, rede rústica de informações criada dois anos antes pelos militares americanos. Os computadores, caros e enormes, eram privilégio de grandes empresas e centros de pesquisa. Quem acreditasse que aquelas máquinas chegariam um dia às casas das pessoas seria considerado louco. Mesmo assim, um jovem pesquisador inglês radicado no Canadá, que em 1951, ainda garotinhom, já afirmava que computers would shrink, link and help us to think (os computadores encolheriam, se ligariam e nos ajudariam a pensar), previu, em seu livro Man in the telesphere (Homem na telesfera), há 30 anos, o que hoje chamamos de web.

''Podemos visualizar a conexão de sistemas de computadores de todo o mundo, de forma que informações armazenadas possam ser acessadas completamente pelo sistema universal, que será, então, composto por computadores e meios de telecomunicação'', escreveu Raymond Spencer Rodgers no início dos anos 70, para definir um núcleo de sua ''Telesfera'' - visão de como se desenvolveriam as relações humanas e sociais num futuro próximo. O pesquisador também já havia aprontado 20 anos antes, ao prever a microinformática, em que desktops, computadores pessoais, se tornariam cada vez menores e com maior poder de processamento, ajudando os homens nas tarefas braçais e intelectuais.

A telesfera é um conceito mais moderno para a noosfera, termo utilizado por Teillard de Chardin em seu livro Future of mankind (Futuro da humanidade) e usado para definir o estágio em que o homem só evolui quando se torna consciente de si mesmo. A telesfera nada mais é do que a noosfera com a web, segundo Spencer Rodgers.

Sem encontrar um editor, Rodgers, hoje presidente da Universidade (virtual) de Vancouver, enviou cópias de seu manuscrito a vários institutos de pesquisa do Canadá, sem sucesso. Mais tarde, na época do surgimento da web, estudiosos ficaram sabendo da existência do documento, mas não houve interesse em lê-lo. Quando o fizeram, aproveitaram as idéias sem citação do autor. O manuscrito foi digitalizado e hoje está disponível em www.vcn.bc.ca/web-prophet.

Curiosamente, a versão online, acessível a qualquer terráqueo com acesso à internet, foi prevista pelo próprio visionário. Rodgers afirmou que ''o sistema do futuro permitirá a um autor o armazenamento de seu texto num computador, onde ele será incrementado com um índice das palavras mais importantes'' - embora no site esse índice não exista.

O uso de links também é descrito como ferramenta para difusão de informação. Ao consultar um texto, ''qualquer biblioteca'' ou base de dados poderia ser acessada, e o leitor não ficaria ''amarrado à vizinhança do computador''. É a concepção teórica do hipertexto.

Entretanto, Man in the Telesphere não fala apenas da web. A vasta rede de informações é o epílogo de um longo estudo crítico feito por Rodgers, fundindo desenvolvimento tecnológico com a conjuntura política, econômica e cultural do globo no início dos anos 70. Para o autor, as estruturas sociais estão divididas num ''centro'', que engloba o poder técnico e cultural, e uma ''periferia'', empobrecida porque dela normalmente é retirado esse poder. A partir daí, Rodgers costura assuntos como mídia, legislação e transportes, até chegar à web.

 

 

Sua obra não apresenta pormenores técnicos, embora ele dê algumas dicas de como poderia ser implantada a grande rede. A palavra hipertexto, por exemplo, não é mencionada, mas seus fundamentos estão presentes. Man in the Telesphere talvez interesse mais a antropólogos e a sociólogos do que especialistas em informática.

O que não diminui seu valor. Ao contrário. Ao propor uma eventual reunião com muitos participantes, ele justifica dizendo que ''a tecnologia pode permitir que pessoas participem de encontros eletronicamente em vez de fisicamente'' - uma antevisão da videoconferência e das populares salas de bate-papo. Em outro contexto, Rodgers afirma que ''a tecnologia eletrônica (...) pode ser usada para expandir o espaço de vida disponível ao indivíduo''. Não é preciso muito esforço para relacionar homepages e realidade virtual no exercício de futurologia do autor.

Rodgers apresenta também as possíveis conseqüências de impacto social, político e econômico com o advento da web. A liberdade de expressão na internet, tema atualíssimo, já era defendida na época por ele (''[a censura]é menos justificável onde os participantes são eletrônicos, em vez de físicos, onde os pais, por exemplo, podem controlar diretamente que tipo de informação querem que chegue a suas casas'').

Para o autor, a web seria causa e efeito de uma mudança radical nas relações políticas, culturais e sociais. Provavelmente serão precisos mais 30 anos para chegarmos a conclusões definitivas, mas a web já é presença certa no lar de milhões de famílias e passou a influenciar o modus operandi da sociedade global.