Poeira das estrelas
Marcelo Gleiser
Todas as noites, olhamos para o céu (ou se não o fazemos ao menos deveríamos)
para confirmar que está tudo tranquilo lá em cima, que as estrelas continuam
brilhando pacatamente, que as Três Marias continuam sendo três e não duas ou
quatro e que a Lua ainda não nos abandonou. Essa imagem de tranquilidade,
escuridão e sossego é um privilégio garantido pelas enormes distâncias
cósmicas. A luz que vem da estrela mais próxima do Sol, a Alfa Centauri,
demora mais de quatro anos para chegar até nós e isso viajando a uma
velocidade de 300.000 km/s. Não é à toa que a maioria das culturas antigas
via o céu noturno como um bastião de regularidade, especialmente se deixarmos
de lado os impetuosos planetas e cometas.
Mas o céu não tem nada de pacato. Muito pelo contrário, se existe uma palavra
que possa resumir a natureza física do cosmo, ela tem de ser transformação.
Na natureza, abreviando o dito do grande químico francês Lavoisier, tudo se
transforma. E os grandes motores das transformações cósmicas -da criação e
da destruição de mundos, da geração de elementos químicos que aparecem em
planetas, sapos e pessoas- são as explosões que marcam o fim da vida das
estrelas. Pode parecer estranho falar em vida das estrelas, como se elas fossem
seres vivos, mas a verdade é que a analogia é muito apropriada.
Estrelas
também nascem, evoluem e morrem, e desse ciclo nascem outras estrelas e outros
mundos. Podemos até imaginar que as estrelas são uma espécie de reciclador de
material cósmico. A partir de hidrogênio e um pouco de hélio, elas geram
praticamente todos os outros elementos do Universo. Em outras palavras, o ferro,
o carbono, o ouro e o urânio que encontramos aqui na Terra e em nossos corpos
vieram da explosão de uma estrela em nossa vizinhança cósmica há 5 bilhões
de anos.
Quando uma estrela com massa superior a oito massas solares esgota o seu
combustível nuclear, o seu fim é uma questão de pouco tempo. Em breve, ela
será destruída por uma explosão de uma violência indescritível, liberando
uma energia equivalente a 10 mil trilhões de trilhões de megatoneladas de TNT.
(Ou, em notação mais compacta, 1028 megatoneladas de TNT). Como comparação,
uma bomba nuclear produz algumas megatoneladas de TNT. Uma supernova, como é
chamada a estrela moribunda, pode brilhar mais intensamente do que toda uma
galáxia contendo bilhões de estrelas.
A energia gerada no coração das estrelas vem da transmutação entre os
elementos químicos que ocorre através da fusão nuclear. Durante a fase mais
longa da vida da estrela, hidrogênio funde-se em hélio, tal como no Sol hoje,
contrabalançando a contração gravitacional forçada continuamente por suas
camadas mais externas. Eventualmente, o hidrogênio no coração da estrela se
esgota, e hélio é fundido em carbono. A gravidade vai tentando comprimir a
estrela ainda mais, e ela funde o que pode para resistir a sua própria
implosão. A uma certa altura, o processo deixa de ser eficiente, as camadas
externas da estrela despencam sobre a sua rígida região central e são
ricocheteadas para o espaço sideral com velocidades que chegam a 50.000 km/s.
Com isso, todos os elementos químicos que estavam sendo "cozinhados"
no interior da estrela são espalhados pela sua vizinhança, como sementes em um
jardim. As supernovas irrigam o espaço à sua volta com os elementos químicos
que darão origem a outros mundos.
A cada segundo, uma supernova detona em alguma parte do Universo. Em nossa
galáxia, temos de esperar de 30 a 50 anos para presenciar tal evento. Às
vezes, uma explosão ocorre próxima o suficiente para ser observada a olho nu.
Mas, nos últimos 2.000 anos, apenas seis foram registradas. A mais espetacular
apareceu em 1054 na constelação do Touro. Segundo registros do Observatório
Imperial de Pequim, na China, essa supernova foi visível durante o dia por
três semanas e à noite por um ano, desaparecendo tão misteriosamente quanto
ela apareceu. Certamente, para os astrônomos imperiais e os outros observadores
celestes que presenciaram essas aparições, as estrelas novas deviam ser
mensagens dos deuses. E para nós? Talvez a sua mensagem mais importante seja a
profunda união de todas as coisas cósmicas: que nós, como tudo o mais no
Universo, somos poeira das estrelas.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Dança do Universo"