Viagem sem retorno - Marcelo Gleiser
Nada no Universo, talvez com exceção do cérebro humano, é tão misterioso
quanto um buraco negro. Acreditamos que todas as centenas de bilhões de
galáxias, a parte visível de nosso Universo, tenham um desses corpos em seu
centro, com massas milhões de vezes maiores do que a massa do Sol.
Como sabemos disso? Examinando o movimento de estrelas próximas do centro das
galáxias e inferindo que ele só pode ser explicado por uma enorme
concentração de massa em um volume muito pequeno, justamente as propriedades
de um buraco negro gigante.
Para explorarmos um pouco da física dos buracos negros, precisamos de dois
ingredientes: a descrição da vida e da morte de uma estrela e a teoria da
relatividade geral de Albert Einstein, onde a gravidade é causada pela
curvatura do espaço em torno de um objeto maciço.
Uma estrela é basicamente composta de hidrogênio. Sua existência depende de
um equilíbrio dramático entre a força da gravidade, que tende a fazer com que
a estrela "imploda" sobre si mesma, e a pressão liberada em seu
interior devido à fusão nuclear de hidrogênio em hélio. O problema é que,
um dia, a estrela consumirá quase todo o hidrogênio em seu interior e terá de
fundir hélio em carbono para continuar a existir. Para estrelas com massas oito
vezes maiores que a do Sol, essa cadeia de fusão em elementos mais pesados
continua até chegar ao ferro. Com a interrupção do processo de fusão, a
estrela perde a base e acaba expelindo grande parte de sua região externa,
deixando no centro seus restos mortais.
Dependendo da massa da estrela original e da violência dessa explosão final,
esses restos podem ser uma anã branca (no caso do Sol), uma estrela de
nêutrons ou um buraco negro (no caso de estrelas com massas bem maiores que a
do Sol).
Se os restos da estrela têm uma massa acima de três ou quatro massas solares,
ela continuará seu colapso. Com a massa permanecendo aproximadamente a mesma,
quanto menor o raio da estrela, maior será a sua própria gravidade. E, quanto
maior a gravidade da estrela, maior a curvatura do espaço em volta. Finalmente,
a situação torna-se insustentável: a estrela é tão pequena e compacta que o
espaço se encurva sobre si mesmo, e nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Ela
virou um buraco negro.
Todo buraco negro é circundado por uma região imaginária, que chamamos de
horizonte. Se o Sol fosse transformado em um buraco negro, seu horizonte teria
um raio de três quilômetros. Tal como a fronteira de um redemoinho no mar, o
horizonte marca o ponto além do qual não se pode mais retornar. Ali, o espaço
passa a se comportar de forma semelhante ao tempo em nossa realidade. Do mesmo
modo que, para nós, o tempo flui em uma única direção, dentro do horizonte
é o espaço que se torna unidirecional. Dentro do horizonte, só se pode viajar
em direção ao centro, onde a gravidade assume, teoricamente, um valor
infinito. É uma viagem sem retorno.
Claro, seria impossível chegarmos tão próximos do horizonte de um buraco
negro. Nenhuma tecnologia que possamos conceber no momento poderia resistir à
tremenda pressão gravitacional ou ao bombardeio de radiação em torno do
turbilhão cósmico causado pelo buraco negro. Uma imagem adequada, mas não
muito poética, é a de um ralo, sugando matéria que desaparece em uma pequena
região negra. Mesmo que o buraco negro em si seja invisível, a matéria sendo
tragada para as suas profundezas emite radiação, que delata sua presença.
O horizonte nos protege dos absurdos que ocorrem perto da zona central do buraco
negro, chamada de singularidade central. Como é possível ter uma região no
espaço onde a gravidade assume um valor infinito? Nós ainda não sabemos. Na
verdade, a singularidade central denuncia a quebra das leis da física, mantendo
o mistério central do buraco negro intacto. Mesmo se hoje nós sabemos muito
sobre a estrutura e as propriedades desses objetos, sua essência permanece
desconhecida, apontando em direção a uma nova física e a novas concepções
da estrutura do espaço e do tempo.