O Modo de Produção Escravista
    José Tadeu Cordeiro

 

 

O desenvolvimento esplendoroso da antiga polis grega e de Roma, que ofuscaram as épocas subseqüentes, representa um marco de cultura urbana que se sustenta em proporções esmagadoras no campo.


    As cidades grego-romanas nunca foram, predominantemente, comunidades de manufatores, comerciantes ou mercadores. Eram, na suas origens, agregados urbanos de proprietários de terras. Seus rendimentos provinham do trigo, do azeite e do vinho, os três artigos clássicos do mundo antigo.


    Dentro do perímetro urbano, as manufaturas são poucas e rudimentares, era normal a produção de têxtil, olaria, mobiliário e vidro. A técnica era simples, a procura limitada e o transporte caro.


    O transporte marítimo era o meio de transporte por excelência. Não é de se estranhar que a zona Egéia (um labirinto de ilhas, enseadas e promontórios) tenha sido a pátria da cidade-estado e, que Atenas, seu exemplo maior, tenha fundado sobre a navegação suas fortunas comerciais. Por seu turno, Roma, as margens do Rio Tibre, se tenha tornado uma metrópole costeira.


    O Mediterrâneo é o único mar interior e a posição única da Antiguidade Clássica não pode se dissociar deste privilégio físico, ser mediterrânica. Contudo, o seu conteúdo histórico e, novidade, assenta-se na relação de produção escravista.


    A escravidão sempre existiu no Mundo Antigo, mas formava um fenômeno residual. Os impérios Orientais (Egito, Mesopotâmia, etc.) não eram economias escravistas e não tinham uma concepção nítida de propriedade privada da terra, que permaneceu nas mãos da coletividade.


    As cidades-estados gregas tornaram a escravidão, pela primeira vez na história, absoluta e dominante, transformando-a de recurso subsidiário em modo de produção sistemático. De qualquer forma o escravismo clássico conviveu camponeses e artesãos urbanos livres, em combinações variáveis.


    O esplendor da cultura clássica foi testemunho da escravidão e o declínio do escravismo marcou o fim da época clássica.

 
    Uma pesquisa de 1967, informa que a razão entre escravos e cidadãos livres, em Atenas, na época de Péricles (454 aC a 429 aC) era de 3:2, provavelmente de 80 a 100 mil escravos para 45 mil cidadãos livres. Mesmo entre os grandes filósofos da Antiguidade não havia oposição ao trabalho escravo, pelo contrário, Aristóteles acreditava que o Estado devia possuir escravos. Xenofonte, ao elaborar um plano para restaurar as fortunas de Atenas, acredita que o Estado deveria ter escravos públicos, até que houvesse 3 escravos para cada cidadão ateniense.


    Na Grécia clássica os escravos foram usados regularmente nos negócios, na agricultura e no artesanato. Enquanto o escravismo tornava-se dominante, liberava o cidadão para a política, para a filosofia e para as artes. A cidadania e a escravidão eram indivisíveis, uma era condição da outra.


    A escravidão era a mola econômica que unia a cidade e o campo. A agricultura permitia a diferenciação entre a classe produtora (os escravos) e a classe dirigente urbana, de origem rural (os proprietários). É o produto do trabalho escravo que possibilitou o intercâmbio comercial com o Mediterrâneo.


    O preço a pagar pelas relações de produção escravistas foi, no entanto, muito grande. Ainda que na sua fase inicial, o escravismo foi responsável pela expansão da economia clássica, difundindo as culturas do vinho, do azeite e do trigo, introduzindo moinhos rotativos de cereais, criando prensas de parafusos, desenvolvendo técnicas de produção de vidro, etc., contudo, o seu desenvolvimento não foi capaz de dar um impulso dinâmico que fosse capaz de levar a economia a uma nova fase de desenvolvimento.


    Perry Anderson, de quem retiramos estas idéias, vê na brutal diferença entre a vitalidade cultural e política do mundo grego-romano e, na pobreza da tecnologia e dos meios de produção existentes uma relação de causa e efeito do escravismo. Uma vez que o trabalho manual esteve sempre ligado à escravidão não havia incentivo para a produção de tecnologia. Havia um divórcio tão grande entre o trabalho material (escravo) e a cidadania, que os gregos não desenvolveram um conceito que designasse trabalho, quer como conduta pessoal quer como função social.


    José Tadeu Cordeiro baseou-se em Perry Anderson, Passagens da Antiguidade ao Feudalismo.

 


    Interpretando o texto


1.Qual a diferença entre a civilização clássica (Grécia e Roma) e a civilização Oriental (Egito, Mesopotâmia) na passagem de uma sociedade sem classes para uma sociedade com classes?


2.Como era a vida econômica das cidades grego-romanas?


3.Por que o autor enfatizou a importância do Mediterrâneo?


4.Qual a importância da produção escravista para o mundo grego-romano?


5.Na análise da Antiguidade Clássica, chama a atenção à diferença entre a vitalidade cultural (política, filosofia, artes, etc.) e a pobreza tecnológica. Como o autor explica essa diferença? Como relacionar isso com nossa vida tecnológica e cultural?