O Modo de Produção Feudal
    José Tadeu Cordeiro

 

 

O feudalismo apareceu na Europa Ocidental, a partir do século X e, desenvolveu-se nos dois séculos seguintes, para chegar ao apogeu no século XIII. O feudalismo tem suas origens na combinação do colonato romano (que sucedeu ao escravismo na Roma Clássica) e, num costume germânico de doar terras aos guerreiros.


    Caracterizou o feudalismo: ser uma sociedade eminentemente rural, dividida em: servos (trabalhadores), senhores feudais (cavalaria) e os cléricos (membros da Igreja de Roma) e o poder político descentralizado (o poder estava no feudo).


    Os servos trabalhavam uma parte dos dias da semana para o senhor feudal (corvéia) e os dias restantes (da semana) numa parte da terra reservada para seu sustento e de sua família. Perry Anderson, ressalta a importância do servo trabalhar alguns dias da semana para si, porque ele passa a ter interesse em aumentar sua produção, o que de fato ocorreu, com o desenvolvimento de novas técnicas e da experiência acumulada.


    Autores consagrados, como Anderson e Karl Marx, advertem que o progresso ocorrido na produção durante os séculos XII e XIII está mais ligado às relações econômicas, entre o servo e o senhor feudal, do que às novas tecnologias (charrua de ferro, o cavalo que substitui o boi como animal de tração, a rotação de culturas, o adubamento folhar, a adoção em larga escala da azenha, etc.) e, que estas (novas tecnologias) é um reflexo das novas relações econômicas (feudais).


    Exemplo disso é a organização obtida pelo senhor feudal. Como ele dispõe de uma vasta área submetida à sua exploração, pode introduzir a azenha (máquina de moer o trigo), dando origem a um dos mais detestáveis monopólios de exploração: o servo era obrigado a levar seu trigo para moer na azenha do senhor feudal, deixando lá parte do seu trigo pelo “direito” de usar a azenha.


    O aumento da produção, principalmente de trigo (cereal que era à base da alimentação do camponês) levou a ocupação de terras incultas e de terras de difícil conversão à agricultura. Entre o ano 1.000 e 1250 houve um grande movimento de colonização da Europa, ao mesmo tempo em que a população européia saltava de 20 milhões de habitantes (970) para 54 milhões em 1348 (quando a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos assolaram a Europa).


    Foi no meio dessa sociedade em crescimento que o comércio ganhou nova vida e as cidades desabrocharam, como encruzilhadas de mercados regionais e de centros de manufaturas, ensejando a crise do feudalismo.


    1º O desenvolvimento do comércio Dois grandes movimentos comerciais se manifestaram na periferia da Europa Continental: um no Mar Mediterrâneo (Sul) e outro no Mar Báltico (Norte).


    A irrupção islâmica na Bacia do Mediterrâneo, no século VII, fechara-o aos cristãos do Ocidente, principalmente o mar Tirreno, enquanto o mar Adriático e o mar Egeu mantinham um comércio pouco relevante que, no entanto, favoreceu o desenvolvimento de Veneza.


    Esta, aos poucos se transforma numa potência marítima, junta-se aos bizantinos (Bizâncio) e consegue o monopólio do comércio em todo Império Bizantino. Enquanto isso Pisa une-se aos genoveses, para derrotar e saquear o infiel muçulmano (infiel ao cristianismo) e, construir a Catedral de Pisa, logo após o saque contra a Mesquita de Mehdia, em 1087. Além dos saques, os vencedores impõem-lhes contratos de comércio que lhes são amplamente vantajosos.


    Em 1097, Genova enviou aos cruzados, sitiados em Antioquia, reforços e víveres. Após a tomada de Jerusalém, suas relações com o Oriente multiplicaram-se rapidamente. Por outro lado, Pisa dedicava-se com crescente entusiasmo ao abastecimento dos Estados fundados, na Síria, pelos cruzados.Marselha e Barcelona lançam os fundamentos para o comércio. Todo o Mediterrâneo abre-se ao comércio com o Oriente.


    As cidades mediterrânicas não deixaram de colaborar com as Cruzadas, até o dia em que São Luis é derrotado em Tunis (1270), marcando definitivamente o malogro do pretendido domínio religioso do Oriente.Os lucros obtidos pelos provedores da guerra (as cidades mediterrânicas) foram, no entanto, abundantes.


    O resultado duradouro e essencial das cruzadas foi o de ter dado as cidades italianas e, em menor grau, da Provença e da Catalunha o domínio do Mediterrâneo.

 


    O reinicio do comércio marítimo, coincidiu com a penetração para o interior do continente europeu. A agricultura, solicitada pelo intercâmbio, renova sua organização e passa a produzir também para o comércio. Mas, também se vê o incremento da atividade manufatureira, que se volta para o comércio de longa distância.


    As especiarias (pimenta, cravo. canela, etc.) são a um só tempo os primeiros objetos desse comércio e, até o final do século XVI, não deixaram de representar sua maior riqueza. Primeiro Gênova, depois Veneza e Pisa e, finalmente Lisboa e Antuérpia se enriqueceram com o seu comércio. Além das especiarias, as importações européias concentravam-se no algodão e na seda, à medida que as manufaturas italianas e depois a continental se interessavam pelos respectivos produtos. Em troca das importações orientais, os europeus (genoveses, venezianos, etc.) levavam os fustões tecidos na Itália e, a partir do século XIII, os tecidos da França Setentrional e da região de Flandres. Após a decadência da Feira de Champagne (século XIII), os tecidos de Flandres, cuja suavidade, flexibilidade e a beleza das cores não tinham rival na Europa, desempenharam um papel tão importante quanto ao das especiarias no comércio.


    O florescimento da manufatura têxtil na região de Flandres representou o estabelecimento dos mercadores em Bruges (hoje, situada na Bélgica). Desde a segunda metade do século XIII, a feitoria da Hansa (liga de mercadores do norte da Europa) instalada em Bruges, torna-se tão importante quanto às cidades Mediterrânicas, e, às vezes, superando-as.


    Os rios Wesser, Elba e Oder eram as vias de comunicações por meio dos quais o seu comércio penetrava na Alemanha. As exportações da Hansa consistiam no trigo da Prússia (Alemanha), peles e mel da Rússia, além de madeiras para construção, pescados secos e arengue salgados do Norte da Europa, lã da Inglaterra e, o sal e o vinho da França. Todo esse tráfico girava em torno de Bruges, situada a meio caminho entre o norte da França (feiras de Champagne) e o Báltico.


    O volume do comércio da Hansa igualava e, talvez superasse o comércio do Mediterrâneo. Mas os capitais empregados eram menores. O valor das mercadorias transacionadas não permitia realizar os grandes lucros resultantes das vendas de especiarias.


    De qualquer maneira, é o intercâmbio comercial o responsável pelo escoamento da produção manufatureira, principalmente de tecidos de lã, que produz uma classe burguesa cada vez mais rica e, cidades cada vez mais opulentas e esplendorosas, como as cidades alemãs, dos Países Baixos, da Inglaterra e da França, sem contar, evidentemente, as cidades mediterrânicas. É nestas cidades, que o Renascimento e, depois a Reforma fará surgir o mundo moderno, mas as bases já estavam lançadas.


    2.O desenvolvimento das cidades: As cidades criadas durante a Idade Média eram, antes de tudo, pontos de comércio e de manufaturas. Com raríssimas exceções – como Roma, sede da Igreja Católica e, Londres e Paris, sedes das monarquias – a importância das cidades estavam ligadas à área de sua influência econômica.


    A principio as cidades representam a oportunidade de absorver os produtos dos camponeses dos arredores. Assim que as primeiras comunas urbanas ofereceram um mercado exterior aos camponeses, desapareceu a estagnação econômica dos campos.


    A administração da comuna teve que regulamentar, desde o início, a entrada de víveres. Os administradores municipais esforçaram para colocar em contacto direto os vendedores (camponeses) e os compradores urbanos. Para isso, criaram normas que impediam a compra de mercadorias produzida pelos camponeses, antes que estas chegassem as cidades (mercados). Ao mesmo tempo, para disciplinar os preços das mercadorias, impediam os padeiros de comprar mais trigo do que o necessário e aos açougues de conservar carnes nos seus porões.


    Se no pequeno comércio, as cidades impediam a participação de intermediários, no comércio de produtos importados, onde dominavam os grandes comerciantes, as cidades impunham aos exportadores (os que vendiam seus produtos nas cidades) os intermediários, que formavam uma “pequena burguesia local”.


    A vila satisfazia as necessidades dos seus habitantes e dos moradores dos arredores. Os camponeses que abastecem as cidades de produtos agrícolas, adquirem manufaturados que não produzem.


    Não bastava disciplinar a venda de produtos agrícolas e os importados, com a crescente chegada às cidades de ex-servos (encaravam a cidade como um espaço de liberdade) torna-se necessário disciplinar a profissão de cada um (carpinteiros, ferreiros, escultores, ferramenteiros, etc.) e, as cidades se organizam de forma a controlar o número de artesãos em cada profissão e a área de atuação e os clientes de cada um deles. O que se fez foi evitar a competição, garantindo a área de trabalho de cada um.Essa é a origem das corporações.


    Os mestres (artesãos) são os chefes das oficinas de manufaturas, são os proprietários das ferramentas e da matéria prima. Pertencem-lhe a produção e o lucro com a venda desses produtos. Os aprendizes iniciam-se no ofício sob a orientação dos mestres, e ao terminar a aprendizagem transformam-se em trabalhadores assalariados. A passagem a mestre é difícil, uma vez que depende de pagamento de taxas, nascimento legítimo, filiação a burguesia, etc.

 


    O mestre artesão é um empresário independente, seu capital corresponde a sua casa e as ferramentas indispensáveis a sua profissão. Seus empregados são limitados por regulamentação e, mesmo que tivessem capital para expandir seu negócio, uma rígida regulamentação protegia os outros profissionais do mesmo ramo.


    É evidente que esse sistema de regulamentação não permitia a expansão dos negócios, e, por isso mesmo, as grandes manufaturas instalaram-se próximo às cidades, ou, elas mesmos deram origem às cidades, onde o papel das corporações era menor. É nestas cidades, principalmente nas grandes manufaturas de tecidos (lã) que o capital se separou do trabalho, ou seja, o investidor é o dono do capital (das matérias primas, das ferramentas, das instalações e do produto final) e os trabalhadores, inclusive o mestre artesão, se dedicam ao trabalho em troca de um salário (normalmente por semanas). É em torno dessas cidades, menos regulamentadas, que viceja o comércio internacional.


    José Tadeu Cordeiro baseou-se em Perry Anderson e Henry Pirrene



    Interpretando o texto

01.O que é a feudalismo? Como era formada a sociedade feudal? Quais suas características?


02.O que levou ao aumento da produção e da produtividade feudal?


03.Como foi a expansão do comércio e das cidades? Compare a cidade feudal à cidade grego romano?


04.Como se organizou a cidade para produzir manufaturas? E para se abastecer?


05.Qual a diferença entre as cidades corporativas e as que nasceram das grandes manufaturas?