O Processo de Independência e o 1º Império
    José Tadeu Cordeiro

 

 

A crise da economia açucareira marcou o início da dissensão entre a classe dominante colonial (grandes proprietários de terras, de engenhos e escravos) e os metropolitanos (monopolistas do nosso comércio).


    A crise da economia açucareira é conseqüência do fim do monopólio da produção açucareira, até 1670, monopólio português, através da colônia brasileira, e depois de 1670, o açúcar é produzido também pelos holandeses, na América Central.


    A entrada do açúcar holandês na Europa, acabava com o monopólio do açúcar brasileiro, dando início a uma competição que fará com que o preço do açúcar brasileiro seja reduzido a 1/3 do que valia antes do fim do monopólio.


    A competição criada com a entrada na Europa do açúcar holandês mostra não só a defasagem tecnológica da indústria açucareira brasileira, mas também as altas taxas cobradas pela Metrópole e pelos intermediários metropolitanos.


    A crise açucareira será abafada com o início da atividade mineradora (1693) mas permanecerá latente, a espera de melhor oportunidade para eclodir.


    A atividade mineradora evoluirá até atingir o apogeu entre 1750-1760, quando entrará em decadência. O apetite luso não leva em conta a decadência da produção mineira, taxa a produção como se ela estivesse no “pico”, o que levará ao movimento de libertação da Colônia, conhecido como Inconfidência Mineira, que fracassará. O mesmo ocorre com os alfaiates, em 1798.


    Nelson Werneck Sodré (Formação Histórica do Brasil) vê no fracasso dos movimentos de libertação colonial, em Minas e na Bahia, a impossibilidade da classe média (trabalhadores livres, intelectuais, religiosos, pequenos comerciantes, etc.) promoverem a Independência como conseqüência de sua força e, que seria necessário à participação efetiva dos grandes proprietários de terras, escravos e engenhos para que o processo de independência avançasse.


    Na realidade isso vai acontecer a partir de 1808, quando a família real portuguesa, ameaçada pela possível invasão francesa, abandona Portugal e instala-se no Brasil.


    A presença da família real no Brasil provoca uma enorme mudança na relação da Colônia com a Metrópole. Em primeiro lugar, foram abertos os portos brasileiros às nações amigas (Inglaterra). Com essa medida, nosso comércio com a Inglaterra passou a ser direto, melhorando os preços dos produtos brasileiros no exterior (açúcar, algodão, etc.) e o preço dos manufaturados ingleses na Colônia. Com o fim da intermediação portuguesa, na prática, coloca-se um ponto final no Pacto Colonial.


    Em segundo lugar, foram criadas no Brasil instituições necessárias à sua administração e à permanência das Cortes Portuguesas no Brasil. É desse período à criação do Banco do Brasil, de cursos superiores em Medicina e Direito, a criação da Biblioteca Nacional, da Imprensa Régia, de um plano siderúrgico (que não avançou devido à falta de indústria), o Jardim Zoológico do Rio, etc.


    Caio Prado Jr. ao analisar a evolução política do Brasil avalia que foram criadas neste período (1808-1820) todas as condições “que mesmo um país independente não teria ultrapassado, exceto pelo fato de permanecer à frente do governo brasileiro um estrangeiro”.


    Em 1820, ocorre na cidade do Porto (Portugal) uma revolução liberal (Revolução do Porto), que reivindica uma Constituição para Portugal, exige a volta do rei à Metrópole e, em relação ao Brasil, defende a re-colonização do Brasil.

 


    As aspirações portuguesas de re-colonizar o Brasil repercute, aqui, de maneira muito negativa. Os grandes proprietários só teriam a perder com a venda de seus produtos (açúcar, algodão, etc.) aos intermediários portugueses, que visavam retomar o monopólio de nosso comércio. Mas o prejuízo não seria somente dos grandes proprietários rurais, mas de toda a classe média, uma vez que os produtos manufaturados, importados da Inglaterra também sofreriam acréscimo com a intermediação portuguesa. Esta elevação de preços, atingiria também a Inglaterra, que teria seu comércio com o Brasil muito enfraquecido.


    À frente do governo brasileiro e diante das pressões re-colonizadoras das Cortes Portuguesas, José Bonifácio busca na figura do príncipe regente, uma aliança provisória entre conservadores (grandes proprietários de terras, escravos e engenhos) e liberais (classe média) que seja capaz de promover a Independência do Brasil, sem a “anarquia da participação popular”.


    Tão logo a Independência é proclamada (07.09.1822) o governo de José Bonifácio enfrenta a reação dos portugueses no Brasil. Estes compreendem que o imperador D. Pedro I é o único que pode defender seus interesses, e procuram aproximar-se do imperador.


    Enquanto isso, na Bahia e no Pará, as lutas contra a Independência prosseguem, o que leva o ministro José Bonifácio a autorizar a interdição de mercadorias destinadas aos comerciantes portugueses. Esta medida e o antilusitanismo que imperava, levou muitas famílias ricas a deixarem o Brasil, com seus capitais, retornando a Portugal.


    Toda essa situação (insatisfação e fuga de famílias portuguesas abastadas) acabou sendo um prato cheio para a oposição liberal, que via em tudo incompetência de José Bonifácio.


    O ministro, por sua vez, ataca os liberais de “anarquistas”, persegue suas principais lideranças (Gonçalves Ledo, Januário Barbosa, Diogo Feijó, etc.) e a imprensa liberal.


    Conservador no plano político, José Bonifácio fora educado na Europa, onde permaneceu por mais de 35 anos, como estudante, professor na área de mineralogia e como alto funcionário do governo português. Essa educação européia lhe permitiu assistir de perto o desenvolvimento da Revolução Industrial, na Inglaterra e, da Revolução Francesa, o que lhe valeu uma aversão aos movimentos populares, tal a intensidade e ferocidade das lutas revolucionárias francesas.


    No entanto, essas mesmas experiências (Revolução Industrial e Revolução Francesa) lhe permitiram desenvolver idéias econômicas e sociais que eram avançadas para o Brasil da época. Para Bonifácio, as terras improdutivas (que não estavam sendo cultivadas) deveriam voltar ao poder do Império, para que fosse doado àqueles que as pudessem transformá-las em terras produtivas. Além disso, propunha um plano de mecanização da lavoura que viesse a substituir o trabalho escravo, e ao fim de alguns anos, pusesse fim à escravidão.


    Esse conjunto de idéias, econômicas e sociais, o indispôs com os grandes proprietários de terras, de escravos e de engenhos, enquanto enfrentava os liberais.

 


    Sem apoio efetivo, Bonifácio é afastado do governo e passa a atuar na Assembléia Constituinte, onde ataca o governo de D. Pedro I de estar muito próximo aos portugueses (os pés de chumbo) e dos liberais, que só provocavam “anarquia”.


    A aliança que possibilitou a Independência não poderia prosperar. A Constituinte propôs uma série de restrições ao poder do Imperador, limitações que se estendiam à participação dos portugueses no governo e na política brasileira. Essa lusofobia retratava a preocupação de que o Imperador, herdeiro do trono português, no futuro, viesse a unir as duas Coroas.


    Indignado com as restrições discutidas na Assembléia Constituinte, D. Pedro I cercou o prédio com o exército e dissolveu a Constituinte. Em 1824 outorga (impõe) a primeira Constituição ao país. Nela destacam-se:


    1º além do Poder Executivo (exercido pelo Imperador e ministros), do Poder Legislativo (exercido pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, vitalício), e do Poder Judiciário, (composto por juízes e tribunais) a Constituição criou o Poder Moderador, exercido pelo Imperador;


    2º o catolicismo era a religião oficial do Estado brasileiro;


    3º o voto era censitário, ou seja, só poderia votar homens, com uma renda superior a 100 mil réis, o que equivalia à produção de 150 alqueires de mandioca. Para disputar cargos eletivos a renda tinha que ser maior, dependendo do cargo a que concorria.


    Como se vê, o trabalho escravo e o grande latifúndio, base da economia e da sociedade colonial, permaneceram intocados, a exemplo do que ocorrera nos Estados Unidos da América.


    A dissolução da Constituinte gerou desconfiança com relação ao Imperador, ao seu absolutismo e sua relação com o trono português, do qual permanecia como herdeiro.


    A mais importante reação à dissolução da Constituinte ocorreu no Nordeste, a partir de Pernambuco. A Confederação do Equador, é um movimento liberal, republicano e um repúdio as praticas absolutistas do imperador. Iniciado em julho de 1824, comandado por Frei Caneca, a revolta resistiu até setembro do mesmo ano, quando forças contratadas pelo Imperador a derrotaram . Seus principais líderes foram condenados e executados.


    A violência desencadeada na repressão a Confederação do Equador gerou um clima de repulsa ao Imperador em todo império. Isso é agravado pelo “estacionamento” das tropas estrangeiras, contratadas pelo imperador, no Rio de Janeiro, que provoca confusões o tempo todo.


    No ano de 1826, é eleita e empossada a 1ª Legislatura após a dissolução da Constituinte, é também o ano da morte de D. João (rei de Portugal). O imperador D. Pedro I é obrigado a renunciar ao trono português (em favor de sua filha) e optar pelo trono brasileiro, tamanho é a pressão que sofre dos políticos brasileiros.


    No Sul, a guerra da Cisplatina (província incorporada ao Brasil em represália à invasão francesa contra Portugal) provoca gastos excepcionais e insatisfação tanto no recrutamento interno como na contratação de forças externas para lutar pelo Império. Como já ressalvamos, as tropas estrangeiras, sediadas no Rio de Janeiro criaram problemas de insubordinação e, que foram agravados no contato com a população civil. Entre 09 e 13 de junho de 1828, o Rio de Janeiro viveu em pânico diante da rebelião de uma parte do exército estrangeiro, comandada por alemães. Ainda em 1828 é assinado um tratado de paz na Cisplatina, que dá origem ao Uruguai.


    Por trás de todos movimentos de crises aqui levantados, e do desgaste constante da imagem do imperador, existe uma economia agrícola que não se recuperou da quebra do monopólio do açúcar e, não existe uma atividade manufatureira que compensasse a crise rural.


    Em 07 de abril de 1831, depois de tentar acalmar revoltas contra seu governo em Minas e São Paulo, depois de trocar ministérios de brasileiros por portugueses, D. Pedro I, pressionado pela população do Rio de Janeiro e, sem apoio efetivo do exército, abdica do trono brasileiro em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, então, com 5 anos de idade. Para cuidar de sua educação e da defesa de seus direitos Pedro I convoca o antigo ministro, José Bonifácio.


    O período posterior ao 07 de abril é conhecido como período regencial, quando o Brasil é administrado pela própria classe política e, em virtude disso, as manifestações antilusitanas, as lutas pelo poder, principalmente nas províncias, ocorrem em todo Império, transformando esse período no mais conturbado de nossa história.


    Em 1840, por proposta dos liberais, o Congresso Brasileiro aprova uma lei que antecipa a posse de Pedro de Alcântara, então com 15 anos, como Imperador do Brasil. Entre 1840 e 1889 ele imperará como D. Pedro II.

 


    Interpretando o texto

1ª Qual a importância das crises do “açúcar” e do “ouro” na dissolução da aliança dos grupos dominantes da Colônia e da Metrópole?


2ª Em que medida a vinda da família Real para o Brasil influenciou no processo de Independência do Brasil?


3ª Reconstrua a participação de Bonifácio no governo? Em que sentido o texto traça uma imagem nova de José Bonifácio?


4ª Essa nova maneira de tratar um dos mitos da Independência, tem alguma relação com um novo olhar para a vida política? Justifique.


5ª Quais as principais crises que levaram o Imperador D. Pedro I a abdicar?