A batalha da mente

Alvin e Heidi Toffler

 

 

Em todo o mundo, críticos da América, inclusive alguns de seus relutantes aliados, manifestam ruidosamente apreensões de que Washington possa se empenhar no que eles chamam de política externa ao estilo “cowboy” – um bombardeio irresponsável do Afeganistão em revide aos revoltantes ataques terroristas em Nova York e Washington.

 

Se o governo Bush fosse tão brutal como é acusado de ser, o mundo poderia já estar livre do regime fascista-religioso do Taleban. Um único míssil Tomahawk ou uma bomba dos EUA poderiam ter eliminado todos os 600 mulás governantes, quando se juntaram numa conferência em Cabul em setembro, na qual repudiaram os pedidos de Washington para entregar Osama  bin Laden.

 

Depois de fazerem explodir estátuas budistas, prender equipes cristãs de ajuda, emitir histéricos ataques de caráter anti-semita contra os judeus e afrontar os hindus com seu apoio a terroristas islâmicos na Caxemira, o regime está tentando ativamente, assim como Bin Laden, comprometer todo o mundo muçulmano numa juhad, não somente contra os Estados Unidos, mas contra todos não-muçulmanos. Felizmente, a despeito das manifestações pró-Taleban em várias partes do mundo, a maioria esmagadora dos muçulmanos do mundo não é constituída de fanáticos, terroristas ou inimigos cheio de ódio. Mas, nas suas fileiras, há um grande número de indecisos.

 

Eles experimentam uma sensação de injustiça histórica, que remonta a meio milênio atrás ou mais. Tendo adotado várias ideologias seculares, na esperança de melhorar de vida – nacionalismo, socialismo, pan-arabismo, para enumerar alguns – sem chegar a lugar algum, agarraram-se à pior de todas as ideologias: não o islamismo, mas o “reversionismo”.

 

Reversionismo é a nostalgia patológica de um mundo pretensamente melhor, que existiu em alguma “idade de ouro” no passado. É a rejeição, não meramente do futuro mas do presente. O Taleban, com sua impetuosa ofensiva em direção ao século VII é a sua mais extrema manifestação.

Conceitos de Imagem Refletida - Na batalha contra as idéias do Taleban e de Bin Laden, a informação e o serviço secreto se tornam centrais. A campanha antiterrorista precisa ganhar a guerra pela conquista das mentes.

 

Hoje os Estados Unidos e o Taleban (com ou sem Bin Laden) estão tentando ganhar aliados. Washington está apelando a governos. O Taleban e Bin Laden apelam para as ruas.

 

O Taleban e Bin Laden buscam unir o “umma” – todo o mundo islâmico. Samuel Huntington, num livro polêmico, prevê que a principal guerra do futuro poderia ser, de fato, “o Ocidente contra o resto”. Esta é a imagem refletida no espelho que o Taleban e Bin Laden desejam: um Islã unido contra todo o resto. (Hutington, naturalmente, não estava interessado em provocar um conflito mundial; Bin Laden e o Taleban estão).

 

Ao citarem o Corão, seletivamente, para legitimar seus assassinatos em massa, eles retratam todo o mundo exterior como um inimigo sitiando o Islã, liderado pelo maior de todos os infiéis, os Estados Unidos. A vitória nesse conflito dependerá em grande medida do sucesso que cada lado tenha ao defini-lo.

 

No coração do conflito está, conseqüentemente, o que os especialistas em guerra da informação chamam de administração da percepção. Se a propaganda de Bin Laden tiver sucesso em persuadir os muçulmanos de que se trata de uma guerra contra o Islã, as chamas do terrorismo se propagarão em todo mundo: Bin Laden, vivo ou morto, ganhará, e os regimes muçulmanos moderados estarão ameaçados, da Malásia ao Marrocos.

Os Estados Unidos e os seus aliados têm uma tarefa informativa mais difícil, mais sutil. Precisam deixar clara a distinção entre religião e  terror. E precisam transmitir essa mensagem, não somente a diplomatas e líderes, mas para as almas e para as ruas, onde os estômagos de milhões de pessoas empobrecidas e sem instrução recebem fogo em vez de comida.

 

Para essa tarefa decisiva, não ajudam as referência ingênuas como “cruzada” a uma campanha global antiterrorista ou o menosprezo do Islã manifestado publicamente pelo boquirroto primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

 

O presidente George W. Bush, tem declarado reiteradamente que o objetivo é esmagar os terroristas e seus patrocinadores e não causar dano ao Islã. Mas o que se necessita é uma ofensiva global de paz mais ampla e tecnologicamente mais sofisticada que tranqüilize o ummah, trate-o com dignidade e o convença de que o Taleban e Bin Laden são apóstatas e hereges abomináveis que profanam o Corão.

 

Rádio e rumor - Ao banir a televisão, o Taleban deixou seu povo, predominantemente analfabeto, dependente de um único veículo , o rádio.

 

A coalizão antitaleban deve bloquear todas as transmissões do Taleban, com interferências e montar a Rádio Corão – uma rede de emissoras multilíngües que não faria nada mais do que citar, repetindo sempre, passagens do Corão conclamando à paz, juntamente com mensagens com essa finalidade, dirigidas por líderes muçulmanos de todo o mundo.

 

 

A coalizão mundial contra o terror precisa criar também as próprias emissoras, destinadas a desmentir boatos venenosos disseminados por jornais paquistaneses e afegãos, de que os ataques terroristas foram na realidade executados pela Índia, ou pelos judeus, ou pelos próprios Estados Unidos. Poderíamos também contar com um exército de hackers dos EUA ou de outros países prestando trabalho voluntário para identificar os sinais da Web que dão origem a essas mentiras propagandísticas, desmantela-las ou faze-los atuar contra si mesmos.

 

Além de alimentar as mentes, os EUA deveriam continuar a alimentar as barrigas, especialmente dos refugiados de ambos os lados das fronteiras afegã-paquistanesa. Embora os EUA já sejam  o maior doador de alimentos para os famintos afegãos, deveriam aumentar dramaticamente esse apoio. Fardos carregados de alimentos podem ser lançados com precisão por aviões em vôo baixo. Mas cada saco com alimentos pagos pelos EUA deveria ter dentro dele ou nele estampada uma  bandeira americana – e não, de forma idiota, como é o caso atualmente, com as letras USA em inglês (os beneficiários são na maior parte analfabetos em sua própria língua, imaginem em inglês).

 

Outros artigos necessários, também como camisetas, tendas, utensílios de cozinha, folhas de plástico, produtos farmacêuticos, roupas de bebês, e assim por diante, deveriam ostentar as estrelas e as listras, de modo que ninguém ficasse em dúvida quanto à fonte desses socorros. Mas os doadores deveriam distribuir, junto com isso, pilhas baratas e aparelhos de rádio pré-sintonizados em estações antitaleban.

 

A má notícia é que a maldade, cada vez mais criativa, sem dúvida inspirará outros ataques no futuro. E não apenas por clones do Taleban. Há grande quantidade de outros movimentos fanáticos no mundo. Os países ainda não experimentaram um ataque químico ou biológico ou uma guerra cibernética. E pequenos ataques – como o do lancha lançada contra o navio  USS Cole e o de um punhado de fanáticos contra o World Trade Center – podem causar imensa destruição assimétrica.

 

Tudo isso é verdade, mas a raça humana tem um instinto de sobrevivência poderoso e resistente que a afasta da beira da catástrofe. Certamente, um dos fatos mais surpreendentes de nossa época é que nem uma única arma nuclear, das dezenas de milhares que existem, muitas das quais guardadas negligentemente, foi usada para matar quem quer que seja durante quase 60 anos que se seguiram a Hiroshima e Nagasaki.

 

Parece impossível – e esse período de sorte pode chegar ao fim – mas isso não foi apenas resultado do acaso. Em todo o mundo, nos exércitos e nas polícias, bem como em salas de aula e movimentos pela paz, há seres humanos trabalhando duro e se esforçando arduamente , dedicados à busca da paz. Sua capacidade cerebral, vigor e prudência triunfarão.

 

O reversionismo – a tentativa de impor o passado – garante pobreza perpétua, fomes periódicas, patriarcado, controle totalitário da vida cotidiana e anos de vidas truncados. Eis porque, em devido tempo, à medida que o mundo se move para o amanhã, Bin Laden e o Taleban desaparecerão no buraco negro do esquecimento, o lugar que lhes cabe.